Comunidades ribeirinhas do Acre intensificam ações culturais de prevenção contra o sarampo após surto na Bolívia. Lideranças indígenas e agentes comunitários orientam a população.
Surto vizinho desperta reação comunitária nos rios do Acre
O avanço do surto de sarampo na Bolívia provocou reações imediatas não só nas autoridades de saúde do Acre, mas também dentro das comunidades ribeirinhas e indígenas que habitam a zona de fronteira. De forma espontânea e com apoio técnico de agentes de saúde, moradores das regiões dos rios Acre, Purus e Yaco passaram a organizar rodas de conversa, palestras e mutirões para discutir prevenção e vacinação.
Nas comunidades do Alto Rio Iaco, em Sena Madureira, e na Reserva Extrativista Chico Mendes, líderes locais convocaram reuniões tradicionais, onde se discutiram formas de proteger crianças e idosos, públicos mais vulneráveis à doença. “Aqui, a gente se cuida com diálogo e união. Sabemos que a doença vem pelo vento, mas a vacina segura o corpo”, disse seu Raimundo Nonato, morador da comunidade Santa Clara.
Saberes tradicionais somam forças à ciência na luta contra o sarampo
Os agentes de saúde que atuam em áreas remotas relataram que a aceitação da vacina aumentou após o início das ações de conscientização feitas em linguagem local, com apoio de pajés, parteiras e professores comunitários. “Antes, a gente precisava convencer. Agora, as mães chamam a gente para vacinar logo. O medo chegou, mas a informação também chegou”, relatou Maria Lúcia Alencar, técnica de enfermagem da região do Alto Envira.
Materiais informativos estão sendo traduzidos para o idioma Huni Kuin e distribuídos em aldeias indígenas da TI Kaxinawá e Puyanawa. O material explica sintomas, formas de transmissão e importância da segunda dose, geralmente negligenciada por populações isoladas.
Barreiras geográficas desafiam ações públicas, mas comunidade reage com criatividade
Apesar da logística desafiadora — rios cheios, falta de embarcações e longas distâncias — as comunidades se organizaram para levar grupos até os pontos de vacinação. Em alguns casos, moradores usam seus próprios barcos e combustível para ajudar famílias vizinhas a chegarem aos postos.
“A gente não espera o governo. Aqui é união. A doença não escolhe se é branco, indígena ou caboclo. Por isso, temos que agir juntos”, disse a artesã Irene Kampa, da comunidade Porto Rubim, na fronteira entre Assis Brasil e Cobija.
Cultura de prevenção pode deixar legado permanente
A Secretaria de Estado de Cultura e Educação Indígena informou que, a partir de julho, ações culturais de prevenção à saúde serão integradas aos projetos escolares nas escolas ribeirinhas e aldeadas. A ideia é que temas como vacinação, higiene e nutrição ganhem espaço em peças teatrais, cantigas e artes visuais feitas pelos próprios estudantes.
“Essa crise pode se tornar uma oportunidade para gerar consciência duradoura sobre saúde preventiva”, afirmou o coordenador do Programa Escola Ribeirinha Viva, Carlos Lameira.
