A queda vertiginosa das ações da Gol Linhas Aéreas, negociadas sob o ticker GOLL4, marcou o pregão da última sexta-feira na B3, a bolsa brasileira. Em poucas horas, os papéis preferenciais da companhia aérea desabaram 33,61%, sendo cotados a R$ 0,79 às 10h40, horário de Brasília. O motivo da derrocada foi o anúncio de uma proposta de aumento de capital que pode alcançar R$ 19,25 bilhões, uma das maiores operações do tipo já vistas no país. A medida, aprovada pelo conselho de administração, será submetida aos acionistas em uma assembleia geral extraordinária marcada para 30 de maio.
A operação está diretamente ligada ao plano de recuperação judicial da empresa nos Estados Unidos, iniciado em janeiro de 2024, sob o regime do Chapter 11. A Gol enfrenta um cenário financeiro delicado, com um patrimônio líquido negativo de R$ 27,7 bilhões em fevereiro de 2025. A proposta de aumento de capital, que pode variar entre R$ 5,34 bilhões e R$ 19,25 bilhões, prevê a emissão de até 13,1 trilhões de ações ordinárias e 1,5 trilhão de ações preferenciais.
Gol vai propor a acionistas aumento de capital de até R$ 19,25 bilhões https://t.co/YCQCpdfWN8
— CNN Economia (@CNNEconomia) May 9, 2025
Os preços de emissão das novas ações foram definidos em R$ 0,0002857142 por ação ordinária e R$ 0,01 por ação preferencial, valores que sinalizam uma diluição significativa para os atuais acionistas. A reação do mercado foi imediata, com investidores expressando receios sobre o impacto da operação. Abaixo, alguns pontos centrais do anúncio:
- Escopo da operação: A captação de recursos visa reestruturar a dívida de R$ 51 bilhões da companhia.
- Direito de preferência: Acionistas atuais poderão subscrever as novas ações para evitar maior diluição.
- Contexto da recuperação: A operação é parte do plano para sair do Chapter 11 até junho de 2025.
- Impacto imediato: A queda de 33,61% reflete a percepção de risco elevado pelos investidores.
O cenário atual da Gol reflete um momento crítico para o setor aéreo brasileiro, que ainda enfrenta os reflexos da pandemia e os desafios de custos operacionais elevados. A companhia, segunda maior aérea do país em número de passageiros transportados, busca com essa operação reduzir sua dívida e fortalecer sua posição financeira.
Reação do mercado financeiro
A notícia do aumento de capital bilionário pegou o mercado desprevenido, desencadeando uma onda de vendas das ações GOLL4. Por volta das 11h da sexta-feira, o volume negociado já superava a média diária, com os papéis registrando uma das maiores quedas do Ibovespa no dia. Analistas do Bradesco BBI destacaram que os preços de emissão das novas ações indicam uma “diluição massiva” para os acionistas, o que explica a reação negativa dos investidores. A instituição financeira apontou que a operação, embora necessária para a reestruturação, pode reduzir significativamente a participação dos acionistas minoritários.
O pregão foi marcado por volatilidade. Após a abertura, as ações chegaram a cair mais de 35%, mas recuperaram parte das perdas ao longo da sessão, ainda que fechassem com forte desvalorização. A percepção de risco foi agravada pelo histórico recente da Gol, que já enfrentou outras quedas expressivas desde o início de sua recuperação judicial. Em janeiro de 2024, por exemplo, os papéis recuaram 33,61% em um único dia, após a confirmação do pedido de Chapter 11 nos EUA.
Para os investidores, a proposta de aumento de capital trouxe à tona preocupações sobre a viabilidade de longo prazo da companhia. A Gol informou que parte da dívida, estimada em US$ 2,7 bilhões, será convertida em ações, o que pode alterar a estrutura acionária da empresa. A assembleia de 30 de maio será decisiva para determinar os próximos passos da reestruturação.
Histórico de dificuldades financeiras
A trajetória da Gol tem sido marcada por desafios financeiros nos últimos anos. Desde a pandemia de Covid-19, que devastou o setor aéreo global, a companhia enfrenta dificuldades para equilibrar suas contas. Em 2020, a demanda por voos domésticos e internacionais despencou, levando a uma redução drástica nas receitas. Embora o setor tenha se recuperado parcialmente, os custos com combustível, arrendamento de aeronaves e juros elevados continuaram a pressionar as finanças da empresa.
Em dezembro de 2023, a Gol reportou um endividamento líquido de R$ 20,176 bilhões, com um patrimônio líquido negativo de R$ 23,3 bilhões. Esses números refletem a deterioração financeira que culminou no pedido de recuperação judicial nos EUA. O processo, iniciado em 25 de janeiro de 2024, foi uma tentativa de reorganizar as dívidas e evitar a falência. A companhia obteve um financiamento de US$ 950 milhões na modalidade Debtor-in-Possession (DIP), com uma primeira parcela de US$ 350 milhões liberada em janeiro de 2024.
A recuperação judicial, no entanto, trouxe consequências imediatas para os acionistas. Além da exclusão das ações da Gol do Ibovespa e de outros índices da B3 em 30 de janeiro de 2024, a Bolsa de Valores de Nova York suspendeu a negociação dos American Depositary Receipts (ADRs) da companhia. Esses eventos contribuíram para a desvalorização contínua dos papéis, que já acumulam perdas superiores a 80% desde o início de 2023.
Estrutura do aumento de capital
A proposta de aumento de capital anunciada pela Gol é complexa e envolve a emissão de um volume expressivo de novas ações. A companhia planeja emitir até 13,1 trilhões de ações ordinárias, ao preço de R$ 0,0002857142 por papel, e 1,5 trilhão de ações preferenciais, a R$ 0,01 cada. Esses valores, extremamente baixos, indicam uma estratégia para atrair investidores dispostos a injetar capital na empresa, mas também sinalizam o risco de diluição para os acionistas atuais.
Os acionistas terão direito de preferência na subscrição das novas ações, o que permite manter sua participação proporcional na companhia. No entanto, analistas apontam que muitos investidores minoritários podem optar por não participar da operação, devido ao alto risco e à percepção de que o retorno pode ser limitado. Abaixo, os principais detalhes da proposta:
- Volume de ações: Até 13,1 trilhões de ações ordinárias e 1,5 trilhão de preferenciais.
- Preço de emissão: R$ 0,0002857142 por ação ordinária e R$ 0,01 por preferencial.
- Direito de preferência: Acionistas atuais podem subscrever proporcionalmente.
- Objetivo: Reduzir a dívida de R$ 51 bilhões e fortalecer o balanço.
A operação ainda depende da aprovação dos acionistas na assembleia de 30 de maio. Caso aprovada, a Gol espera que o aumento de capital permita uma redução significativa de sua dívida, com parte dos credores convertendo seus créditos em ações. A companhia afirmou que o plano de reestruturação financeira está em fase avançada, com expectativa de conclusão até junho de 2025.
Reações de analistas e bancos
O anúncio do aumento de capital gerou reações mistas entre analistas e instituições financeiras. O Bradesco BBI, em análise preliminar, destacou que a operação é um passo necessário para a sobrevivência da Gol, mas alertou para os riscos de diluição. A instituição reduziu sua recomendação para as ações GOLL4 para “underperform” em janeiro de 2024, com um preço-alvo de R$ 1, e manteve a visão cautelosa após o anúncio da nova captação.
Outros bancos, como o Citi e o JPMorgan, também reiteraram recomendações de venda para os papéis da Gol. O Citi, em relatório, apontou que a conversão de US$ 2,7 bilhões em dívidas em ações pode praticamente eliminar a participação dos acionistas minoritários. O Goldman Sachs, por sua vez, optou por suspender a cobertura das ações da companhia desde o início do processo de recuperação judicial, citando incertezas sobre o futuro da empresa.
A XP Investimentos colocou as ações da Gol sob revisão, destacando a necessidade de acompanhar os desdobramentos da assembleia de acionistas. A instituição apontou que a operação, embora arriscada, pode ser um marco na reestruturação financeira da companhia, desde que os credores e investidores cheguem a um acordo favorável.
Setor aéreo sob pressão
O setor aéreo brasileiro enfrenta um momento de turbulência, com desafios que vão além das dificuldades financeiras da Gol. Os custos operacionais, especialmente com combustível de aviação, que representa cerca de 40% das despesas das companhias, têm pressionado as margens de lucro. Além disso, a volatilidade do câmbio e os juros elevados no Brasil dificultam a captação de recursos e o pagamento de dívidas.
A Azul, principal concorrente da Gol no mercado doméstico, também enfrenta desafios, embora em menor escala. Em agosto de 2024, as ações da Azul (AZUL4) caíram 24% em um único dia, após notícias de renegociação de dívidas. No entanto, analistas apontam que a Azul está em uma posição mais favorável, com maior participação de mercado e perspectivas de crescimento. A possível fusão entre Gol e Azul, discutida em maio de 2024, poderia consolidar o setor, mas até o momento não há uma oferta vinculativa.
A Latam Airlines, outra grande player do setor, passou por um processo de Chapter 11 em 2020 e conseguiu reestruturar suas finanças com sucesso. O caso da Latam é frequentemente citado como um exemplo positivo para a Gol, embora as condições de mercado atuais sejam mais desafiadoras. Abaixo, alguns fatores que afetam o setor aéreo no Brasil:
- Custo do combustível: Representa 40% dos gastos operacionais.
- Volatilidade cambial: Impacta dívidas em dólar e custos de leasing.
- Demanda doméstica: Recuperação lenta após a pandemia.
- Concorrência: Azul e Latam disputam liderança no mercado.
Negociações com credores
A Gol tem avançado nas negociações com seus credores, um passo crucial para a aprovação do plano de reestruturação. Em agosto de 2024, a companhia fechou um acordo com a AerCap, uma das maiores arrendadoras de aeronaves do mundo, para renegociar os contratos de leasing. O acordo incluiu ajustes nos fluxos de pagamento e trocas de motores, reduzindo parte das obrigações financeiras da empresa.
Além disso, a Gol obteve a aprovação de um tribunal de falências dos EUA para uma linha de crédito garantida com Banco Santander, Banco do Brasil e Banco Bradesco. Essa linha, voltada para o factoring de recebíveis, proporciona maior liquidez à companhia durante o processo de recuperação. O período de exclusividade para negociar com credores foi estendido até outubro de 2024, dando à Gol mais tempo para estruturar seu plano.
A expectativa da companhia é que a confirmação do plano de reestruturação ocorra até o final de maio de 2025, com a eficácia do plano sendo verificada nas primeiras semanas de junho. A conversão de US$ 2,7 bilhões em dívidas em ações é um dos pilares da estratégia, mas depende do aval dos credores e da aprovação do aumento de capital pelos acionistas.
Perspectivas para os acionistas
Os acionistas da Gol enfrentam um cenário de incerteza. A diluição patrimonial, estimada em mais de 60% em alguns cenários, é uma preocupação central. Analistas do Bradesco BBI calcularam que, caso o controlador Abra, que detém cerca de US$ 1,2 bilhão em títulos de dívida, opte por converter seus créditos em ações, a participação dos minoritários pode ser drasticamente reduzida.
A assembleia de 30 de maio será um momento decisivo. Os acionistas terão a oportunidade de avaliar a proposta de aumento de capital e decidir se participam da subscrição das novas ações. A Gol informou que os atuais acionistas terão prioridade na compra dos papéis, mas a adesão dos minoritários é incerta, dado o preço baixo das ações e o risco associado à recuperação judicial.
Para os investidores que optarem por permanecer na companhia, a expectativa é de que uma reestruturação bem-sucedida possa melhorar o balanço patrimonial e restaurar a confiança do mercado. No entanto, o histórico de quedas expressivas e a volatilidade das ações GOLL4 sugerem cautela.
Desempenho operacional recente
Apesar das dificuldades financeiras, a Gol mantém suas operações regulares, com voos domésticos e internacionais em plena atividade. No segundo trimestre de 2024, a companhia reportou um Ebitda ajustado de R$ 745 milhões, embora o número tenha ficado abaixo das expectativas do mercado. O desempenho foi impactado por custos não recorrentes de R$ 366 milhões relacionados ao processo de Chapter 11, além de eventos adversos, como as enchentes no Rio Grande do Sul, que reduziram a receita em R$ 120 milhões.
A companhia também enfrentou uma queda no yield (receita por passageiro por quilômetro voado) de 3,9% na comparação anual, refletindo a pressão sobre os preços das passagens. Por outro lado, os custos unitários, excluindo combustível, foram 2% melhores do que o esperado, indicando algum progresso na eficiência operacional. A Gol destacou avanços na integração com a Avianca, por meio da holding Abra, como uma estratégia para diversificar receitas e otimizar a frota.
Cenário regulatório e judicial
O processo de recuperação judicial da Gol é supervisionado pelo Tribunal de Falências do Distrito Sul de Nova York, sob a jurisdição do juiz Martin Glenn. Em janeiro de 2024, o tribunal aprovou interinamente o pedido da companhia para acessar o financiamento DIP de US$ 950 milhões, com uma parcela inicial de US$ 350 milhões. Essa decisão foi crucial para manter a liquidez da empresa durante as negociações com credores.
A Gol também enfrenta desafios regulatórios no Brasil. Em maio de 2024, o Procon-SP anunciou uma audiência para discutir os impactos de uma possível fusão entre Gol e Azul para os consumidores. Embora as negociações entre as duas companhias não tenham avançado significativamente, o tema permanece no radar das autoridades, que buscam garantir a concorrência no setor aéreo.
A companhia informou que não prevê cancelamentos de voos ou interrupções em suas operações devido ao processo de Chapter 11. A Gol continua a operar normalmente, com foco em manter a confiabilidade e a qualidade do serviço para seus clientes.
Comparação com outras companhias aéreas
A situação da Gol não é isolada no setor aéreo global. Outras companhias da América Latina, como Avianca, Latam Airlines e Aeromexico, passaram por processos de Chapter 11 nos últimos anos. A Latam, por exemplo, concluiu sua reestruturação em 2022, após dois anos de negociações, e hoje opera com uma estrutura financeira mais sólida. A Avianca, controlada pela mesma holding Abra que detém a Gol, também reorganizou suas finanças com sucesso.
No caso da Gol, a complexidade do processo é agravada pelo tamanho de sua dívida e pela dependência de credores internacionais. A conversão de US$ 2,7 bilhões em dívidas em ações é uma estratégia comum em recuperações judiciais, mas exige um equilíbrio delicado entre os interesses dos credores e dos acionistas. Abaixo, uma comparação com outros casos:
- Latam Airlines: Concluiu o Chapter 11 em 2022, com redução de US$ 3,6 bilhões em dívidas.
- Avianca: Reestruturou US$ 4,9 bilhões em passivos entre 2020 e 2021.
- Aeromexico: Saiu do Chapter 11 em 2022, com novo capital de US$ 1,5 bilhão.
- Gol: Planeja reduzir R$ 51 bilhões em dívidas até junho de 2025.
Avanços na reestruturação
A Gol tem feito progressos em sua reestruturação financeira, embora os desafios permaneçam. Em abril de 2024, a companhia homologou um aumento de capital de R$ 2,9 milhões, com a emissão de 1,113 milhão de ações preferenciais a R$ 2,62 por papel. Essa operação, embora pequena em comparação com a proposta atual, foi um passo inicial para ajustar a estrutura de capital da empresa.
Em março de 2024, a Gol anunciou que receberá até US$ 1,25 bilhão de investidores, com uma audiência sobre o plano de reestruturação marcada para 20 de maio de 2025. A companhia também informou que o último credor aceitou o acordo de reestruturação, aproximando-a da conclusão do processo de Chapter 11. Esses avanços são vistos como sinais positivos, mas a execução do plano ainda depende de fatores como a aprovação do aumento de capital e a adesão dos credores.
A holding Abra, controladora da Gol, desempenha um papel central nas negociações. Com mais de 50% do capital social da companhia e US$ 1,2 bilhão em títulos de dívida, a Abra tem influência significativa sobre o futuro da Gol. A integração com a Avianca, também controlada pela Abra, é uma das estratégias para fortalecer a posição da companhia no mercado latino-americano.