O campo brasileiro vive um momento de transição. Após 16 anos de declínio contínuo, as áreas destinadas ao plantio de arroz e feijão, alimentos fundamentais na mesa do brasileiro, finalmente estabilizaram. Dados recentes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostram que, desde a safra 2022/2023, a redução das áreas desses cultivos cessou, marcando uma mudança significativa em um cenário dominado pelo avanço da soja e do milho. A produtividade elevada tem garantido o abastecimento interno, mas os desafios persistem.
Entre 2006 e 2023, o arroz perdeu 43% de sua área plantada, enquanto o feijão registrou uma queda de 32%. No mesmo período, a soja expandiu 108% e o milho, 63%, consolidando-se como líderes no agronegócio nacional. Essa transformação reflete escolhas econômicas: os altos custos de produção e a baixa rentabilidade desmotivaram os agricultores a manterem o cultivo de arroz e feijão.
Os números revelam a complexidade do setor agrícola:
- Custos elevados: O plantio de arroz custa cerca de R$ 12 mil por hectare, e o de feijão, R$ 13 mil, superando os R$ 7 mil do milho e R$ 6 mil da soja.
- Baixa remuneração: Preços de mercado instáveis e margens reduzidas dificultam a competitividade desses alimentos.
- Concorrência externa: Soja e milho, negociados em bolsas internacionais, atraem mais investimentos e exportações.
- Mudanças climáticas: Enchentes e secas, como as do Rio Grande do Sul, aumentam os gastos com recuperação de solos.
A estabilização recente das áreas plantadas, no entanto, reacende o debate sobre o futuro desses cultivos essenciais. Políticas públicas, aumento da produtividade e novas estratégias de mercado começam a desenhar um novo capítulo para o arroz e o feijão no Brasil.
Custos altos limitam plantio
O cultivo de arroz e feijão enfrenta barreiras econômicas significativas. Segundo a Conab, os custos de produção desses alimentos são substancialmente mais altos que os de commodities como soja e milho. O arroz, por exemplo, exige investimentos pesados em máquinas, fertilizantes e diesel, especialmente em áreas de cultivo irrigado, que representam 77% da produção nacional. No feijão, a sensibilidade a pragas e doenças eleva os gastos com defensivos agrícolas, sejam químicos ou biológicos.
Esses valores contrastam com a realidade de mercado. Nos últimos 12 meses até fevereiro de 2025, o preço do arroz caiu 4%, enquanto o do feijão despencou 24,35%, conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA). Essa desvalorização pressiona os agricultores, que muitas vezes não conseguem cobrir os custos de produção. No Rio Grande do Sul, maior produtor de arroz do país, os desafios são ainda maiores devido a eventos climáticos extremos, como as enchentes de 2024, que danificaram áreas agrícolas e exigiram investimentos adicionais.
A desvalorização do real também pesa. Como muitos insumos, como fertilizantes e defensivos, são cotados em dólar, os custos de produção se tornam ainda mais onerosos. Além disso, a logística no Brasil, conhecida como “custo Brasil”, encarece o transporte de arroz e feijão para regiões distantes, como o Norte e o Nordeste, onde o transporte rodoviário pode ser até 30% mais caro que a cabotagem.
Apesar dessas dificuldades, a estabilização das áreas plantadas sugere que os produtores estão encontrando maneiras de se adaptar. A redução dos juros e o aumento do crédito agrícola, promovidos por políticas públicas recentes, têm oferecido algum alívio, permitindo que agricultores mantenham ou até ampliem suas lavouras.
Produtividade garante abastecimento
Mesmo com a redução drástica das áreas plantadas, o Brasil não enfrenta escassez de arroz ou feijão. O segredo está na produtividade, que cresceu significativamente nas últimas duas décadas. Hoje, os agricultores conseguem colher mais por hectare do que em 2006, compensando a perda de espaço para soja e milho. Na safra 2023/2024, por exemplo, a produção de arroz atingiu níveis suficientes para atender à demanda interna, com apenas 12,5% do total exportado. No caso do feijão, as exportações são ainda menores, representando 10% da produção.
Essa eficiência é resultado de avanços tecnológicos, como o uso de sementes mais resistentes e técnicas de cultivo aprimoradas. No arroz, o plantio irrigado, que exige mais água e cuidados, também contribui para yields mais altos. No feijão, a adoção de defensivos biológicos tem reduzido perdas por pragas, embora os custos permaneçam elevados.
A demanda por esses alimentos, no entanto, está em queda. Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, realizada entre 2008 e 2018, mostram que o consumo diário de feijão por pessoa caiu de 183 gramas para 163,2 gramas, enquanto o de arroz recuou de 160,3 gramas para 131,4 gramas. Fatores como a urbanização, a popularidade de fast food e a correria do dia a dia explicam essa tendência, que persiste mesmo com a estabilização das áreas plantadas.
Faturamento em alta sinaliza recuperação
A situação dos produtores de arroz e feijão começa a mostrar sinais de melhora. De acordo com a Conab, o faturamento do setor arrozeiro saltou de R$ 18 bilhões em 2006 para R$ 25 bilhões em 2024. Essa recuperação é impulsionada pela redução da oferta, que elevou os preços no mercado interno, e pelo aumento das exportações, que cresceram nos últimos anos. O feijão, embora menos expressivo em números absolutos, também registra ganhos, com áreas plantadas crescendo 16% desde a safra 2022/2023.
Os preços mais altos refletem uma dinâmica de mercado: com menos área cultivada, a oferta diminui, aumentando a demanda e, consequentemente, os valores pagos aos produtores. Além disso, o crescimento das exportações, ainda que modesto, tem aberto novas oportunidades. Países vizinhos, como os do Mercosul, têm absorvido parte da produção brasileira, especialmente de arroz, que ganhou competitividade em mercados regionais.
Outro fator importante é o suporte governamental. A redução dos juros para financiamentos agrícolas e o aumento do acesso a crédito têm permitido que pequenos e médios produtores invistam em suas lavouras. Programas de assistência técnica, que oferecem orientação sobre manejo e tecnologias, também têm contribuído para a estabilização das áreas plantadas.
No entanto, os desafios permanecem. Para que o faturamento continue crescendo, é necessário equilibrar os custos de produção com preços acessíveis ao consumidor. Estratégias como a ampliação de estoques públicos e a criação de incentivos fiscais podem ajudar a manter a viabilidade econômica desses cultivos.
Barreiras logísticas dificultam distribuição
Transportar arroz e feijão dentro do Brasil é uma tarefa cara e complexa. A logística, frequentemente chamada de “custo Brasil”, representa um obstáculo significativo para os produtores. O transporte rodoviário, principal meio utilizado, pode custar até 30% mais do que a cabotagem, uma alternativa viável apenas para regiões costeiras. Para levar arroz do Rio Grande do Sul ao Nordeste, por exemplo, os custos logísticos muitas vezes superam os lucros obtidos com a venda do produto.
Essa realidade impacta diretamente os preços finais. Em regiões mais distantes, como o Norte e o Nordeste, o arroz e o feijão chegam aos consumidores com valores elevados, o que desestimula o consumo. Em alguns casos, os altos custos logísticos forçam os produtores a priorizarem mercados locais, limitando a distribuição nacional.
Os desafios logísticos também afetam a competitividade dos produtos brasileiros no mercado externo. Embora as exportações de arroz tenham crescido, os custos de transporte até os portos reduzem as margens de lucro, tornando o produto menos atraente em comparação com concorrentes internacionais. Soluções como investimentos em infraestrutura e incentivos para o transporte marítimo poderiam aliviar essa pressão.
Para contornar essas barreiras, algumas associações de produtores têm buscado parcerias com o setor privado. Iniciativas para otimizar rotas de transporte e reduzir custos estão em andamento, mas os resultados ainda são limitados. Enquanto isso, os consumidores em regiões remotas continuam enfrentando preços mais altos.
Consumo em transformação
O consumo de arroz e feijão no Brasil está mudando. Além da queda registrada pelo IBGE entre 2008 e 2018, outros fatores influenciam os hábitos alimentares. A urbanização acelerada e a rotina corrida de grandes cidades têm levado muitos brasileiros a optarem por alimentos práticos, como fast food e refeições prontas. O preparo de arroz e feijão, que exige tempo, perdeu espaço em muitas casas.
A renda também desempenha um papel crucial. Em regiões mais pobres, o aumento de R$ 0,50 no preço do feijão pode forçar famílias a reduzirem o consumo. Os chamados “desertos alimentares”, áreas onde o acesso a mercados tradicionais é limitado, agravam essa situação. Nessas localidades, os consumidores dependem de comércios informais, onde os preços são ainda mais altos.
Apesar disso, o arroz e o feijão seguem sendo pilares da alimentação brasileira. Campanhas de incentivo ao consumo, promovidas por associações de produtores, buscam destacar os benefícios nutricionais desses alimentos. Iniciativas para incluir arroz e feijão em programas de alimentação escolar também têm ajudado a manter a demanda, especialmente em comunidades de baixa renda.
Os desafios para reverter a queda no consumo incluem:
- Educação alimentar: Promover os benefícios do arroz e feijão para a saúde.
- Acessibilidade: Garantir preços mais baixos em regiões carentes.
- Inovação: Desenvolver produtos prontos à base de arroz e feijão, adaptados à vida urbana.
- Campanhas públicas: Parcerias entre governo e produtores para incentivar o consumo.
Avanços tecnológicos impulsionam colheitas
A tecnologia tem sido uma aliada fundamental para os produtores de arroz e feijão. Nos últimos 19 anos, o desenvolvimento de variedades mais resistentes a doenças e pragas aumentou a produtividade, permitindo colheitas maiores em áreas menores. No arroz, o uso de sistemas de irrigação avançados tem garantido safras mais estáveis, mesmo em anos de chuvas irregulares.
No feijão, a pesquisa em defensivos biológicos tem reduzido a dependência de produtos químicos, embora os custos permaneçam altos. Instituições como a Embrapa têm investido em sementes adaptadas a diferentes condições climáticas, o que beneficia pequenos produtores em regiões vulneráveis a secas ou enchentes.
Os avanços não se limitam ao campo. Softwares de gestão agrícola e drones para monitoramento de lavouras estão sendo adotados por agricultores de maior porte, otimizando o uso de insumos e reduzindo desperdícios. Essas tecnologias, no entanto, ainda são inacessíveis para muitos pequenos produtores, que dependem de assistência técnica pública.
Para expandir o acesso a essas inovações, programas governamentais têm oferecido treinamento e subsídios. A expectativa é que, com mais investimento em pesquisa e extensão rural, a produtividade continue crescendo, sustentando o abastecimento interno sem a necessidade de ampliar significativamente as áreas plantadas.
Políticas públicas entram em cena
O governo brasileiro tem desempenhado um papel importante na estabilização das áreas de arroz e feijão. Desde 2022, medidas como a redução de juros para financiamentos agrícolas e o aumento do crédito rural têm incentivado os produtores a manterem suas lavouras. Programas de assistência técnica, que fornecem orientação sobre manejo e tecnologias, também ganharam força.
A gestão de estoques públicos é outra estratégia em destaque. Ao comprar parte da produção a preços mínimos, o governo garante renda aos agricultores e evita quedas bruscas nos preços de mercado. Essa política tem sido especialmente eficaz no caso do arroz, cujo preço mínimo de comercialização é de R$ 90 por saca, segundo a Federarroz.
Outras iniciativas incluem:
- Seguro agrícola: Ampliação de programas para proteger produtores contra perdas climáticas.
- Incentivos fiscais: Redução de impostos sobre insumos agrícolas.
- Pesquisa e desenvolvimento: Financiamento de estudos para variedades mais produtivas.
- Apoio à exportação: Facilitação de acordos comerciais com países importadores.
Apesar dos avanços, os produtores reivindicam mais apoio. A criação de um seguro agrícola mais acessível e a ampliação de programas de crédito para pequenos agricultores estão entre as principais demandas do setor.
Exportações abrem novos caminhos
Embora o mercado interno seja o principal destino do arroz e feijão brasileiros, as exportações estão ganhando relevância. Na safra 2023/2024, 12,5% do arroz produzido foi vendido para o exterior, com destaque para países do Mercosul e da América Central. O feijão, embora menos exportado, também encontrou espaço em mercados regionais, com 10% da produção destinada ao comércio internacional.
A valorização do dólar tem favorecido as exportações, tornando os produtos brasileiros mais competitivos. No entanto, os custos logísticos e a concorrência com outros países produtores, como Argentina e Uruguai, limitam o crescimento. Para superar esses desafios, associações como a Abiarroz têm defendido investimentos em infraestrutura portuária e acordos comerciais mais amplos.
A abertura de novos mercados também depende de campanhas de marketing. Promover o arroz e o feijão brasileiros como produtos de alta qualidade pode atrair compradores em regiões como a Ásia e a África, onde a demanda por alimentos básicos está em alta. Essas estratégias, combinadas com o aumento da produtividade, podem fortalecer a posição do Brasil no mercado global.
Desafios climáticos testam produtores
Eventos climáticos extremos, como as enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, têm impactado diretamente o cultivo de arroz e feijão. No caso do arroz, que depende de áreas irrigadas, as inundações danificaram solos e exigiram investimentos adicionais em recuperação. O feijão, sensível a variações climáticas, também sofreu com chuvas excessivas e secas prolongadas em diferentes regiões.
Para enfrentar esses desafios, os produtores têm adotado práticas de manejo mais sustentáveis, como a rotação de culturas e o uso de cobertura vegetal para proteger o solo. Além disso, o desenvolvimento de variedades resistentes ao clima, como feijões tolerantes à seca, tem ajudado a minimizar perdas.
Os impactos climáticos reforçam a importância do seguro agrícola. Atualmente, apenas uma pequena parcela dos produtores de arroz e feijão tem acesso a esse tipo de proteção, o que aumenta a vulnerabilidade do setor. A ampliação de programas de seguro e a criação de fundos de emergência são medidas defendidas por associações de agricultores.