O Norte do Brasil sempre foi visto como um território distante, misterioso e exuberante. Agora, com a COP30 marcada para novembro em Belém, o coração da Amazônia virou vitrine global. Mas a vitrine tem dois lados: de um lado, o discurso bonito da preservação; do outro, hospedagens com preço de carro de luxo e um festival de contradições que só escancaram o quanto a Amazônia continua sendo tratada como mercadoria.
Segundo levantamento apurado pelo Cidade AC News, os preços oficiais de hospedagem para o evento chegam a cifras inimagináveis. Uma casa simples, listada em plataforma de aluguel, está sendo oferecida por mais de R$ 1,5 milhão o pacote de 11 dias. Isso significa diária de quase R$ 70 mil por pessoa. Para efeito de comparação, é o valor de um carro de luxo por noite. Hotéis que até pouco tempo cobravam diária de R$ 400 agora aparecem pedindo R$ 25 mil pelo mesmo período. É um escárnio que chamou atenção até da ONU, que abriu discussões emergenciais por causa da inviabilidade para delegações de países pobres.
A ministra Marina Silva não poupou palavras: classificou a prática como “verdadeiro achaque” e “absurdo dos absurdos”. E tem razão. Quando um evento que deveria debater soluções climáticas se transforma em vitrine de especulação imobiliária e hoteleira, a mensagem é clara: a floresta segue sendo palco de exploração, mesmo que disfarçada de “sustentabilidade”.
No meio dessa farra, o governo brasileiro tentou soluções emergenciais: navios-hotel atracados em Belém para acomodar parte das delegações. Seria cômico, se não fosse trágico. A cidade que deveria mostrar ao mundo a força cultural e a biodiversidade da Amazônia agora corre o risco de virar uma caricatura flutuante, onde diplomatas dormem em cabines marítimas enquanto a população local segue esquecida.
E é justamente essa população que deveria estar no centro do debate. O ribeirinho que acorda cedo pra remar, o agricultor familiar que vende farinha no Ver-o-Peso, os povos indígenas que carregam séculos de conhecimento sobre manejo sustentável — todos ficam de fora da festa. No palco internacional, fala-se de metas de carbono, mas pouco se ouve sobre como a floresta pode ser salva por quem já a protege diariamente.
Entre uma especulação e outra, a cultura local tenta resistir. As músicas da Joelma ecoam nos rádios, lembrando que o Pará é mais do que floresta: é gente, é calor, é ritmo. No Ver-o-Peso, o maior mercado a céu aberto da Amazônia, o comentário corre solto: “isso é coisa de rico, não é pra nós”. E não é mesmo. A COP30 corre o risco de ser um grande espetáculo para fotos, mas vazio de compromissos reais para quem mora aqui.
O Cidade AC News ouviu moradores e lideranças comunitárias que resumiram bem a indignação: “Falam de salvar a floresta, mas não querem ouvir quem vive dela. E se a hospedagem tá nesse preço, imagina se vão abrir espaço pra gente falar?”. Essa exclusão simbólica pesa tanto quanto o desmatamento.
O Acre, que sempre esteve no mapa das lutas ambientais, também observa com desconfiança. Afinal, de que adianta Belém receber líderes globais se os problemas da Amazônia — garimpo ilegal, queimadas, estradas polêmicas — seguem avançando sem solução concreta? Mais uma vez, corre-se o risco de transformar um debate vital em espetáculo midiático.
Mas nem tudo está perdido. A presença de vozes críticas, como a da própria Marina, e a pressão internacional podem forçar uma virada de postura. O que se espera é que a COP30 não seja lembrada apenas como a conferência das diárias milionárias, mas como o encontro em que a Amazônia deixou de ser vitrine e passou a ser prioridade real.
Enquanto isso, a população segue com seus rituais simples. O café com farinha, o cheiro do tucupi, o som das aparelhagens que animam as noites paraenses. Entre uma música da Joelma e outra, a esperança resiste. Porque, no fim das contas, não é a diária de luxo que define a Amazônia. É o povo que cuida, que preserva, que luta.
E é esse povo que precisa ser ouvido, antes que o espetáculo de novembro vire só mais uma nota de rodapé na longa história de promessas não cumpridas para a maior floresta tropical do planeta.
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