Há instituições que trabalham em silêncio — e há aquelas que, de repente, descobrem o microfone. O Tribunal de Contas do Estado do Acre parece viver esse segundo momento. Não porque passou a fazer algo extraordinário, mas porque resolveu anunciar como novidade aquilo que sempre foi obrigação.
Quando o TCE diz que “acabou a clandestinidade” ao informar que, a partir de 2026, todas as emendas parlamentares de deputados estaduais e vereadores serão auditadas, a sensação não é de alívio institucional. É de estranhamento. Soa como aquela piada contada duas vezes no mesmo dia, para a mesma pessoa: tecnicamente correta, mas sem graça alguma.
Auditar emendas parlamentares não é um gesto de ousadia. É dever. É função básica. Está no DNA do controle externo. Fiscalizar onde o dinheiro público foi aplicado, quanto foi gasto, com qual finalidade e com quais resultados não inaugura uma “nova fase”. Apenas confirma, tardiamente, que o básico precisa ser feito — e precisa ser visto.
O problema não está na norma baixada pela presidente Dulce Benício. Pelo contrário: ela caminha na direção correta. O problema está no tom de protagonismo quase performático, como se o TCE estivesse cruzando uma fronteira inédita, quando, na prática, apenas alcança o próprio limite institucional que nunca deveria ter sido abandonado.
O Tribunal de Contas não é comentarista da realidade. Não é analista de conjuntura. Não é órgão de opinião. É órgão de controle. E controle não se anuncia — se exerce.
Quando a fiscalização passa a ser apresentada como “ação especial”, “endurecimento” ou “novidade”, algo se perdeu no caminho. O TCE deixa de parecer árbitro e passa a parecer jogador entrando atrasado em campo, pedindo aplauso por cumprir a regra do jogo.
A comparação com a atuação do ministro Flávio Dino no STF não é aleatória. Ali, o que se vê é método, continuidade e exposição pública dos dados — não para autopromoção, mas para constranger o erro pela luz. Transparência não é discurso; é procedimento aberto, replicável e verificável.
E é justamente aí que mora o ponto cego das falas recentes: dizer que haverá auditoria não basta. O que a sociedade — e especialmente a imprensa — espera é publicidade real do processo. Relatórios claros. Critérios objetivos. Cronogramas conhecidos. Resultados acessíveis. Nomes, valores, destinos. Tudo fora das quatro paredes do Tribunal.
Fala-se há anos, nos bastidores e fora deles, que emendas parlamentares viraram combustível eleitoral, moeda política e atalho para campanhas disfarçadas de políticas públicas. O papel do TCE não é rebater boatos nem confirmá-los em entrevistas. É produzir provas, com técnica e independência, para que a verdade sobreviva sozinha.
Se for boato, a auditoria mostrará.
Se for verdade, a auditoria revelará.
Se for invenção, a auditoria encerrará.
Simples assim.
O risco institucional é outro: quando o órgão de controle passa a celebrar o cumprimento do dever como se fosse exceção, ele mesmo confessa que esteve ausente por tempo demais. E ausência prolongada, em órgãos de fiscalização, cobra juros altos — sobretudo na credibilidade.
O TCE não precisa de protagonismo estranho. Precisa de regularidade firme. Não precisa de frases de efeito. Precisa de dados expostos. Não precisa anunciar que acordou. Precisa apenas continuar acordado.
Porque, no fim das contas, a transparência não se decreta. Se pratica. E quem fiscaliza não surpreende: cumpre.
