Criada em 2010 com a missão de impulsionar a economia acreana, a Zona de Processamento de Exportação (ZPE) vive um novo capítulo: agora sob comando chinês, com previsão de inauguração em novembro e conexão com o Porto de Chancay (Peru), o projeto pode finalmente transformar o Acre em elo comercial com a Ásia. Idealizada por Jorge Viana e resgatada no atual cenário diplomático, a ZPE volta ao radar como peça-chave do desenvolvimento regional.
ZPE do Acre: quando o sapato é caro, mal feito e ninguém cobra a nota
Criada como promessa de desenvolvimento, a Zona de Processamento de Exportação do Acre passou mais de uma década abandonada, acumulando gastos públicos sem retorno, estruturas ociosas e promessas não entregues. Foi o que se pode chamar, sem exagero, de um sapato feito sob medida para um pé que nunca usou.
A analogia é inevitável: a ZPE foi um projeto encomendado com base em modelos de estados industrializados, pensado para realidades tributárias e produtivas que o Acre ainda não possuía. O sapato, bonito na prateleira e vendido como solução mágica, era caro, rígido e inútil para quem precisava caminhar. E pior: foi pago com dinheiro público.
Quando tudo falha, até a omissão vira projeto
Entre 2010 e 2021, o Acre viveu uma sequência de gestões que falharam redondamente com a ZPE. O projeto foi criado durante o governo Binho Marques, sucessor de Jorge Viana, e seguiu com Tião Viana, ambos do PT. Depois passou por Gladson Cameli, que optou pelo leilão.
Foram três gestões consecutivas, cada uma com sua dose de omissão, ineficiência ou desinteresse. O que era para ser uma estrutura estratégica se tornou um cemitério de placas, alambrados e relatórios não lidos.
E é aqui que entra o chamado “trio maravilha”: Tribunal de Contas, Controladoria-Geral e Ministério Público, que assistiram inertes à sangria de recursos públicos por mais de uma década. Não houve responsabilização técnica, sanções administrativas ou devolução de valores aos cofres públicos.
Onde estava o TCE quando a ZPE foi desalfandegada por falta de pagamento de sistema?
Onde estavam os relatórios de alerta sobre a inoperância da estrutura?
Onde está, até hoje, um parecer com responsabilização dos agentes públicos que aprovaram e geriram esse fracasso institucional por 11 anos?
Lapso temporal e silêncio institucional
Segundo a Constituição Estadual, a omissão em zelar pelo uso eficiente de recursos públicos é passível de sanção por improbidade administrativa. No entanto, nenhuma ação foi proposta, nenhuma prestação de contas foi questionada, nenhuma sindicância promovida.
A comparação com o sapato volta com força: não tentaram mais forçar o mesmo modelo que machucava o pé. Reformaram a sola, ajustaram a forma, costuraram com outro material e, principalmente, buscaram quem realmente soubesse caminhar nesse terreno.
Mas o calo da memória pública precisa ser preservado: quanto se perdeu para, só agora, fazer do projeto algo funcional? Quem responde pela inoperância de uma década?
Leilão e virada: o sapato foi reformado, mas o calo ficou
Em 2021, o governo estadual decidiu leiloar a administração da ZPE. O empreendimento foi arrematado por R$ 25,8 milhões pela China Haiying do Brasil, uma empresa de capital chinês com atuação no setor logístico. Agora, sob nova gestão, a estrutura está sendo reformada, regularizada e adaptada para finalmente operar. A inauguração está prevista para novembro de 2025.
Pela primeira vez, a promessa da ZPE parece sair da ficção para a prática — mas sem que ninguém tenha sido cobrado pelo roteiro anterior.
Entre promessas e ação: quem foi mais assertivo com a ZPE do Acre?
A trajetória da ZPE entre 2010 e 2021 expõe uma sucessão de falhas políticas, técnicas e administrativas. Binho Marques formalizou a criação, mas não estruturou sua operação real. Tião Viana manteve a narrativa, mas permitiu a paralisação completa. Ambos desperdiçaram recursos, tempo e credibilidade.
Já Gladson Cameli, mesmo sem reparar o passado, foi o único a reconhecer o fracasso do modelo estatal, interromper a estagnação e promover o leilão público da administração da ZPE, abrindo caminho para a reativação do projeto.
No fim das contas, foi Cameli quem teve a coragem de tirar o projeto da prateleira, assumir o erro herdado e entregar o volante a quem sabia dirigir.
Isso não o isenta de responsabilidade por não ter cobrado a fatura dos gestores anteriores, mas o coloca como o mais assertivo entre os que governaram o Acre na década da ZPE esquecida.
Novo cenário: a ZPE que tenta, enfim, sair do papel
Com o funcionamento do Porto de Chancay (Peru), a conexão pela Rodovia Interoceânica (BR-317) e o novo escritório da ApexBrasil em Shenzhen, na China, o Acre começa a ser inserido em uma rota comercial concreta com a Ásia.
Jorge Viana, hoje presidente da ApexBrasil e um dos idealizadores do projeto original, declarou:
“O Acre não pode perder novamente essa oportunidade. Temos localização e uma ZPE criada. Está tudo pronto, mas é preciso agir.”
A frase é emblemática — mas também convoca reflexão: se está tudo pronto agora, o que havia antes? E quem errou entre o ‘criado’ e o ‘funcionar’?
A ZPE do Acre pode, sim, ser a virada logística e econômica que o estado precisa. Mas isso não apaga a década de desperdício, omissão e descaso com o dinheiro público. O novo sapato pode agora servir, mas jamais devemos esquecer quem nos vendeu o antigo como se fosse de primeira linha, quando na verdade era duro, mal costurado e caríssimo.
E tão grave quanto um sapato que não serve é um Tribunal que nunca pediu a nota.





