26 de março de 2025 – Em uma decisão histórica, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tornou réus, por unanimidade, o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete acusados de envolvimento em uma trama golpista que buscava subverter a democracia brasileira após as eleições de 2022. O julgamento, concluído nesta quarta-feira, marca um momento crucial na história política do país, consolidando a resposta das instituições democráticas às tentativas de ruptura institucional lideradas por Bolsonaro e seus aliados.
O Contexto da Trama Golpista
A denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em fevereiro de 2025 acusou Jair Bolsonaro e 33 outras pessoas de crimes graves, incluindo tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa armada. A investigação, conduzida pela Polícia Federal, revelou um plano estruturado para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito em outubro de 2022. Entre as evidências, estão manuscritos, arquivos digitais e trocas de mensagens que detalham a conspiração, apelidada de “Punhal Verde e Amarelo” – uma referência às cores da bandeira brasileira, frequentemente associadas ao movimento bolsonarista.
A trama golpista ganhou força após a derrota de Bolsonaro nas urnas. O ex-presidente, que já vinha questionando a lisura do sistema eleitoral sem provas, teria liderado esforços para deslegitimar o resultado das eleições e incitar uma intervenção militar. O ápice desse movimento ocorreu em 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, em um episódio comparado ao ataque ao Capitólio nos Estados Unidos em 2021.
A Decisão Unânime do STF
O julgamento no STF começou na terça-feira, 25 de março, e foi concluído hoje, com os cinco ministros da Primeira Turma – Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin – votando a favor de aceitar a denúncia da PGR. O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, destacou que Bolsonaro não apenas tinha “pleno conhecimento” da trama, mas também atuou como seu líder, planejando e executando ações para mantê-lo no poder “a qualquer custo”. Moraes enfatizou a gravidade dos crimes, que incluíam planos de assassinato do presidente eleito Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do próprio Moraes.
Os outros ministros acompanharam o voto do relator, reforçando que as provas apresentadas – como depoimentos, documentos e mensagens – eram robustas o suficiente para justificar a abertura de um processo criminal. A unanimidade na decisão sinaliza a coesão do STF em proteger a ordem democrática e punir tentativas de subversão, um recado claro a futuros conspiradores.
Além de Bolsonaro, tornaram-se réus figuras-chave de seu governo, como o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de 2022, e Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, cuja delação premiada foi essencial para a investigação. Dos 34 denunciados inicialmente, o STF analisou apenas oito neste primeiro momento, separando os casos para agilizar o andamento processual.
Repercussões Jurídicas e Políticas
Com a aceitação da denúncia, Bolsonaro e os demais réus agora enfrentam um processo criminal no STF, que pode resultar em penas severas. Um eventual julgamento de mérito, que determinará a condenação ou absolvição, está previsto para ocorrer antes das eleições de 2026, evitando que o caso influencie diretamente o pleito. Se condenado por golpe de Estado, Bolsonaro pode pegar até 12 anos de prisão, pena que pode aumentar com a soma de outros crimes, como organização criminosa e danos ao patrimônio público.
Politicamente, a decisão fragiliza ainda mais as pretensões de Bolsonaro de retornar ao poder. Já inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2023, o ex-presidente agora enfrenta a possibilidade de prisão, o que pode sepultar de vez sua carreira política. No entanto, analistas alertam que o “bolsonarismo” – movimento ideológico que ele representa – não deve desaparecer. Seus apoiadores já se mobilizam nas redes sociais, denunciando o que chamam de “perseguição política”, enquanto figuras como seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, tentam assumir a liderança do movimento.
A Reação de Bolsonaro e Seus Aliados
Bolsonaro acompanhou o julgamento presencialmente no STF, mas não se pronunciou após a decisão. Na terça-feira, ao chegar a Brasília, ele havia declarado à imprensa que confiava na Justiça e que as acusações eram “infundadas” e “parciais”. Seus advogados, liderados por Celso Vilardi, argumentaram que as provas são insuficientes e que a denúncia é motivada por interesses políticos. A defesa deve agora apresentar suas alegações no processo, buscando desqualificar as evidências e evitar uma condenação.
Entre os bolsonaristas, a narrativa de vitimização ganha força. Postagens no X celebraram a resistência de Bolsonaro, enquanto outras criticaram o STF, chamando-o de “ditadura togada”. A polarização política no Brasil, que já era intensa, tende a se aprofundar com esse desfecho.
Um Marco na Democracia Brasileira
A decisão do STF é vista por juristas e cientistas políticos como um marco na consolidação da democracia brasileira, especialmente após os anos de instabilidade sob o governo Bolsonaro. “As instituições mostraram que estão funcionando e que ninguém está acima da lei”, avalia o professor de Direito Constitucional Luis Henrique Machado. Para ele, o julgamento reforça a independência do Judiciário e serve de exemplo para outras democracias ameaçadas por movimentos autoritários.
O caso também chama atenção internacionalmente, em um momento em que líderes populistas de direita, como Donald Trump, aliado de Bolsonaro, enfrentam ou enfrentaram desafios legais semelhantes. A diferença, destacam analistas, é que no Brasil as instituições reagiram com rapidez e firmeza, enquanto nos EUA Trump conseguiu retornar ao poder em 2024, apesar das acusações relacionadas ao ataque ao Capitólio.
O Que Vem a Seguir?
Com Bolsonaro e os outros sete oficialmente réus, o STF deve agora conduzir a fase de instrução do processo, ouvindo testemunhas, analisando provas e permitindo a apresentação de defesas. Enquanto isso, os casos dos outros 26 denunciados serão julgados em etapas separadas, o que pode prolongar a resolução completa da trama golpista.
Para o Brasil, o julgamento reacende o debate sobre os limites da liberdade de expressão e a responsabilidade de líderes políticos. A unanimidade do STF envia uma mensagem inequívoca: tentativas de golpe não serão toleradas. Resta saber se essa lição será suficiente para apaziguar as tensões políticas ou se o país seguirá dividido entre os que veem Bolsonaro como mártir e os que o consideram uma ameaça à democracia.