Em um exemplo gritante das disparidades do sistema judiciário brasileiro, Débora Rodrigues dos Santos, cabeleireira de Paulínia, foi condenada a 14 anos de prisão por sua participação nos protestos de 8 de janeiro de 2023. Seu crime? Escrever com batom a frase “Perdeu, mané” na estátua da “Justiça” em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto isso, os arquitetos do escândalo da Petrobras, que desviaram bilhões da estatal, estão livres ou cumprem penas leves. Essa diferença escandalosa evidencia um Brasil de injustiça, onde o peso da lei parece depender mais da política do que da gravidade do delito—a clássica lógica de “dois pesos e duas medidas”.
Corrupção sem Punição
O escândalo da Petrobras, revelado pela Operação Lava Jato em 2014, expôs uma rede de corrupção que sangrou bilhões dos cofres públicos. Políticos de partidos como PT, MDB e PP, além de executivos de empreiteiras como Odebrecht e OAS, inflaram contratos e desviaram recursos para campanhas políticas e contas pessoais. O caso abalou as estruturas políticas e econômicas do país, mas a punição aos envolvidos deixa a desejar.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado em 2017, cumpriu apenas 580 dias de prisão antes de ter suas sentenças anuladas por questões jurisdicionais, voltando à cena política e vencendo as eleições de 2022. Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, pegou 15 anos, mas teve a pena reduzida e já está em liberdade. Outros escaparam com delações premiadas ou manobras legais, retomando suas vidas como se nada tivesse acontecido. Enquanto isso, Débora, por um ato de vandalismo político, enfrenta uma pena que rivaliza com a de criminosos violentos. O contraste é gritante: bilhões roubados têm menos peso que um batom na estátua.
O Caso de Débora: Uma Punição Desproporcional
Os protestos de 8 de janeiro de 2023 foram o ápice de meses de tensão após a eleição de 2022, quando Lula derrotou Jair Bolsonaro. Alegando fraude sem provas, apoiadores de Bolsonaro invadiram o Congresso, o STF e o Palácio do Planalto em Brasília, causando danos e levando a centenas de prisões. Débora estava entre eles. Sua frase, “Perdeu, mané”, ecoava uma fala do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, dita a um bolsonarista em 2022, e foi escrita em um ato de protesto simbólico.
O ministro Alexandre de Moraes, à frente da resposta do STF, votou pela condenação de Débora a 14 anos em março de 2025. Os crimes imputados foram graves: tentativa de abolir violentamente o estado democrático de direito, golpe de estado, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa armada. Para uma ré primária que usou batom—um meio não permanente—a pena parece exorbitante. “É uma punição que não condiz com o ato”, criticou o advogado de defesa em entrevista à época, argumentando que a sentença reflete mais um recado político do que justiça.
Ativismo ou Arbitrariedade?
O STF tem agido com mão pesada contra os envolvidos no 8 de janeiro, mas sua postura levanta questionamentos. Há quem veja nas decisões um excesso de ativismo judicial, com o tribunal assumindo um papel mais político do que jurídico. As penas, muitas vezes superiores a uma década por atos como invasão ou vandalismo, contrastam com a leniência em casos de corrupção. Além disso, a competência do STF para julgar esses casos é polêmica. Normalmente, o tribunal só atua em processos de pessoas com foro privilegiado, como políticos. Após o 8 de janeiro, porém, o STF assumiu todos os casos, justificando a gravidade dos eventos. Críticos apontam isso como uma extrapolação de poderes, ferindo o direito a um julgamento imparcial.
A anulação das condenações de Lula, que o permitiu voltar ao poder, é frequentemente citada como prova de seletividade. “O STF parece escolher quem pune e quem absolve com base em conveniências políticas”, disse um analista político em artigo recente. Já as penas duras aos manifestantes do 8 de janeiro são vistas como uma tentativa de coibir dissenso, em vez de atacar as causas da insatisfação popular.
Casos Arbitrários do STF no 8 de Janeiro
O tratamento do STF aos envolvidos no 8 de janeiro tem gerado acusações de arbitrariedade. Aqui estão exemplos concretos:
- Aécio Neves da Cunha: Condenado a 17 anos por participar dos protestos. A defesa alegou que ele exercia seu direito de expressão, mas o STF rejeitou, destacando a necessidade de “proteger as instituições democráticas”. “Foi uma pena para mandar um recado”, disse um familiar ao jornal Folha de S.Paulo.
- Maria de Fátima Mendonça Jacinto Souza: Aos 67 anos, recebeu 17 anos, apesar de ser ré primária. Sua idade avançada não foi considerada atenuante. “É desumano tratar uma idosa assim por um protesto”, criticou um advogado em rede social.
- Francisco Wanderley Luiz: Sentenciado a 14 anos por incitar violência e danificar patrimônio. Ele se dizia apenas um manifestante exaltado, mas o STF o classificou como “ameaça direta à democracia”. “Não houve proporcionalidade”, reclamou sua defesa.
- Elizabete Braz da Silva: Pegou dois anos e cinco meses, mesmo sendo ré primária e colaborando com a justiça. O STF negou alternativas à prisão, reforçando sua linha dura.
Esses casos, entre outros, alimentam a percepção de que o STF usa o 8 de janeiro para punir exemplarmente, ignorando contextos individuais e priorizando uma narrativa de autoridade.
Uma Nação Partida
A polarização no Brasil se intensificou desde o impeachment de Dilma Rousseff em 2016. A ascensão de Bolsonaro em 2018 aprofundou o racha, com políticas e discursos que dividiram a sociedade. A eleição de 2022 foi um barril de pólvora, com acusações mútuas de ataques à democracia. Após a derrota de Bolsonaro, seus apoiadores, sentindo-se traídos, foram às ruas em 8 de janeiro, em um eco ao ataque ao Capitólio nos EUA em 2021.
Esse ambiente de desconfiança preparou o terreno para os protestos. A resposta dura do STF, porém, só jogou lenha na fogueira, com parte da população vendo o tribunal como aliado do governo e outra exigindo mais rigor. A mídia reflete essa divisão: veículos de esquerda apoiam o STF, enquanto os de direita o acusam de perseguição.
A Erosão da Confiança
As decisões do STF sobre o 8 de janeiro têm impacto profundo. Para alguns, a firmeza protege a democracia; para outros, é um ataque à liberdade. A severidade das penas afastou muitos brasileiros, que veem o judiciário como elitista e enviesado. “O STF está mais preocupado em se blindar do que em fazer justiça”, disse um manifestante em entrevista à CNN Brasil. Redes sociais amplificam essas vozes, dificultando um diálogo equilibrado.
No cenário internacional, o caso é comparado a repressões em países como Turquia e Hong Kong, levantando alertas sobre os limites entre ordem e autoritarismo. O Brasil precisa encontrar esse equilíbrio para não afundar ainda mais em suas divisões.
Por Uma Justiça Igualitária
O Brasil está em uma encruzilhada. A diferença entre os 14 anos de Débora e a liberdade dos corruptos da Petrobras escancara a desigualdade judicial. Em meio à polarização e à crise de confiança, o STF tem o desafio de ser imparcial e transparente. A justiça deve ser igual para todos, sem distinção de credo político ou poder econômico. Só assim o país poderá curar suas feridas e fortalecer sua democracia. O futuro exige diálogo, accountability e, acima de tudo, uma lei que não tenha dois pesos e duas medidas.