A sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) realizada nesta sexta-feira, 23 de maio de 2025, marcou um momento de alta tensão no processo que investiga a tentativa de golpe de Estado articulada no final de 2022. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, protagonizou um embate com o ex-ministro Aldo Rebelo, testemunha de defesa do almirante Almir Garnier, acusado de participar do plano golpista. A audiência, parte da fase de instrução criminal, reuniu depoimentos de figuras-chave ligadas aos réus Alexandre Ramagem e Walter Braga Netto, ambos do chamado “núcleo crucial” da trama. O confronto verbal entre Moraes e Rebelo expôs a complexidade das discussões sobre as intenções e responsabilidades dos acusados.
O processo, que apura crimes como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, avança com a oitiva de 82 testemunhas, iniciada em 19 de maio e prevista para terminar em 2 de junho. As audiências ocorrem por videoconferência, sob comando de Moraes, e envolvem tanto testemunhas de acusação, indicadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), quanto de defesa, arroladas pelos réus. A sessão de hoje destacou a dificuldade de esclarecer fatos em um caso que combina questões jurídicas, políticas e militares.

A troca acalorada entre Moraes e Rebelo ocorreu durante questionamentos sobre a possibilidade de Garnier mobilizar tropas para um golpe. O episódio reflete a pressão sobre as testemunhas para fornecer respostas objetivas, sem interpretações subjetivas. A seguir, os principais pontos abordados na audiência:
- Depoimentos de defesa de Ramagem e Braga Netto, com testemunhas como Carlos Afonso Gonçalves Gomes Coelho e Waldo Manuel de Oliveira Aires.
- Discussão sobre a cadeia de comando militar e a viabilidade de ações unilaterais por parte de comandantes.
- Confirmação, por testemunhas de acusação, de reuniões em que Bolsonaro teria discutido planos para permanecer no poder após a derrota eleitoral.
Embate entre Moraes e Rebelo
A audiência desta sexta-feira ganhou destaque pelo confronto entre Alexandre de Moraes e Aldo Rebelo, ex-ministro da Defesa no governo Dilma Rousseff. Rebelo, indicado como testemunha pela defesa de Almir Garnier, foi questionado sobre a possibilidade de um comandante da Marinha mobilizar tropas de forma autônoma para apoiar uma tentativa de golpe. O ex-ministro tentou contextualizar a expressão “estou à disposição”, usada por Garnier em supostas conversas com Bolsonaro, argumentando que se tratava de uma figura de linguagem, e não de uma intenção literal de ruptura institucional.
Moraes reagiu com firmeza, exigindo que Rebelo se limitasse aos fatos, já que ele não esteve presente nas reuniões mencionadas. O ministro destacou que a interpretação da língua portuguesa feita pelo ex-ministro era irrelevante, uma vez que ele não tinha conhecimento direto dos eventos. Rebelo, por sua vez, defendeu sua análise, afirmando que não aceitava censura sobre sua visão da linguagem. A resposta levou Moraes a advertir que Rebelo poderia ser preso por desacato caso não respeitasse as regras da audiência.
Após a repreensão, Rebelo negou que um comandante pudesse agir sozinho, explicando que a mobilização de tropas depende de uma cadeia de comando envolvendo estruturas como o comando de operações navais e a esquadra. Moraes, no entanto, reforçou que o ex-ministro, por ser civil e não ter expertise militar, não poderia garantir a impossibilidade de ações unilaterais. O ministro citou o golpe de 1964, quando a cadeia de comando não foi plenamente respeitada, para ilustrar que decisões militares nem sempre seguem protocolos rígidos.
Depoimentos de defesa de Ramagem e Braga Netto
A sessão também avançou com os depoimentos de testemunhas indicadas pelas defesas de Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), e Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil. Entre os depoentes estava Carlos Afonso Gonçalves Gomes Coelho, ex-delegado da Polícia Federal, arrolado por Ramagem. Ele respondeu a perguntas sobre o funcionamento da Abin durante a gestão do deputado, que é acusado de usar a agência para monitorar adversários políticos de Bolsonaro, em um caso conhecido como “Abin paralela”.
Outra testemunha, o coronel do Exército Waldo Manuel de Oliveira Aires, depôs em favor de Braga Netto. O general, preso desde dezembro de 2024, é apontado como um dos líderes do “núcleo crucial” da trama golpista, ao lado de Bolsonaro e outros seis réus. Aires foi questionado sobre a atuação de Braga Netto no governo e sua relação com as Forças Armadas, mas evitou detalhes que comprometessem o acusado. A audiência, que durou cerca de 40 minutos na parte da manhã, foi conduzida com rigor por Moraes, que homologou pedidos de desistência de outras testemunhas previstas para o mesmo dia.
Os depoimentos de defesa contrastaram com os de acusação, ouvidos desde o início da semana. Testemunhas como o ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes e o ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior confirmaram a existência de reuniões em que Bolsonaro discutiu a possibilidade de decretar um estado de sítio ou intervenção militar para anular o resultado das eleições de 2022. Esses relatos reforçam a denúncia da PGR, que aponta um plano coordenado para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
Cadeia de comando militar em debate
A questão da cadeia de comando militar surgiu como um ponto central na audiência. A defesa de Garnier buscou demonstrar que o almirante não tinha autoridade para mobilizar tropas sem o aval de outras instâncias das Forças Armadas. Rebelo, em seu depoimento, detalhou que a estrutura da Marinha inclui comandos intermediários, como o de operações navais, que tornam inviável uma ação unilateral de um comandante. Ele destacou que decisões de grande porte exigem coordenação entre diferentes setores militares.
Moraes, no entanto, questionou a validade do argumento, apontando que históricos de rupturas institucionais no Brasil, como o golpe de 1964, mostram que a cadeia de comando nem sempre é respeitada em momentos de crise. O ministro enfatizou que Rebelo, por sua formação como historiador e não como militar, não poderia afirmar categoricamente que um comandante seria incapaz de agir isoladamente. A discussão expôs a dificuldade de delimitar responsabilidades em um caso que envolve tanto aspectos técnicos quanto políticos.
A PGR, por sua vez, sustenta que Garnier expressou apoio a Bolsonaro em reuniões estratégicas, colocando-se à disposição para ações que poderiam culminar em uma tentativa de golpe. A denúncia aponta que o almirante, junto a outros membros do “núcleo crucial”, participou de articulações que incluíam a elaboração de minutas de decretos para suspender o Estado Democrático de Direito. Esses documentos, segundo a investigação, foram discutidos em encontros no Palácio da Alvorada.
Testemunhas de acusação reforçam denúncias
As audiências iniciadas em 19 de maio já ouviram testemunhas de acusação que fortaleceram a tese da PGR. Entre os depoentes estavam Éder Lindsay Magalhães Balbino, empresário acusado de elaborar um falso dossiê sobre fraudes nas urnas eletrônicas, e Clebson Ferreira de Paula Vieira, analista de inteligência que teria produzido levantamentos para mapear a votação em 2022. Ambos confirmaram a existência de esforços para questionar a legitimidade do processo eleitoral.
Outro depoimento relevante foi o de Adiel Pereira Alcântara, ex-coordenador de inteligência da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Ele detalhou operações da PRF durante o segundo turno das eleições, que incluíram fiscalizações intensas em regiões onde Lula tinha forte apoio. Essas ações, segundo a PGR, faziam parte de um plano para dificultar o acesso de eleitores às urnas. O depoimento de Alcântara corroborou informações fornecidas por Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que firmou acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal em 2023.
A sequência das oitivas segue um cronograma rígido, com testemunhas de acusação sendo ouvidas primeiro, seguidas pelas de Mauro Cid e, por fim, as de defesa dos demais réus. A PGR arrolou nomes de peso, como o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, cuja oitiva foi dispensada por acordo entre as partes. A dispensa de Ibaneis, que seria testemunha de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, reflete a estratégia da acusação de focar em depoimentos mais diretamente ligados aos fatos investigados.
Papel de Mauro Cid na investigação
Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, ocupa um lugar central no processo. Sua colaboração premiada, firmada em 2023, forneceu à PF detalhes cruciais sobre as articulações golpistas. Cid confirmou a existência de reuniões no Palácio da Alvorada e no Ministério da Defesa, nas quais Bolsonaro e aliados discutiram medidas para contestar o resultado eleitoral. Ele também entregou documentos, incluindo minutas de decretos que previam a suspensão do Estado Democrático de Direito.
As testemunhas indicadas por Cid começaram a ser ouvidas em 22 de maio. Seus depoimentos reforçam as informações prestadas pelo delator, especialmente sobre o envolvimento de figuras como Braga Netto e Garnier. A PGR utiliza essas declarações para sustentar que o “núcleo crucial” agiu de forma coordenada, com divisão de tarefas entre civis e militares. Cid, por sua vez, enfrenta acusações pelos mesmos crimes que os demais réus, mas sua colaboração pode resultar em benefícios judiciais.
A defesa de Cid busca demonstrar que ele agiu sob ordens superiores, sem iniciativa própria nas ações investigadas. Seus advogados argumentam que o tenente-coronel era subordinado a Bolsonaro e não tinha poder de decisão nas articulações. Essa linha de defesa contrasta com a da PGR, que o aponta como um dos articuladores do plano, responsável por transmitir informações e coordenar reuniões.
Acusações contra o núcleo crucial
O “núcleo crucial” da trama golpista, segundo a PGR, é composto por oito réus, todos denunciados por cinco crimes:
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
- Tentativa de golpe de Estado.
- Participação em organização criminosa armada.
- Dano qualificado pela violência ou grave ameaça contra o patrimônio da União.
- Deterioração de patrimônio tombado.
Alexandre Ramagem, único parlamentar entre os acusados, responde a três dos cinco crimes, já que a Câmara dos Deputados suspendeu parcialmente a ação penal contra ele. A decisão, tomada em 7 de maio de 2025, limitou a apuração de crimes cometidos após sua diplomação como deputado federal, em dezembro de 2022. Ramagem continua respondendo por tentativa de golpe, organização criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, delitos que teriam começado em 2021, durante sua gestão na Abin.
Braga Netto, por sua vez, enfrenta acusações mais amplas. A PGR aponta que o general, como candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, desempenhou um papel de liderança nas articulações. Sua prisão preventiva, mantida por Moraes em 22 de maio, foi justificada pelo risco que sua liberdade representaria à ordem pública. A defesa de Braga Netto contesta a medida, alegando violação do princípio da presunção de inocência, e promete recorrer da decisão.
Avanço do cronograma de oitivas
As audiências de instrução criminal seguem até 2 de junho, com um total de 82 testemunhas previstas. O cronograma foi mantido apesar de pedidos da defesa de Bolsonaro e Augusto Heleno para adiar os depoimentos, sob a alegação de que não houve tempo suficiente para analisar documentos liberados pela Polícia Federal. Moraes rejeitou os pedidos, argumentando que os materiais não foram usados como prova direta no processo.
A partir de 30 de maio, serão ouvidas as testemunhas indicadas por Bolsonaro, incluindo o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o ex-ministro Gilson Machado. No dia 2 de junho, o senador Rogério Marinho depõe como testemunha de Braga Netto. As oitivas ocorrem simultaneamente por videoconferência, para evitar combinações de versões entre os depoentes, e são acompanhadas por representantes da PGR e das defesas.
Cada depoimento é conduzido por um juiz auxiliar de Moraes, com possibilidade de questionamentos por todas as partes. A fase de instrução criminal é crucial para a produção de provas documentais e periciais, além de eventuais diligências complementares. Após o término das oitivas, Moraes marcará os interrogatórios dos réus, seguidos das alegações finais da acusação e da defesa, em um prazo de 15 dias cada.
Envolvimento de outros réus
Além de Ramagem, Braga Netto e Garnier, outros réus do “núcleo crucial” enfrentam acusações graves. Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, é apontado como um dos articuladores de reuniões estratégicas com Bolsonaro. Suas testemunhas de defesa, incluindo o ex-vice-presidente Hamilton Mourão, serão ouvidas ainda nesta sexta-feira, a partir das 14h. Mourão também depõe em favor de Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto, reforçando a interconexão entre os réus.
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, e Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, também estão no centro das investigações. Torres, que foi secretário de Segurança Pública do Distrito Federal durante os atos de 8 de janeiro de 2023, é acusado de omissão na contenção dos ataques aos prédios dos Três Poderes. Sua defesa indicou testemunhas como Ibaneis Rocha, mas a dispensa do governador indica um reposicionamento estratégico.
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, enfrenta acusações de ter se colocado à disposição de Bolsonaro para ações golpistas. A defesa do almirante tentou, sem sucesso, evitar o depoimento do atual comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, que será ouvido ainda hoje. Olsen alegou não ter conhecimento dos fatos, mas Moraes negou seu pedido de dispensa, considerando o depoimento essencial para esclarecer comunicações oficiais da Marinha em novembro de 2022.
Próximos passos do processo
A fase de instrução criminal, que inclui as oitivas de testemunhas, é uma das últimas etapas antes do julgamento final pela Primeira Turma do STF, formada por cinco ministros: Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Flávio Dino. A expectativa é que o julgamento ocorra entre setembro e outubro de 2025, quando os réus serão considerados culpados ou inocentes. As penas, em caso de condenação, podem ultrapassar 30 anos de prisão, devido à gravidade dos crimes imputados.
Após as testemunhas, Moraes determinará a data para os interrogatórios dos réus, que serão intimados a depor perante o STF. A acusação e a defesa terão, respectivamente, 15 dias para apresentar suas alegações finais. A PGR deve reforçar a tese de que o “núcleo crucial” agiu de forma coordenada, com reuniões, documentos e ações concretas para subverter o resultado eleitoral. As defesas, por outro lado, buscam desqualificar as provas, alegando falta de materialidade ou interpretação equivocada dos fatos.
A condução do processo por Moraes tem sido marcada por decisões firmes, como a manutenção da prisão de Braga Netto e a advertência a testemunhas como Rebelo. O ministro também enfrentou críticas de setores bolsonaristas, que acusam o STF de atuar com parcialidade. A oposição na Câmara, por exemplo, tentou suspender a ação contra Ramagem, mas a Primeira Turma limitou a decisão, garantindo a continuidade do processo para crimes anteriores à sua diplomação.
Testemunhas de peso no horizonte
O cronograma das próximas audiências inclui depoimentos de figuras de destaque, como Tarcísio de Freitas, que falará em defesa de Bolsonaro. O governador de São Paulo, aliado do ex-presidente, deve abordar o contexto político das eleições de 2022, possivelmente negando a existência de articulações golpistas. Sua participação é vista como um reforço à estratégia da defesa de Bolsonaro, que busca desacreditar as denúncias da PGR.
Outro depoimento aguardado é o de Hamilton Mourão, ex-vice-presidente, que falará em favor de múltiplos réus. Mourão, que se distanciou de Bolsonaro após o fim do governo, pode trazer informações sobre o funcionamento do Gabinete de Segurança Institucional e do Ministério da Defesa, onde Heleno e Braga Netto atuaram. Sua visão como militar e político será crucial para esclarecer o papel dos réus nas articulações investigadas.
O senador Rogério Marinho, aliado de Braga Netto, também está entre as testemunhas de defesa. Seu depoimento, marcado para 2 de junho, deve abordar a campanha eleitoral de 2022, quando Braga Netto foi candidato a vice-presidente. A defesa do general aposta em Marinho para contextualizar as ações de Braga Netto como parte do processo político, e não como tentativas de ruptura institucional.
Histórico do caso
A investigação sobre a tentativa de golpe começou após os atos de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram os prédios do Congresso Nacional, do STF e do Palácio do Planalto. A PGR identificou que os ataques foram o desdobramento de um plano mais amplo, iniciado em 2021, para questionar a legitimidade das urnas eletrônicas e preparar o terreno para uma intervenção militar. A denúncia contra os oito réus do “núcleo crucial” foi aceita por unanimidade pela Primeira Turma do STF em 26 de março de 2025.
A colaboração de Mauro Cid foi um divisor de águas no caso, fornecendo provas documentais e testemunhais que embasaram a denúncia. Além dele, depoimentos de militares como Freire Gomes e Baptista Júnior confirmaram que Bolsonaro apresentou minutas de decretos golpistas em reuniões no final de 2022. Esses documentos previam a decretação de um estado de defesa ou sítio, medidas que poderiam suspender garantias constitucionais e impedir a posse de Lula.
A PGR dividiu os acusados em núcleos, com o “núcleo crucial” sendo o grupo de liderança, formado por Bolsonaro, Braga Netto, Ramagem, Heleno, Torres, Garnier, Nogueira e Cid. Outros núcleos incluem executores, financiadores e disseminadores de desinformação, totalizando mais de 30 denunciados. O foco atual do STF está no “núcleo crucial”, devido ao seu papel central na articulação do plano.