Quem é carioca e ama a noite, sabe: não dá para falar de música underground sem citar o nome de Maurício Lopes.
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Além de ser um dos introdutores do techno e house na Cidade Maravilhosa desde 1992, seu estilo e sonoridades únicas já passaram por line ups como Bunker, DGTL, Boiler Room, Fosfobox, Rock In Rio, ODD, Tribaltech e milhares de outros eventos de renome ao redor do país.
Em 23 de setembro de 2023 o artista concedeu essa entrevista ao agitador cultural da cena eletrônica carioca, Arthur Quadros – fundador do @irawolounge e parceiro do @zerogravity.music e @lagoxtosa.br – que por alguma razão ficou arquivada. Que maldade!
A redação do tudobeats não podia deixar isso para trás, então trazemos aqui a entrevista com Mauricio Lopes na integra e de quebra um set direto do tunel do tempo, no festival que marcou a cidade de São Paulo, o SKOL Beats. Afinal musica é como o vinho!
ENTREVISTA
tudobeats.pt: Boa noite, Maurício! Tudo bem contigo? Obrigado pelo carinho em nos receber. Se você pudesse traçar uma linha do tempo entre 1992 e os dias de hoje, como você enxerga o cenário eletrônico em relação às oscilações que aconteceram ao longo dos anos no Rio de Janeiro?
– “Acho que o termo “oscilações”, que você usou, fala muito sobre o cenário aqui do Rio. Apesar do momento atual, que eu realmente considero um dos mais ricos e diversos que a gente já teve, historicamente o Rio sempre viveu entre altos e baixos, alternando momentos de programação intensa e carência de espaço/opções.
Mas é óbvio que a cena cresceu e a música eletrônica ganhou muito mais espaço do que tinha quando eu comecei a tocar. Hoje temos festas com entrada franca em botecos a festas “ricas” e mais elitizadas em lugares grandiosos, passando pelas festas em barcos, galpões “tipo rave” (rs), praças, praias e outros espaços públicos, museus, hotéis, estacionamentos, mansões, etc Enfim, opções temos cada vez mais, e com mais frequência do que nunca, ao longo do ano todo e não só no verão/Carnaval como era.
Aliás, até o Carnaval com música eletrônica já foi novidade um dia: quem estava lá, na primeira metade dos anos 90, lembra do “Carnaval Off”, primeiro evento focado em house/techno, pra quem queria fugir da programação musical tradicional do feriado. Vendo a programação atual é até louco imaginar que antes não rolava nada (literalmente) pra quem queria dançar música eletrônica no Carnaval. Enfim, já oscilamos mais, agora já atingimos um certo grau de consistência (rs)”
tudobeats.pt:É inegável que você já vivenciou milhares de mudanças. Essas talvez sejam até difíceis de mensurar. Para você, quais foram as principais mudanças comportamentais e musicais que aconteceram desde seu início de carreira pra cá? Existe algo que você sente falta?
– “Sinto falta de um bom clube. Ainda (rs). Eu sou “cria de clube”, frequentava os inferninhos (bem antes de começar a tocar) e sempre gostei desse formato mais intimista, mais compacto e confortável. Tanto como frequentador como DJ, a experiência em clube me agrada mais. É óbvio que eu gosto de tocar, seja onde for. Tem festas grandes incríveis que eu poderia tocar todo mês. Tipo pistão. Adoro. MAS um clube é um clube. Tenho gostado de tocar no Madre, por exemplo. Tipo de espaço que eu gosto. Pequeno, som bom, público atento, pouco disperso. Musicalmente, uma coisa que eu tenho gostado muito é do fim de um perído de
“supersegmentação” de estilos nos sets, de um modo geral. Teve uma época que os DJs se enquadravam em determinados nichos muito específicos, que tocavam só isso ou só aquilo. Quando a música eletrônica começou a crescer (já faz tempo isso) era comum os DJs focarem em determinados estilos ou sonoridades, até mesmo pela falta de tempo para construir sets mais elaborados, com mais referências. Hoje em dia vejo mais DJs fazendo sets diferentes, de acordo com os diferentes lugares onde estão tocando ou até mesmo sendo mais ecléticos (mas com coerência) dentro do mesmo set, o que, pra mim, é um sinal de amadurecimento.”
tudobeats.pt: Como muitos podem perceber em suas redes, é notável que a música dá o tom em diversos setores da sua vida, dentro e fora do palco. Em sua caminhada, qual foi o “turning point” onde você decidiu que a discotecagem era o que realmente queria fazer?
– “Sempre vivi a música, desde criança. Preferia ganhar discos do que brinquedos. Gostava de descobrir música, falar de música, ouvir rádio o dia inteiro, etc Foi isso que acabou me levando a cair na noite: a informação que o DJ traz. No começo, estar na pista, ouvindo a música que eu gosto, ouvindo DJs que eram referência pra mim, trocando ideia com amigos que curtiam a mesma música que eu, etc, era o suficiente. Eu era (e sou ainda) feliz na pista, adoro dançar/viajar. Mas quando comecei a fazer amizade com alguns DJs e eles me deram espaço pra “brincar” um pouco na cabine (hashtag gratidão hehehe), sentir como era tocar e colocar música pros outros, foi que rolou uma emoção diferente e eu senti aquele “é isso…”. Depois disso fui aos poucos deixando outras coisas de lado e investindo mesmo em tocar.”
tudobeats.pt: De todos os artistas que pôde ver durantes todos esses anos, dentro e fora da música eletrônica, qual ou quais foram os que mais te surpreenderam?
– “Já tive muitos momentos marcantes e emocionantes na pista, mas acho que o mais surpreendente de todos, até hoje, foi o set do Laurent Garnier no Hell’s Club em 95. Na véspera eu vi ele tocar no Dr Smith, no Rio, e já fiquei impressionado com o set “normal” dele. Na mesma hora eu pensei “imagina ele no Hell’s amanhã…” e resolvi ir pra São Paulo para ter a “experiência completa”, ver ele fazer um set mais longo, numa noite que eu adorava, etc Mesmo assim, com todas as expectativas altas, eu não tinha ideia de como seria surpreendente.
O set dele me levou pra vários lugares, uma hipnose total, técnica e repertório perfeitos, como eu nunca tinha visto antes. Foi um sacode, realmente abriu a minha cabeça e me fez ver como eu tinha muito o que aprimorar como DJ. Fora da música eletrônica também já vi algumas coisas muito boas, mas um set que me vem à cabeça agora, seguindo a mesma linha “superando expectativas” foi o show do Dead Can Dance. Eu ficava pensando “não é possível tanta perfeição…” hehehe”
tudobeats.pt: Qual foi o set mais longo que você já fez? E qual o mais longo já presenciou? Poderia fazer um comentário sobre os dois?
– “Meu set mais longo numa festa foi na comemoração dos meus 20 anos de carreira, no Fosfobox, em 2012. Foram 12 horas no som. Foi maravilhoso, uma noite especial e inesquecível, mas já saí meio moído. Hoje em dia nem pensar. Pintando um de 6 horas já tô bem satisfeito (rs). Acho que os mais longos que eu já vi foram os da época em que era normal o DJ tocar sozinho: Maumau, Felipe, etc.
É muito bom você poder ver um DJ que você gosta tocando a noite toda, tem muita gente que não sabe o que é isso, que nunca curtiu um DJ preferido fazendo um long set. Eu, por exemplo, nunca vi o Marcinho (Vermelho) tocando a noite toda. É um dos meus preferidos e já vi fazendo sets ótimos, de estilos diferentes em horários diferentes, mas nunca um longo de verdade, numa pistinha, viagem completa e tal. Não que ele não tenha feito, mas eu nunca tive oportunidade e, infelizmente, os produtores de eventos, de modo geral, quase não apostam mais em sets tão autorais.”
tudobeats.pt: É notável seu amor por sets mais longos, mas de onde surgiu essa paixão?
– “Quando eu comecei a tocar ainda era normal o DJ tocar a noite toda. A gente saía pra ver um DJ só tocar, tinha a noite do Zé Roberto Mahr, a noite do Felipe Venancio, a noite do Marcelo Rezende, etc. Era assim. Aos poucos a cena foi mudando, mais DJs surgindo, e o mercado foi absorvendo o conceito de ter mais de um DJ numa festa. Tocar a noite toda sozinho foi ficando menos comum até o ponto que um set “all night long” passou a ser um diferencial, e começou a ser chamado de long set.
E como eu, remando contra a maré, insisti nesse formato, pelo fato de realmente gostar de tocar bastante tempo e poder “gastar” mais repertório do que um set curto permite, acabei sendo associado a ele. Então o long set não é bem uma paixão que surgiu depois, um fascínio que eu descobri ao longo da carreira, é um rótulo que foi dado a uma coisa que eu já fazia naturalmente.”
tudobeats.pt: Sabemos também que está com uma nova parceria junto ao DJ Pachu chamado Espuma, o que podemos esperar desse projeto?
– “A Espuma é uma festa que a gente começou aqui em Maricá (interior do estado, na região dos lagos, pra quem não conhece), onde eu moro há uns 6 anos. A ideia inicial é basicamente criar uma opção local pra tocar, sem precisar me deslocar pro Rio, com horário e cenários diferentes do que a gente está mais acostumado, começando mais cedo, no fim de tarde, ao ar livre, clima de praia, etc Ainda estamos procurando um lugar fixo mas a ideia é essa, tocar mais à vontade do que em uma gig padrão e criar uma alternativa aqui nessa região que ainda é pouco explorada, apesar do potencial enorme.”
tudobeats.pt: Para finalizar, qual o segredo para manter uma longevidade na carreira? Qual dica você poderia dar para um(a) artista que está em seu início de carreira?
– “A cena mudou muito e os parâmetros pra definir uma carreira longa e de sucesso também são outros, que envolvem muito mais do que a discotecagem em si. Depende muito também do que a pessoa busca através da carreira, do objetivo dela, e isso varia muito de uma pra outra. Mas a dica que eu sempre dou, baseado no que eu particularmente acho interessante num DJ, é trabalhar para construir uma identidade própria. Você pode não agradar a todo mundo, mas com personalidade, sendo único e não apenas mais um entre tantos já é um começo pra se destacar e conquistar o seu próprio público.”





