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Ao contrário da retórica otimista que circula sobre uma suposta “revolução silenciosa” no Tribunal de Contas do Estado do Acre (TCE-AC), os dados e a memória institucional sugerem cautela antes de qualquer celebração. A recente onda de elogios à nova gestão da conselheira Dulce Benício ecoa mais como marketing de ocasião do que como reflexo de mudanças profundas e mensuráveis.
Entre discursos sobre integração e inovação, o que falta é justamente o que mais importa: resultado prático. O Acre acumulou, entre 2012 e 2022, um dos piores desempenhos do país na execução de recomendações técnicas feitas por seu próprio tribunal. Em 2021, segundo relatório do IRB (Instituto Rui Barbosa), o TCE-AC executou apenas 17% das ações corretivas previstas em auditorias anteriores, perdendo para tribunais de estados com menor orçamento e carga processual mais elevada.
De fato, a nova sede é imponente. Mas não se governa com concreto e fachada. “Não adianta falar em modernização se o corpo técnico continua reduzido, mal remunerado e operando sob influência política histórica”, diz o especialista em contas públicas e professor da UFAC, Dr. Fernando Canela. Ele lembra que, entre 2015 e 2020, mais de 80% das decisões do TCE-AC foram tomadas em sessões que duravam menos de 25 minutos, com análises sumárias e votos padronizados — um indício de fragilidade técnica ou, no mínimo, de conveniência.
A tentativa de reposicionar o Tribunal como órgão propositivo e dialogal é louvável. Mas na prática, isso exige autonomia real e enfrentamento ao poder político. E aqui reside o ponto cego da tal revolução: o TCE-AC ainda é composto por maioria de conselheiros indicados por governadores e ex-parlamentares, muitos deles aliados diretos das gestões que deveriam ser fiscalizadas. Como esperar independência plena de um colegiado com DNA político?
O que se observa hoje, de fato, é uma tentativa de reorganização estrutural interna. Há mudanças na matriz organizacional, informatização parcial de processos, aproximação com setores sociais e alguma abertura ao controle externo. Mas tudo ainda gira no campo das intenções. “É como trocar a pintura do navio enquanto ele afunda por falta de casco”, ironiza um auditor aposentado ouvido sob anonimato.
A população acreana, que sustenta o tribunal com quase R$ 120 milhões anuais, quer mais que promessas. Quer fiscalização eficaz, punições exemplares e ação preventiva. Quer saber por que projetos milionários de infraestrutura afundam sem responsabilização. Quer entender por que órgãos como o Depasa foram dilapidados sob silêncio cúmplice. Quer tribunais que não apenas dialoguem, mas ajam.
Não se trata de negar méritos à atual presidente. A abertura para novas ideias, o estímulo à participação e o esforço por modernizar fluxos devem ser reconhecidos. Mas isso não basta. A crise do serviço público no Acre — que vai da saúde colapsada às obras paralisadas — exige mais do que boa vontade: exige posicionamento, coragem e entrega.
Na auditoria operacional sobre os gastos da pandemia em 2020, por exemplo, o TCE-AC demorou quase dois anos para publicar o relatório final. Resultado? Nenhuma sanção efetiva, nenhuma devolução de recursos, nenhuma responsabilização de gestores que operaram fora da legalidade. Silêncio também não é institucionalidade.
Enquanto isso, os bons gestores — que o texto oficial tanto defende — seguem desamparados. Sem previsibilidade jurídica, sem padrões claros de fiscalização, e muitas vezes submetidos ao humor das gestões políticas que indicam conselheiros.
Sim, o Tribunal pode mudar. Mas só vai mudar de verdade quando o mérito técnico for critério para escolha de conselheiros. Quando relatórios forem publicados no tempo certo. Quando servidores forem valorizados. Quando os culpados por desvios forem punidos com a mesma agilidade com que se inauguram auditórios.
Não é o discurso que constrói revolução. É o enfrentamento às estruturas que sempre protegeram os mesmos rostos.
✍️ Eliton Lobato Muniz – Cidade AC News – Rio Branco – Acre





