No centro da crise política que sacode Brasília, o Supremo Tribunal Federal (STF) mantém ritmo firme nas ações penais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, acusados de tentativa de golpe de Estado. A Primeira Turma da Corte, em decisão unânime no final de março, aceitou denúncias contra Bolsonaro e sete ex-assessores, transformando-os em réus por crimes como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Enquanto isso, aliados do ex-presidente intensificam esforços para aprovar um projeto de anistia no Congresso, mas enfrentam resistência de líderes partidários e do governo Lula. A tensão entre os poderes segue crescendo, com o STF evitando comentar supostos acordos com o Legislativo.
A movimentação no Supremo ocorre em um momento delicado para Bolsonaro, que, mesmo após cirurgia intestinal em abril, mantém influência sobre sua base política. O projeto de anistia, defendido por nomes como Sóstenes Cavalcante, líder do PL, busca beneficiar condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, mas também poderia alcançar o próprio ex-presidente. No entanto, o presidente da Câmara, Hugo Motta, resiste em pautar a proposta, priorizando temas econômicos e de segurança pública. A pressão de bolsonaristas, com atos como o da Avenida Paulista, não tem surtido efeito esperado.
@STF_oficial rejeita versões preliminares das defesas e mantém o andamento da ação penal contra Bolsonaro e ex-integrantes do governo. O ministro Alexandre de Moraes afastou a absolvição sumária dos réus e autorizou o acesso a todas as mídias e documentos apreendidos pela… pic.twitter.com/0jlUd9VJAQ
— STF (@STF_oficial) May 5, 2025
- Pontos centrais do cenário atual:
- STF rejeitou preliminares das defesas, mantendo ações penais em andamento.
- Projeto de anistia no Congresso enfrenta obstáculos, com menos de 257 assinaturas.
- Hugo Motta evita confronto com o Supremo, focando em pautas populares.
- Governo Lula defende redução de penas, mas apenas via decisão judicial.
A rejeição de recursos pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, sinaliza que o STF está determinado a avançar com os processos. Moraes autorizou acesso a mídias e documentos apreendidos pela Polícia Federal, reforçando a investigação sobre o suposto esquema golpista.
Avanço das ações penais
O Supremo Tribunal Federal deu passos decisivos nas ações contra Jair Bolsonaro e seus ex-assessores. Em 26 de março, a Primeira Turma, composta por cinco ministros, aceitou integralmente a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A acusação aponta que Bolsonaro, junto a nomes como o general Walter Braga Netto e o ex-ministro Augusto Heleno, articulou um plano para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva após as eleições de 2022. A decisão unânime, com destaque para o voto do ministro Luiz Fux, que sugeriu julgamento pelo plenário, reforça a gravidade do caso.
Além de Bolsonaro, outros sete investigados tornaram-se réus, incluindo figuras menos conhecidas, mas próximas ao núcleo do governo anterior. A Polícia Federal, em operação deflagrada em fevereiro de 2024, apreendeu documentos e dispositivos que detalham reuniões e comunicações sobre a suposta tentativa de golpe. O STF, sob a relatoria de Moraes, rejeitou pedidos de absolvição sumária, mantendo o ritmo das investigações. A Corte também autorizou que as defesas acessem todo o material coletado, o que pode prolongar a fase inicial do processo, mas não interrompe seu andamento.
A decisão do Supremo ocorre em um contexto de alta polarização. Enquanto bolsonaristas pressionam por medidas que possam aliviar a situação dos acusados, o governo Lula, por meio da ministra Gleisi Hoffmann, defende que qualquer redução de penas deve ser decidida pelo Judiciário, não pelo Congresso. Essa posição tem causado atritos com aliados de Bolsonaro, que veem na anistia uma forma de proteger o ex-presidente.
- Cronologia das ações no STF:
- Fevereiro 2024: Polícia Federal apreende passaporte de Bolsonaro e documentos.
- Novembro 2024: PF indicia Bolsonaro e 39 pessoas por tentativa de golpe.
- Março 2025: Primeira Turma do STF aceita denúncia contra Bolsonaro e aliados.
- Maio 2025: Moraes rejeita preliminares e libera acesso a provas.
Resistência no Congresso
No Legislativo, a proposta de anistia para os condenados pelos atos de 8 de janeiro enfrenta barreiras significativas. O projeto, liderado pelo PL, já conta com cerca de 180 assinaturas, mas precisa de 257 para ser votado em regime de urgência no plenário da Câmara. Hugo Motta, presidente da Casa, tem se posicionado contra a priorização do texto, argumentando que temas como economia e segurança pública são mais urgentes para a população. Aliados de Motta destacam que a pressão pública, como os ataques do pastor Silas Malafaia durante ato na Avenida Paulista, tem efeito contrário, afastando deputados que poderiam apoiar a iniciativa.
A manifestação na Paulista, realizada em 6 de abril, reuniu apoiadores de Bolsonaro que pediam a aprovação da anistia. Malafaia, uma das vozes mais influentes entre os bolsonaristas, criticou Motta diretamente, chamando-o de “vergonha da Paraíba”. A estratégia, no entanto, parece ter fortalecido a resistência do presidente da Câmara, que busca manter boa relação com o STF e o governo Lula. Líderes do Centrão, grupo que reúne partidos como PP e Republicanos, também se mostram incomodados com a pressão, avaliando que a anistia não tem apoio popular.
O governo Lula, por sua vez, trabalha para desmobilizar assinaturas do requerimento de urgência. Gleisi Hoffmann, ministra das Relações Institucionais, tem conversado com deputados governistas, reforçando que a anistia seria uma forma de legitimar a impunidade. A ministra já causou mal-estar no STF ao sugerir, em abril, que o Congresso poderia discutir redução de penas, mas corrigiu a fala, afirmando que a decisão cabe exclusivamente ao Judiciário.
Pressão dos bolsonaristas
A base de apoio de Jair Bolsonaro não desiste de buscar saídas para aliviar a pressão judicial sobre o ex-presidente. Além do projeto de anistia, aliados têm explorado outras frentes, como a articulação de apoio internacional. Em janeiro, Bolsonaro tentou viajar aos Estados Unidos para a posse de Donald Trump, mas teve o pedido negado por Alexandre de Moraes, que reteve seu passaporte. A defesa alegou que a viagem reforçaria laços bilaterais, mas o STF considerou que não havia justificativa suficiente para liberar o documento.
No Brasil, a pressão bolsonarista se intensifica em atos públicos e nas redes sociais. A manifestação na Avenida Paulista, embora significativa, não conseguiu mobilizar o número esperado de parlamentares. Sóstenes Cavalcante, líder do PL, prometeu divulgar os nomes dos deputados que assinaram o requerimento de urgência, mas a estratégia de expor indecisos tem gerado desconforto no Congresso. Deputados do Centrão, que em outros momentos apoiaram pautas bolsonaristas, agora hesitam, temendo associação com uma proposta impopular.
- Fatores que enfraquecem a anistia:
- Falta de apoio popular, com pesquisas indicando rejeição à anistia.
- Resistência de Hugo Motta e líderes do Centrão.
- Posição firme do STF contra acordos com o Congresso.
- Divisão interna entre bolsonaristas radicais e moderados.
A atuação de figuras como Malafaia, que adota um tom agressivo, também tem afastado aliados em potencial. Enquanto isso, Bolsonaro mantém silêncio público, focado em sua recuperação médica e em orientar aliados nos bastidores.
Papel do Supremo
O Supremo Tribunal Federal tem adotado uma postura cautelosa, mas firme, em relação às ações penais e às discussões sobre anistia. Ministros como Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes já sinalizaram que não participam de negociações com o Congresso, rejeitando a ideia de um “grande acordo” para reduzir penas. No entanto, a Corte reconhece que o Legislativo tem a prerrogativa de alterar leis, o que poderia incluir mudanças nas penas para crimes como tentativa de golpe. Essas alterações, se aprovadas, valeriam apenas para casos futuros, não beneficiando Bolsonaro ou seus aliados já réus.
A rejeição de preliminares das defesas, anunciada em 5 de maio, reforça a determinação do STF em seguir com os processos. Moraes, como relator, afastou argumentos de absolvição sumária, garantindo que as investigações avancem com base nas provas coletadas. O acesso às mídias e documentos pela defesa, embora possa prolongar a fase inicial, é visto como um passo para assegurar a transparência do processo.
A atuação do STF também tem sido alvo de críticas de bolsonaristas, que acusam a Corte de perseguição política. Em resposta, ministros têm destacado que as decisões são baseadas em evidências robustas, como relatórios da Polícia Federal e comunicações interceptadas. A Primeira Turma, ao aceitar a denúncia em março, reforçou que os indícios apontam para uma articulação coordenada, com reuniões no Palácio do Planalto e envolvimento de militares de alta patente.
Reações no governo Lula
O governo Lula acompanha de perto os desdobramentos no STF e no Congresso, buscando equilibrar a relação com os dois poderes. Gleisi Hoffmann, responsável pela articulação política, tem reforçado o discurso de que a impunidade não pode prevalecer. A ministra, que assumiu o cargo em fevereiro, enfrenta o desafio de manter a base governista unida contra a anistia, enquanto lida com pressões de deputados que temem perder apoio de eleitores bolsonaristas.
Outros membros do governo, como o ministro da Justiça, Flávio Dino, também têm se posicionado contra a anistia. Dino, que já foi cotado para o STF, defende que as penas aplicadas aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro são proporcionais à gravidade dos crimes. O governo também anunciou medidas para ressarcir aposentados e pensionistas vítimas de fraudes no INSS, uma tentativa de desviar o foco para pautas sociais e econômicas.
- Ações do governo Lula:
- Articulação para retirar assinaturas do projeto de anistia.
- Defesa de decisões judiciais para redução de penas, se necessário.
- Foco em pautas econômicas, como o ressarcimento de fraudes no INSS.
- Manutenção de diálogo com o STF para evitar atritos.
A estratégia do Planalto é evitar que a discussão sobre a anistia ganhe força, enquanto reforça a imagem de um governo comprometido com a democracia. A relação com Hugo Motta, que tem se mostrado alinhado com o Executivo em pautas prioritárias, é vista como um trunfo para barrar o projeto.
Mobilização nas ruas
Os atos públicos organizados por apoiadores de Bolsonaro têm sido uma ferramenta central para manter a pressão sobre o Congresso e o STF. A manifestação na Avenida Paulista, em 6 de abril, reuniu milhares de pessoas, com faixas e discursos pedindo a libertação de presos do 8 de janeiro e a aprovação da anistia. Líderes religiosos, como Silas Malafaia, e deputados bolsonaristas, como Carla Zambelli, marcaram presença, ampliando a visibilidade do evento.
Apesar do impacto visual, os atos não conseguiram traduzir a mobilização em apoio parlamentar. A falta de adesão de deputados do Centrão e a resistência de Hugo Motta indicam que a pressão nas ruas não está se convertendo em votos no Congresso. Além disso, a polarização gerada pelos discursos radicais, como os de Malafaia, tem afastado setores moderados que poderiam apoiar pautas relacionadas à redução de penas.
A mobilização também enfrenta desafios logísticos e financeiros. Após a cirurgia de Bolsonaro, sua ausência em eventos públicos reduziu o ímpeto de alguns apoiadores. A expectativa de alta médica nos próximos dias pode reacender a presença do ex-presidente em atos, mas aliados avaliam que o impacto será limitado sem avanços concretos no Legislativo.
Possíveis desdobramentos judiciais
As ações penais no STF seguem um cronograma que pode se estender por meses, dada a complexidade do caso. A liberação de acesso às provas pela defesa, autorizada por Moraes, marca o início de uma fase de análise detalhada do material coletado. A Polícia Federal, que indiciou 40 pessoas em novembro de 2024, continua a investigar ramificações do suposto esquema golpista, incluindo o envolvimento de militares e financiadores.
A PGR, responsável pela denúncia, deve apresentar novas acusações formais até o final de junho, o que pode ampliar o número de réus. A expectativa no STF é que o caso seja levado ao plenário, atendendo à sugestão do ministro Luiz Fux, devido à relevância política e jurídica. Enquanto isso, Bolsonaro e seus aliados enfrentam restrições, como a proibição de deixar o país, reforçada pela decisão de Moraes em janeiro.
- Próximos passos no Judiciário:
- Análise das provas pelas defesas, com prazo até agosto.
- Possível apresentação de novas denúncias pela PGR.
- Julgamento no plenário do STF, sem data definida.
- Continuação das investigações sobre financiadores do 8 de janeiro.
A determinação do STF em avançar com os processos sinaliza que não há espaço para negociações extrajudiciais, como sugerido por alguns parlamentares. A Corte mantém o foco na aplicação da lei, independentemente das pressões políticas.
Articulações internacionais
Além das movimentações no Brasil, aliados de Bolsonaro têm buscado apoio internacional para reforçar sua narrativa de perseguição política. A tentativa de viajar aos Estados Unidos, negada pelo STF, fazia parte de uma estratégia para aproximar o ex-presidente de figuras como Donald Trump, cuja posse em janeiro atraiu atenção global. A defesa de Bolsonaro argumentou que a viagem teria caráter diplomático, mas a ausência de um convite formal enfraqueceu o pedido.
Outras articulações incluem contatos com parlamentares conservadores em países como Hungria e Polônia, que compartilham afinidades ideológicas com o bolsonarismo. Esses esforços, no entanto, têm tido impacto limitado, já que a comunidade internacional, em geral, condena os atos de 8 de janeiro. A Organização dos Estados Americanos (OEA), por exemplo, emitiu nota em 2023 classificando os eventos como uma ameaça à democracia.
A busca por apoio externo também enfrenta obstáculos judiciais. A apreensão do passaporte de Bolsonaro e as restrições impostas pelo STF limitam sua capacidade de viajar e articular alianças. Enquanto isso, o governo Lula trabalha para fortalecer laços com parceiros internacionais, como a China e países do Mercosul, desviando o foco das tensões internas.
Cenário político em Brasília
A crise envolvendo Bolsonaro e o STF reflete o clima de polarização que marca a política brasileira. O governo Lula, em seu terceiro ano, busca consolidar sua base no Congresso, enquanto enfrenta pressões de setores conservadores que ainda apoiam o ex-presidente. A relação entre os poderes, especialmente entre o STF e o Legislativo, segue tensa, com episódios como a fala de Gleisi Hoffmann sobre redução de penas gerando mal-estar na Corte.
Hugo Motta, como presidente da Câmara, desempenha um papel central nesse equilíbrio. Sua decisão de não pautar a anistia reflete uma estratégia de evitar conflitos diretos com o STF, enquanto mantém o diálogo com o Planalto. O Centrão, que historicamente oscila entre governo e oposição, tende a se alinhar com pautas populares, o que reduz as chances de avanço do projeto bolsonarista.
A atuação do STF, por sua vez, reforça sua posição como guardião da ordem democrática. As decisões de Moraes e da Primeira Turma são vistas como uma resposta direta às tentativas de desestabilização institucional. A rejeição de acordos com o Congresso, destacada por ministros como Gilmar Mendes, sinaliza que a Corte não cederá a pressões políticas.
- Atores-chave no cenário político:
- Hugo Motta: Resiste à pressão bolsonarista e prioriza pautas econômicas.
- Gleisi Hoffmann: Articula contra a anistia e defende decisões judiciais.
- Alexandre de Moraes: Lidera as ações penais com rigor e transparência.
- Sóstenes Cavalcante: Pressiona pela anistia, mas enfrenta divisões internas.
O embate entre bolsonaristas, governo Lula e STF deve continuar a dominar o noticiário, com desdobramentos que podem redefinir o equilíbrio de forças em Brasília. A resistência à anistia e o avanço das ações penais indicam que o futuro de Bolsonaro e seus aliados será decidido nos tribunais, não nas ruas ou no Congresso.