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SOBRE A ORIGEM DO CARNAVAL

O carnaval realizado no Brasil é a maior festa popular do mundo. Grande parte dos foliões brasileiros, no entanto, não conhece as origens e as implicações espirituais dessa festa. Pensa-se que o carnaval é uma brincadeira típica do Brasil, mas várias cidades do mundo, como Nice (França), Veneza (Itália), Nova Orleans (EUA), dentre outras, também a celebram anualmente.

Eduardo Carneiro é professor de História da UFAC, doutor (USP E UNESP) e pós-doutor (UFAM). É escritor e poeta, membro da Academia Acreana de Letras.

O carnaval realizado no Brasil é a maior festa popular do mundo. Grande parte dos foliões brasileiros, no entanto, não conhece as origens e as implicações espirituais dessa festa. Pensa-se que o carnaval é uma brincadeira típica do Brasil, mas várias cidades do mundo, como Nice (França), Veneza (Itália), Nova Orleans (EUA), dentre outras, também a celebram anualmente.

O carnaval, para surpresa de muitos, é um fenômeno cultural anterior à era cristã. Na antiguidade, de modo geral, qualquer atividade pública coletiva cultural, desportiva e política estava ligada a rituais religiosos de adoração a deuses pagãos. Os Jogos Olímpicos, na chamada Grécia Antiga, por exemplo, faziam parte de um culto maior dedicado a Zeus. Em Atenas, no século V a.C., antes das reuniões democráticas que aconteciam na Ágora, eram feitos rituais de sacrifícios à deusa patrona da cidade. A prática do carnaval, portanto, por ser um acontecimento público coletivo, também era imersa em rituais religiosos, comumente relacionados à fertilidade do solo e à prosperidade.

O carnaval era uma festa religiosa ligada ao calendário agrícola, no qual os foliões comemoravam a boa colheita, o retorno da primavera e a benevolência dos deuses. No Egito, os rituais eram oferecidos ao deus Osíris (deus da vida e da morte), por ocasião do recuo das águas do rio Nilo. Na Grécia, a Dionísio (deus do vinho, da alegria e da loucura) e a Momo (deus da zombaria, da folia e do engano). Em Roma, várias entidades eram adoradas, desde Júpiter (rei dos deuses), Saturno (deus da agricultura) e Baco (deus da folia).

As comemorações carnavalescas eram festas que reuniam pessoas de todas as classes sociais em praça pública, devidamente mascaradas, de modo que tinham suas identidades preservadas. Havia desfiles, músicas, danças, bebidas, cantos e liberdade sexual. O anonimato era usado para a prática de orgias, ou seja, sexo coletivo hétero e homoafetivo.

Foi na Roma Antiga que iniciou a tradição da escolha do Rei Momo como anfitrião da Saturnália, nome dado ao Carnaval. O obeso mais bonito era escolhido como símbolo da fartura e, em seguida, coroado rei, gozando o status de alta autoridade. O “novo” Rei decretava a abolição das leis, costumes e regras morais e religiosas, deixando os foliões livres para se divertirem como bem quisessem. Por conta disso, o Rei Momo se tornava muito popular e querido e, para evitar prováveis disputas políticas com as autoridades seculares, logo após o fim da festividade, era sacrificado vivo em adoração ao deus Saturno.

Quando o cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano (380 d.C), uma multidão de não convertidos foram obrigados a aderir ao cristianismo. Com isso, a Igreja Católica acabou por consentir e até incorporar algumas práticas pagãs. Foi assim que o carnaval foi admitido na Idade Média como uma “válvula de escape” às tensões sociais e às exigências morais impostas no período da Quaresma.

Na Quaresma, todos os cristãos eram convocados a prática de penitência e  abstinência de carne por 40 dias, da quarta-feira de cinza até as vésperas da páscoa. Para compensar esse período de suplício, a Igreja fez “vistas grossas” às três noites de carnaval. Na ocasião, os medievos aproveitavam para se esbaldarem em comidas, festas, bebidas e prostituições, exatamente como acontecia na antiguidade. Nesse caso, no entanto, a adoração aos deuses pagãos era velada.

Na Idade Média, o carnaval passou a ser chamado de “Festa dos Loucos”, pois o folião perdia completamente sua identidade cristã e se apegava aos costumes pagãos. Na “Festa dos Loucos”, tudo passava a ser permitido, todos os constrangimentos religiosos eram abolidos. Disfarçados com fantasias que preservavam o anonimato, os “cristãos” se entregavam a várias licenciosidades.

O carnaval na Idade Média foi objeto de estudo de um dos maiores pensadores do século XX, o marxista russo Bakhtin. Em seu livro Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento, o autor observa que, no carnaval medieval, “o mundo parecia ficar de cabeça para baixo”. Vivia-se uma vida ao contrário. Era um período em que a vida das pessoas tornava-se visivelmente ambígua, pois a vida oficial (religiosa, cristã, casta, disciplinada, reservada, etc.) amalgamava-se com a vida não oficial (pagã e carnal). O sagrado que regulamentava a vida das pessoas era profanado e elas passavam a ver o mundo numa perspectiva carnavalesca, ou seja, liberada dos medos e da ética cristã.

Com a chegada da Idade Moderna, a “Festa dos Loucos” se espalhou pelo mundo afora, chegando ao Brasil através dos portugueses, ao que tudo indica, no início do século XVII. O “entrudo”, como era inicialmente conhecida a festa do carnaval no Brasil, ganhou notoriedade internacional a partir do início do século XX, quando lhe foi incorporado o samba – um estilo musical com raízes na sonoridade religiosa africana – e o turismo sexual. É no Brasil, país hegemonicamente cristão, onde ocorre a maior festa popular anticristã do mundo.

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