segunda-feira, 12 maio, 2025
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Nova regra da ANS impulsiona rastreamento precoce do câncer de mama a partir dos 40 anos na saúde privada

Autoexame câncer de mama

A luta contra o câncer de mama no Brasil ganhou um novo capítulo com a recente atualização das diretrizes da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Após intensas discussões e uma mobilização histórica que reuniu mais de 66 mil contribuições na Consulta Pública nº 144, a agência reformulou os critérios do Programa de Certificação de Boas Práticas em Atenção Oncológica. A medida, anunciada em abril de 2025, amplia a faixa etária para o rastreamento mamográfico na saúde suplementar, incluindo agora mulheres entre 40 e 74 anos, e estabelece uma abordagem mais flexível e individualizada para a realização da mamografia. A decisão reflete a pressão de entidades médicas e da sociedade civil por políticas que priorizem a detecção precoce, considerada essencial para reduzir a mortalidade por essa doença, que segue como a principal causa de morte por câncer entre mulheres no país.

Entidades médicas vinham alertando para os riscos da proposta inicial da consulta pública, que limitava o rastreamento bienal às mulheres de 50 a 69 anos. A exclusão de faixas etárias mais jovens e idosas gerou críticas, especialmente diante de dados que mostram a incidência significativa da doença antes dos 50 anos. Com a nova regra, a ANS reconheceu a necessidade de ajustar as diretrizes às evidências clínicas e às demandas reais das pacientes, garantindo que o exame possa ser realizado anualmente, bienalmente ou até em intervalos menores, conforme orientação médica e fatores de risco individuais, como histórico familiar.

Além disso, o programa agora exige que as operadoras de planos de saúde certificadas realizem busca ativa bienal entre beneficiárias de 50 a 69 anos, incentivando a adesão ao rastreamento. A cobertura dos exames, por sua vez, permanece intacta: a mamografia bilateral segue obrigatória para todas as idades com indicação médica, enquanto a modalidade digital é garantida para mulheres entre 40 e 69 anos. A mudança é vista como um avanço, mas especialistas apontam que sua efetividade dependerá da implementação prática e do engajamento tanto das operadoras quanto das usuárias.

Por que o rastreamento precoce importa

O câncer de mama continua sendo um desafio de saúde pública no Brasil, com estimativas apontando 73.610 novos casos até o final de 2025, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA). A doença é responsável por cerca de 28% dos novos diagnósticos de câncer entre mulheres, excluindo o câncer de pele não melanoma, e registra mais de 18 mil mortes anuais, conforme dados do Atlas de Mortalidade por Câncer de 2019. Diante desse cenário, a detecção precoce surge como uma ferramenta crucial para melhorar o prognóstico e reduzir os custos associados a tratamentos em estágios avançados.

Especialistas destacam que identificar a doença em fases iniciais aumenta significativamente as chances de cura. Tumores detectados antes de se tornarem palpáveis, muitas vezes com menos de um centímetro, têm taxas de sobrevida que podem ultrapassar 90%. Países que implementaram programas estruturados de rastreamento, como os de alta renda na Europa e na América do Norte, conseguiram reduzir a mortalidade em até 30% nas últimas décadas, um resultado atribuído à combinação de exames regulares e acesso rápido a tratamentos eficazes.

No Brasil, porém, a realidade é mais complexa. Apesar dos avanços, a cobertura mamográfica ainda está longe do ideal. Na saúde pública, apenas cerca de 55% das mulheres na faixa etária recomendada realizam o exame, enquanto a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 70%. Na saúde suplementar, os números exatos são desconhecidos, mas especialistas estimam que a adesão também é insuficiente, especialmente em estados com menor acesso a serviços de qualidade.

O que muda com a nova diretriz

A atualização das diretrizes da ANS trouxe alterações significativas para o rastreamento do câncer de mama na rede privada. Diferentemente da proposta inicial, que seguia as recomendações do INCA para o Sistema Único de Saúde (SUS) — mamografia bienal entre 50 e 69 anos —, o novo modelo adota uma abordagem mais abrangente e adaptada às particularidades da saúde suplementar. Veja os principais pontos:

  • Faixa etária ampliada: mulheres de 40 a 74 anos agora estão incluídas no grupo elegível para rastreamento, com frequência ajustada às necessidades individuais.
  • Rastreamento individualizado: pacientes com alto risco, como aquelas com mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 ou histórico familiar relevante, podem realizar exames em intervalos menores, até semestrais, se indicado por um médico.
  • Busca ativa: operadoras certificadas devem contatar ativamente beneficiárias de 50 a 69 anos a cada dois anos para estimular a realização da mamografia.
  • Cobertura garantida: nenhuma operadora pode negar o exame quando solicitado por um médico, independentemente da certificação no programa.

Essa flexibilização reflete um consenso entre especialistas de que a detecção precoce não pode ser limitada por faixas etárias rígidas. Mulheres mais jovens, embora representem uma parcela menor dos casos, frequentemente enfrentam tumores mais agressivos, enquanto as acima de 70 anos ainda podem se beneficiar do rastreamento, dependendo de sua saúde geral e expectativa de vida.

Mobilização histórica e pressão da sociedade

A reformulação das diretrizes não teria ocorrido sem a intensa participação da sociedade civil e de entidades médicas. A Consulta Pública nº 144, aberta em dezembro de 2024 e encerrada em janeiro de 2025, recebeu um volume recorde de 66 mil contribuições, número que reflete a preocupação com o acesso ao diagnóstico precoce. Lideranças como a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (FEMAMA) foram fundamentais nesse processo, articulando debates e mobilizando a população para pressionar por mudanças.

A proposta inicial da ANS, que alinhava o rastreamento da saúde suplementar ao modelo do SUS, foi duramente criticada por especialistas e pacientes. Argumentava-se que a exclusão de mulheres entre 40 e 49 anos ignorava evidências de que cerca de 17% das mortes por câncer de mama ocorrem nessa faixa etária, conforme dados do INCA de 2013. A pressão resultou em um recuo da agência, que optou por uma política mais inclusiva e alinhada às práticas de sociedades médicas, como a recomendação de mamografia anual a partir dos 40 anos defendida por muitas instituições.

O envolvimento da população também trouxe à tona a necessidade de transparência nos dados da saúde suplementar. Hoje, pouco se sabe sobre a real cobertura mamográfica entre as 18,9 milhões de mulheres com planos de saúde na faixa de 40 a 69 anos. A expectativa é que o programa de certificação gere informações mais detalhadas sobre adesão e resultados, permitindo um acompanhamento mais preciso do impacto das novas medidas.

Benefícios econômicos da prevenção

Investir na detecção precoce do câncer de mama não é apenas uma questão de saúde, mas também de economia. Tratamentos em estágios avançados, que frequentemente envolvem cirurgias extensas, quimioterapia prolongada e internações, custam significativamente mais do que intervenções em fases iniciais. Para as operadoras de planos de saúde, a lógica é clara: prevenir ou detectar cedo reduz os gastos a longo prazo.

Estudos internacionais mostram que o custo de tratar um câncer de mama em estágio inicial pode ser até cinco vezes menor do que em estágios avançados. No Brasil, onde 41% dos casos diagnosticados no SUS chegam em estágios 3 e 4, segundo o INCA, os gastos com terapias complexas e cuidados paliativos sobrecarregam o sistema de saúde. Na rede privada, embora os dados sejam escassos, a realidade não parece muito diferente, especialmente em regiões com baixa adesão ao rastreamento.

A busca ativa proposta pela ANS, ao incentivar mulheres de 50 a 69 anos a realizarem a mamografia, pode ser um passo para mudar esse cenário. Operadoras que aderirem ao programa de certificação terão a oportunidade de se destacar no mercado, oferecendo um serviço que combina qualidade assistencial com eficiência econômica, beneficiando tanto as pacientes quanto as próprias empresas.

Desafios na implementação da nova política

Embora a nova diretriz seja um avanço, sua implementação enfrenta obstáculos significativos. Um dos principais desafios é garantir que as operadoras de planos de saúde cumpram as exigências de busca ativa e rastreamento individualizado. Sem mecanismos eficazes de fiscalização, há o risco de que a medida fique apenas no papel, especialmente em um setor marcado por denúncias de negativa de cobertura e atrasos no atendimento.

Outro ponto crítico é a adesão das próprias beneficiárias. Mesmo com a oferta do exame, muitas mulheres deixam de realizá-lo por falta de informação, medo do diagnóstico ou barreiras logísticas, como a distância até clínicas especializadas. Em estados menos desenvolvidos, onde a infraestrutura de saúde é mais precária, esse problema tende a se agravar, mesmo na rede privada.

A capacitação dos médicos também é essencial. A orientação para preenchimento correto das guias da Troca de Informação em Saúde Suplementar (TISS) permitirá a coleta de dados mais precisos sobre a incidência do câncer de mama e a eficácia do rastreamento. Sem isso, será difícil avaliar se as mudanças estão de fato impactando a mortalidade e a qualidade de vida das pacientes.

O papel da mamografia na detecção precoce

A mamografia segue como o exame de referência para o rastreamento do câncer de mama, sendo o único método com eficácia comprovada na redução da mortalidade, conforme as Diretrizes para a Detecção Precoce do Câncer de Mama no Brasil. Capaz de identificar lesões antes que se tornem palpáveis, o exame é especialmente eficaz em mulheres a partir dos 40 anos, quando a densidade mamária começa a diminuir, facilitando a visualização de anormalidades.

Para mulheres com alto risco, como aquelas com mutações genéticas ou histórico familiar, a mamografia pode ser complementada por outros exames, como a ressonância magnética. No entanto, a falta de evidências sobre a eficácia de métodos alternativos, como a ultrassonografia ou a tomossíntese, reforça a centralidade da mamografia nos programas de rastreamento, tanto no SUS quanto na saúde suplementar.

Na prática, o exame anual a partir dos 40 anos tem se mostrado uma estratégia eficaz em países desenvolvidos, onde a incidência de casos avançados é significativamente menor. No Brasil, ampliar essa prática na rede privada pode ajudar a reduzir o número de diagnósticos tardios, que ainda representam uma parcela expressiva dos casos atendidos.

Exame mamografia
Exame mamografia – Foto: Frame Stock Footage/ Shutterstock.com

Dados que reforçam a urgência da medida

Os números do câncer de mama no Brasil são alarmantes e justificam a necessidade de políticas mais robustas. A doença é mais incidente nas regiões Sul e Sudeste, mas as taxas de mortalidade permanecem altas em todo o país, especialmente onde o acesso a exames e tratamentos é limitado. Em 2022, o SUS realizou 4,2 milhões de mamografias, das quais 3,8 milhões foram para rastreamento, mas a cobertura ainda está abaixo do necessário para impactar significativamente a mortalidade.

Na saúde suplementar, a ausência de dados detalhados dificulta uma análise precisa, mas a estimativa de que menos de 55% das mulheres elegíveis realizam o exame reflete um problema estrutural. A nova diretriz da ANS busca reverter esse quadro, alinhando o Brasil a padrões internacionais que priorizam a prevenção e o diagnóstico precoce como estratégias centrais no controle da doença.

Mulheres entre 40 e 49 anos, embora representem uma minoria dos casos, não podem ser ignoradas. Dados históricos mostram que 17% das mortes por câncer de mama em 2013 ocorreram nessa faixa etária, um indicativo de que o rastreamento precoce pode salvar vidas. Para as acima de 70 anos, a inclusão no programa reconhece que a expectativa de vida crescente exige uma abordagem mais ampla.

Como funciona o programa de certificação

O Programa de Certificação de Boas Práticas em Atenção Oncológica da ANS é voluntário, mas oferece incentivos às operadoras que aderirem. Aquelas que cumprirem os critérios — como a busca ativa e o rastreamento individualizado — receberão um selo de qualidade, o que pode atrair mais clientes em um mercado competitivo. A iniciativa também prevê a geração de dados sobre a saúde das beneficiárias, algo até então inédito na rede privada.

Para as pacientes, o programa significa um compromisso maior das operadoras com a prevenção. A busca ativa, por exemplo, pode incluir lembretes por telefone, mensagens ou até agendamento automático de exames, facilitando o acesso. Já o rastreamento individualizado permite que mulheres com fatores de risco específicos recebam atenção personalizada, algo que antes dependia exclusivamente da iniciativa do médico ou da paciente.

A expectativa é que o relatório final da Consulta Pública nº 144, a ser publicado em breve, detalhe o cronograma de implementação. Até lá, entidades médicas e organizações como a FEMAMA seguem monitorando os desdobramentos, cobrando agilidade e transparência na execução das novas regras.

Impactos esperados na saúde suplementar

A ampliação do rastreamento na saúde privada tem o potencial de transformar o enfrentamento do câncer de mama no Brasil. Com 18,9 milhões de mulheres entre 40 e 69 anos cobertas por planos de saúde, o alcance da medida é expressivo. Se bem implementada, a diretriz pode aumentar a cobertura mamográfica, reduzir a incidência de casos avançados e aliviar a pressão sobre o SUS, que muitas vezes absorve pacientes da rede privada em estágios críticos da doença.

A longo prazo, os benefícios vão além da saúde individual. A detecção precoce reduz a necessidade de tratamentos invasivos, diminui os custos para as operadoras e melhora a qualidade de vida das pacientes. Em um país onde o câncer de mama mata mais de 18 mil mulheres por ano, cada exame realizado na hora certa pode fazer a diferença entre a vida e a morte.

A nova política também coloca o Brasil mais próximo de padrões internacionais, onde o rastreamento a partir dos 40 anos é amplamente adotado. Países como os Estados Unidos e o Reino Unido, que investiram em programas estruturados, registram taxas de sobrevida superiores a 80%, um contraste gritante com os 41% de casos avançados ainda vistos no SUS brasileiro.

Barreiras culturais e educativas a superar

Apesar dos avanços, o sucesso da nova diretriz depende de superar barreiras que vão além da logística. O medo do diagnóstico é uma das principais razões pelas quais muitas mulheres evitam a mamografia, mesmo tendo acesso ao exame. Campanhas como o Outubro Rosa têm ajudado a mudar essa percepção, mas a conscientização precisa ser contínua e alcançar todas as camadas da população.

A falta de informação também é um obstáculo. Muitas beneficiárias de planos de saúde desconhecem seus direitos ou não entendem a importância do rastreamento regular. A busca ativa proposta pela ANS pode mitigar esse problema, mas será necessário um esforço conjunto entre operadoras, médicos e organizações da sociedade civil para educar e engajar as mulheres.

Em regiões mais pobres ou rurais, mesmo na saúde suplementar, o acesso a clínicas equipadas com mamógrafos de qualidade ainda é limitado. Investir em infraestrutura e na capacitação de profissionais será essencial para garantir que a nova política tenha impacto uniforme em todo o país.

Próximos passos e expectativas

Com a publicação do relatório final da Consulta Pública nº 144, a ANS deve definir um cronograma claro para o início do programa de certificação. Enquanto isso, entidades médicas planejam intensificar a orientação aos profissionais de saúde, especialmente sobre o preenchimento das guias TISS, que serão fundamentais para monitorar os resultados da iniciativa.

A FEMAMA, uma das protagonistas na mobilização pela mudança, já sinalizou que continuará acompanhando de perto a implementação. A organização defende que os dados gerados pelo programa sejam tornados públicos, permitindo uma avaliação independente de sua eficácia. A meta é alcançar uma cobertura mamográfica de pelo menos 70%, alinhada às recomendações da OMS, algo que ainda está distante da realidade atual.

Para as mulheres brasileiras, a nova diretriz representa uma esperança concreta de diagnóstico mais cedo e tratamento mais eficaz. Resta agora transformar a promessa em ação, garantindo que o rastreamento precoce deixe de ser uma exceção e se torne a regra na luta contra o câncer de mama.

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