Saiba por que a taxa das blusinhas derrubou entregas e gerou perda de R$ 2,2 bilhões nos Correios
A chamada “taxa das blusinhas”, implementada em 1º de agosto de 2024, mudou o cenário das importações no Brasil e trouxe consequências severas para os Correios, que registraram uma perda de R$ 2,2 bilhões em receita com entregas internacionais. Aprovada pelo Congresso Nacional em junho e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei 14.902/2024 acabou com a isenção de impostos sobre compras de até US$ 50 em plataformas como Shein, AliExpress e Shopee, impondo uma alíquota de 20% de Imposto de Importação mais 17% de ICMS. Um estudo interno da estatal revelou que a medida reduziu drasticamente o volume de encomendas, frustrando a expectativa de arrecadar R$ 5,9 bilhões em 2024 com transporte de produtos importados, majoritariamente da China. Em vez disso, a receita caiu para R$ 3,7 bilhões, um tombo de 37% que abalou as finanças da empresa e sua posição no mercado.
Antes da nova legislação, os Correios dominavam 98% das entregas internacionais no Brasil, mas a taxação abriu espaço para concorrentes como transportadoras privadas e serviços logísticos de marketplaces, derrubando a participação da estatal para cerca de 30%. Em Vitória da Conquista, na Bahia, por exemplo, carteiros que antes carregavam caminhões cheios de pacotes agora relatam uma queda visível na demanda, refletindo um impacto sentido em todo o país. A estatal esperava um ano de crescimento, aproveitando o boom das compras online que marcou a pandemia, mas a realidade foi outra: o prejuízo total em 2024 alcançou R$ 3,2 bilhões, o maior da história da empresa, com a taxa das blusinhas sendo apontada como principal vilã.
A medida, que visava proteger o varejo nacional e aumentar a arrecadação federal, gerou reações mistas. Enquanto varejistas brasileiros comemoraram o freio nas importações baratas, consumidores lamentaram o encarecimento de produtos acessíveis. Para os Correios, o resultado foi uma crise financeira que reacendeu debates sobre a gestão da estatal e sua capacidade de se adaptar a um mercado em transformação, especialmente após anos de sucateamento e a tentativa de privatização no governo anterior.
A taxa das blusinhas surgiu com a Lei 14.902/2024, que acabou com a isenção de Imposto de Importação para compras internacionais de até US$ 50, antes garantida pelo Programa Remessa Conforme para empresas certificadas. Agora, essas compras pagam 20% de imposto federal mais 17% de ICMS estadual, totalizando uma carga tributária de 37%. Para valores acima de US$ 50, a alíquota sobe para 60%, com um desconto de US$ 20, mas o impacto maior foi nas pequenas encomendas, que representavam o grosso do volume transportado pelos Correios.
Essa mudança reduziu o fluxo de importações em 40%, segundo dados da Receita Federal, com o número de remessas caindo de 18,4 milhões em julho de 2024 para 11 milhões em agosto, logo após a entrada em vigor da lei. Os Correios, que faturaram R$ 1,3 bilhão com entregas internacionais entre julho e setembro de 2023, viram esse valor despencar para R$ 1 bilhão no mesmo período de 2024, uma queda de R$ 200 milhões em apenas três meses. No acumulado do ano, a receita com importações caiu de R$ 3,3 bilhões em 2023 para R$ 3,1 bilhões em 2024, mas o terceiro trimestre foi o mais afetado, registrando um prejuízo de R$ 785 milhões.
A estatal perdeu competitividade com a entrada de concorrentes que passaram a operar diretamente no Brasil, oferecendo serviços logísticos próprios ou contratando transportadoras privadas. Antes quase monopolista no segmento, a empresa viu sua fatia de mercado encolher, enquanto plataformas internacionais ajustaram estratégias para evitar os custos adicionais, muitas vezes optando por rotas alternativas ou reduzindo envios ao país.
O rombo de R$ 2,2 bilhões reflete uma expectativa frustrada de receita que os Correios tinham para 2024. A estatal projetava um faturamento de R$ 5,9 bilhões com o transporte de mercadorias importadas, especialmente da China, que dominava o mercado de compras online de baixo custo. No entanto, a taxação desencorajou consumidores, que passaram a pagar quase 40% a mais em impostos sobre itens antes isentos, levando a uma queda abrupta no volume de pacotes. Dos R$ 3,7 bilhões arrecadados, boa parte veio antes de agosto, quando a lei ainda não vigorava, evidenciando o impacto concentrado no segundo semestre.
Esse prejuízo contribuiu para um déficit total de R$ 3,2 bilhões em 2024, superando o recorde anterior de R$ 2,1 bilhões em 2015, durante o governo Dilma Rousseff. O presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, atribuiu parte da crise a decisões passadas, como a inclusão da empresa no Plano Nacional de Desestatização sob Jair Bolsonaro, que teria limitado investimentos em modernização e tecnologia. A falta de preparo para competir em um mercado aberto agravou a situação, enquanto a taxa das blusinhas foi o golpe final em uma receita já fragilizada.
A queda nas importações também afetou os trabalhadores da estatal. Em cidades como Vitória da Conquista, a redução no número de encomendas diminuiu a carga de trabalho de carteiros do Sedex e outros serviços, enquanto a empresa tenta cortar custos, como a suspensão de contratações terceirizadas por 120 dias e a renegociação de contratos para economizar pelo menos 10%.
Aprovada em junho de 2024, a taxa das blusinhas foi proposta pelo Ministério da Fazenda para equilibrar as contas públicas e proteger o varejo nacional da concorrência desleal de produtos importados baratos. Antes da lei, compras de até US$ 50 eram isentas de Imposto de Importação para empresas no Remessa Conforme, pagando apenas 17% de ICMS. A mudança trouxe uma arrecadação extra de R$ 533 milhões entre agosto e dezembro de 2024, com projeções de R$ 2 bilhões anuais em 2025, mas o custo para os Correios superou em muito esse ganho.
Varejistas brasileiros, como Magazine Luiza e Americanas, apoiaram a medida, alegando que a isenção favorecia gigantes asiáticas como Shein e AliExpress, que inundavam o mercado com produtos a preços imbatíveis. Dados do Santander mostram que as importações caíram de R$ 1,8 bilhão em julho para R$ 902 milhões em agosto, beneficiando o comércio local, que registrou crescimento de 4,5% em vendas entre agosto e setembro. Consumidores, porém, criticaram o encarecimento de itens populares, como roupas e eletrônicos, levando a uma redução de 38,82% nas Declarações de Importação de Remessas no Remessa Conforme.
O presidente Lula chegou a questionar a taxa, mas a sancionou sob pressão do Congresso e da Fazenda. A decisão gerou um paradoxo: enquanto o governo arrecadou mais impostos, a estatal perdeu receita, evidenciando os efeitos colaterais de uma política que, embora bem-intencionada, desestruturou um dos pilares financeiros dos Correios.
A crise financeira dos Correios em 2024 tem raízes em decisões políticas e mudanças de mercado. Em 2020, durante a pandemia, a estatal viu um pico nas importações, com R$ 1,5 bilhão em receita no auge das compras online. Em 2023, o faturamento com entregas internacionais chegou a R$ 3,3 bilhões, mas a inclusão no Plano Nacional de Desestatização limitou investimentos. A Lei 14.902/2024, sancionada em junho e vigente desde agosto, marcou o início da queda:
A partir de abril de 2025, o ICMS deve subir para 20% em alguns estados, podendo ampliar o impacto nas importações e na receita dos Correios.
Diante do prejuízo, os Correios adotaram medidas emergenciais. A suspensão de contratações terceirizadas por 120 dias visa cortar custos operacionais, enquanto a renegociação de contratos busca reduzir valores em pelo menos 10%. A estatal também planeja encerrar acordos menos rentáveis, prorrogando apenas os que gerem economia significativa. A receita projetada de R$ 22,7 bilhões em 2024 foi revisada para R$ 20,1 bilhões, mas o déficit persiste, estimado em R$ 1,7 bilhão mesmo com cortes.
Fabiano Silva dos Santos, presidente dos Correios, defende uma revisão da legislação para recuperar o mercado perdido. A estatal busca retomar a exclusividade nas entregas de pequenas encomendas internacionais, mas a Fazenda argumenta que isso exigiria nova lei ou medida provisória, algo improvável sem apoio político. Enquanto isso, a empresa tenta se voltar ao mercado nacional, investindo em serviços como banco digital e logística para saúde, mas os resultados ainda são incertos.
A crise também reacendeu críticas à gestão passada. Durante o governo Bolsonaro, a falta de modernização e o foco na privatização deixaram os Correios vulneráveis à concorrência, um problema que a taxa das blusinhas apenas agravou, segundo a atual administração.
A taxa das blusinhas mudou o comportamento de compra no Brasil. Antes de agosto de 2024, plataformas como Shein e AliExpress registravam picos de 18,4 milhões de remessas mensais, mas a taxação reduziu esse volume para 11 milhões em agosto, com leve recuperação para 11,4 milhões em setembro. O custo extra, que eleva o preço final em até 37% para itens de US$ 50, levou muitos consumidores a buscar alternativas no varejo nacional, beneficiando empresas locais.
Por outro lado, os Correios perderam espaço para concorrentes internacionais que agora operam diretamente no Brasil. Empresas como DHL e FedEx, além de serviços próprios de marketplaces, capturaram parte do mercado, enquanto a estatal viu sua receita encolher. Em Vitória da Conquista, comerciantes locais notaram um aumento nas vendas de roupas e acessórios, mas lamentam a lentidão dos Correios em se adaptar, o que afeta entregas domésticas.
Para os consumidores, o fim da isenção significou o adeus a compras baratas. Um item de US$ 30, que antes custava cerca de R$ 175 com frete e ICMS, agora sai por R$ 236 com a nova taxa, um aumento de 35%. Isso levou a uma queda de 32,73% no volume total de remessas recebidas no país em 2024, segundo a Receita Federal.