A tensão entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Câmara dos Deputados ganhou um novo capítulo em 24 de abril de 2025, com um ofício enviado pelo ministro Cristiano Zanin ao presidente da Câmara, Hugo Motta. O documento delimita a atuação da Casa na análise de um processo contra o deputado Alexandre Ramagem, réu por crimes relacionados a uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. A decisão de Zanin, que restringe a suspensão de apenas dois dos cinco crimes imputados a Ramagem, foi recebida como uma interferência na soberania da Câmara, gerando indignação entre deputados. A crise, que já envolve discussões sobre anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, evidencia o atrito crescente entre os poderes Legislativo e Judiciário.
Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e deputado federal pelo PL, tornou-se réu por cinco crimes: tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. O ofício de Zanin esclarece que a Câmara, com base no artigo 53 da Constituição Federal, só pode suspender ações relacionadas a crimes cometidos após a diplomação de Ramagem, em dezembro de 2022. Assim, apenas dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, ligados aos ataques de 8 de janeiro de 2023, estão sob a alçada da Casa. A medida foi vista como uma limitação direta à autonomia legislativa.
A escolha do deputado Alfredo Gaspar, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, como relator do caso na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) intensificou as críticas. Parlamentares governistas veem a nomeação como uma tentativa de proteger Ramagem e, indiretamente, Bolsonaro, que também é investigado no mesmo inquérito. A decisão de Zanin, tomada no mesmo dia em que Motta adiou a análise de um projeto de anistia para os envolvidos nos atos golpistas, adicionou mais combustível ao conflito, com deputados considerando o ofício uma afronta à liderança da Câmara.

- Pontos centrais do conflito:
- Ofício de Zanin restringe suspensão a dois crimes de Ramagem.
- Hugo Motta vê decisão como interferência na soberania da Câmara.
- Alfredo Gaspar, aliado de Bolsonaro, é relator na CCJ.
- Crise coincide com adiamento do projeto de anistia do 8 de janeiro.
Contexto da ação contra Ramagem
A denúncia contra Alexandre Ramagem, aceita por unanimidade pela Primeira Turma do STF em 26 de março de 2025, faz parte de um inquérito que investiga uma tentativa de golpe de Estado após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. A Procuradoria-Geral da República (PGR) acusa Ramagem de integrar o núcleo central de uma organização criminosa que planejou ações para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. O inquérito aponta que o grupo, formado por militares, policiais e aliados políticos, atuou desde 2021 com discursos contra o sistema eleitoral e pressões sobre as Forças Armadas.
Ramagem, que foi diretor da Abin entre 2019 e 2022, é o único parlamentar denunciado no caso, o que justifica a notificação à Câmara. O artigo 53 da Constituição permite que a Casa suspenda ações penais contra deputados por crimes cometidos após a diplomação, mas Zanin esclareceu que crimes anteriores, como organização criminosa e tentativa de golpe, não podem ser suspensos. A PGR alega que Ramagem participou de reuniões estratégicas e monitoramentos ilegais, incluindo o suposto Plano Punhal Verde e Amarelo, voltado à neutralização de autoridades.
A análise do pedido de suspensão, formalizado pelo PL em 3 de abril de 2025, está sob responsabilidade da CCJ, com prazo de 45 dias para votação. A escolha de Alfredo Gaspar como relator gerou desconfiança entre governistas, que temem um relatório favorável a Ramagem. O caso é visto como um termômetro para outras pautas bolsonaristas, como a anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro, que enfrenta resistência no Congresso.
Reações na Câmara e impacto político
Hugo Motta, presidente da Câmara, expressou insatisfação com o tom do ofício de Zanin, que deputados interpretaram como uma tentativa de subordinar o Legislativo ao Judiciário. A decisão de Zanin foi percebida como uma resposta direta a manobras do PL, que buscava suspender todos os crimes imputados a Ramagem. Parlamentares próximos a Motta afirmaram que o ofício, enviado no mesmo dia em que a Câmara adiou a votação de urgência do projeto de anistia, foi um golpe estratégico do STF para limitar a influência bolsonarista.
A nomeação de Alfredo Gaspar como relator intensificou o clima de polarização. Gaspar, ex-procurador-geral de Justiça de Alagoas, é conhecido por sua proximidade com Bolsonaro e por apoiar pautas conservadoras. Sua escolha foi criticada por deputados do PT, como Lindbergh Farias, que acionou o STF para esclarecer os limites da suspensão. A resposta de Zanin, segundo Farias, representou uma vitória do campo progressista, frustrando tentativas de blindar Ramagem e outros investigados no inquérito do golpe.
O adiamento do projeto de anistia, anunciado por Motta em 24 de abril, reflete a dificuldade de articular apoio para pautas bolsonaristas. Levantamentos indicam que 207 deputados são favoráveis à anistia, enquanto 127 são contrários, mas a falta de consenso no Centrão impede avanços. O caso Ramagem, por sua vez, ganhou peso político, com lideranças bolsonaristas buscando usá-lo para desafiar o STF e sinalizar força na oposição.
- Reações ao ofício de Zanin:
- Hugo Motta considera o documento uma afronta à Câmara.
- Lindbergh Farias celebra decisão como vitória progressista.
- Bolsonaristas veem limitação como revés político.
- Centrão evita posicionamento claro sobre o caso.
O papel do STF na trama golpista
A Primeira Turma do STF, presidida por Cristiano Zanin, tem desempenhado um papel central na investigação da tentativa de golpe de Estado. Além de Ramagem, a Turma tornou réus outros sete acusados do chamado “núcleo 1”, incluindo Jair Bolsonaro, em 26 de março de 2025. A denúncia da PGR, apresentada em 18 de fevereiro, descreve uma organização criminosa estruturada que planejou desde 2021 ações para desestabilizar a democracia, culminando nos ataques de 8 de janeiro de 2023.
Alexandre de Moraes, relator do inquérito, destacou durante o julgamento a existência de provas documentais, como a minuta do golpe, que previa medidas como a prisão de ministros do STF e do presidente do Senado. Moraes exibiu vídeos dos ataques à Praça dos Três Poderes, comparando a invasão a uma tentativa de ruptura institucional. A unanimidade na aceitação da denúncia reforça a gravidade do caso, que pode resultar em penas de até 46 anos para os réus.
Zanin, em seu ofício, enfatizou que a suspensão de crimes anteriores à diplomação de Ramagem violaria a competência do STF. A decisão foi respaldada pela Primeira Turma, composta por Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux e Cármen Lúcia. A postura do STF, de limitar a atuação da Câmara, é vista como uma tentativa de proteger a investigação de interferências políticas, mas também alimenta críticas de deputados que acusam a Corte de extrapolar suas funções.
A investigação do 8 de janeiro e seus desdobramentos
Os atos de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, marcaram um dos episódios mais graves da história democrática brasileira. A PGR estima que os danos ao patrimônio público superaram R$ 20 milhões, com prejuízos a obras de arte e móveis históricos. A investigação, conduzida pela Polícia Federal (PF) e pelo STF, identificou cinco núcleos de atuação, incluindo o “núcleo crucial”, liderado por Bolsonaro, e o “núcleo de gerência”, com auxiliares como Mário Fernandes e Filipe Martins.
A denúncia contra Ramagem destaca seu papel no monitoramento de autoridades e na articulação de ações para desestabilizar o governo eleito. A PF encontrou evidências de que Ramagem, como diretor da Abin, coordenou operações de inteligência para apoiar o plano golpista. A delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, foi fundamental para detalhar a estrutura da organização criminosa, embora a defesa de Ramagem conteste a validade das provas.
O inquérito já resultou em mais de 200 condenações, com penas que variam de 3 a 17 anos de prisão. A aceitação da denúncia contra Ramagem e outros réus abre caminho para a fase de instrução processual, onde novas provas serão coletadas. A PF continua a investigar ramificações do plano, incluindo tentativas de obstrução da eleição de 2022, como bloqueios da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em regiões pró-Lula.
- Cronograma do caso Ramagem:
- 18 de fevereiro de 2025: PGR apresenta denúncia contra Ramagem e outros.
- 26 de março de 2025: Primeira Turma do STF aceita denúncia.
- 3 de abril de 2025: PL pede suspensão da ação na Câmara.
- 22 de abril de 2025: Alfredo Gaspar é designado relator na CCJ.
- 24 de abril de 2025: Zanin envia ofício limitando suspensão.
Implicações para a política brasileira
A crise desencadeada pelo ofício de Zanin reflete um momento de alta tensão entre os poderes. A Câmara, sob liderança de Hugo Motta, enfrenta pressões internas para equilibrar interesses do Centrão, bolsonaristas e governistas. A decisão de adiar a votação do projeto de anistia, que beneficiaria mais de 1.200 condenados pelos atos de 8 de janeiro, foi um aceno ao governo Lula, mas não apaziguou as críticas ao STF.
Bolsonaristas, liderados pelo PL, veem o caso Ramagem como uma oportunidade de desafiar a Corte e mobilizar sua base. A escolha de Alfredo Gaspar como relator é interpretada como uma estratégia para emitir um parecer favorável à suspensão, embora limitado pelo ofício de Zanin. Parlamentares do Centrão, como os do União Brasil e PP, evitam posicionamentos claros, temendo desgaste político em um ano pré-eleitoral.
A investigação do golpe, por sua vez, mantém Jair Bolsonaro no centro do debate político. Denunciado como líder da trama golpista, o ex-presidente nega as acusações, alegando que a denúncia se baseia em delações frágeis. A possibilidade de Bolsonaro se tornar réu, combinada com a prisão preventiva de aliados como Walter Braga Netto, aumenta a pressão sobre o PL para articular defesas no Congresso.
O papel do artigo 53 da Constituição
O artigo 53 da Constituição Federal, que embasa o pedido do PL para suspender a ação contra Ramagem, é um mecanismo de proteção parlamentar que gera controvérsias. Ele prevê que a Câmara pode, por maioria de votos, sustar ações penais contra deputados por crimes cometidos após a diplomação, até a decisão final do processo. A PGR e o STF, no entanto, argumentam que a prerrogativa não se aplica a crimes anteriores, como os imputados a Ramagem.
A interpretação de Zanin, respaldada pela Primeira Turma, reforça a autonomia do STF em casos de foro privilegiado. A decisão limita a capacidade da Câmara de interferir em investigações de alta gravidade, como a tentativa de golpe. Críticos do STF, no entanto, alegam que a Corte está restringindo direitos parlamentares, alimentando o discurso de perseguição política entre bolsonaristas.
A análise na CCJ, conduzida por Alfredo Gaspar, será um teste para a influência do PL. Gaspar prometeu um relatório técnico, mas sua proximidade com Bolsonaro levanta dúvidas sobre a imparcialidade. A votação, prevista para até 18 de maio de 2025, pode aprofundar a crise entre os poderes, especialmente se a Câmara desafiar o STF.
Perspectivas para o caso Ramagem
A ação penal contra Alexandre Ramagem entra agora na fase de instrução, com coleta de provas e depoimentos. A defesa do deputado, liderada por advogados do PL, contesta a denúncia, alegando falta de provas concretas e dependência excessiva da delação de Mauro Cid. Ramagem, em entrevistas, nega qualquer envolvimento em planos golpistas, afirmando que suas ações na Abin eram institucionais.
O STF, por sua vez, mantém a pressão sobre os investigados. A Primeira Turma já aceitou denúncias contra outros núcleos da trama golpista, incluindo seis auxiliares de Bolsonaro, como Filipe Martins e Mário Fernandes, em 22 de abril de 2025. A unanimidade nas decisões reflete o consenso na Corte sobre a gravidade dos crimes, que podem resultar em penas de até 46 anos.
A crise com a Câmara, intensificada pelo ofício de Zanin, pode ter desdobramentos imprevisíveis. Hugo Motta, pressionado por bolsonaristas, pode buscar retaliar o STF em outras pautas, como a regulamentação das redes sociais ou a revisão de prerrogativas judiciais. A polarização política, já elevada, tende a se acentuar com o avanço do caso Ramagem.
- Perspectivas do caso:
- Instrução processual pode prolongar ação por meses.
- Câmara enfrenta prazo até 18 de maio para votar suspensão.
- Crise entre STF e Câmara pode afetar outras pautas legislativas.
- Bolsonaristas buscam capitalizar caso para mobilizar base.