Morre José Mujica, ex-presidente do Uruguai, aos 89 anos, após batalha contra tumor
José Mujica, ex-presidente do Uruguai, faleceu aos 89 anos em Montevidéu, marcando o fim de uma trajetória que misturou luta armada, prisão, política e uma vida de simplicidade. Conhecido como “Pepe”, ele governou o país entre 2010 e 2015, deixando um legado que transcendeu fronteiras. Sua morte, anunciada em 13 de maio de 2025, ocorreu após uma longa batalha contra um tumor no esôfago, diagnosticado em abril de 2024. A notícia abalou o Uruguai e a América Latina, onde ele era admirado por sua autenticidade.
Nascido em 20 de maio de 1935, Mujica teve uma vida marcada por extremos. Dos anos de guerrilha nos Tupamaros à presidência, ele navegou por diferentes papéis com uma postura incomum para um líder político. Sua saúde, já fragilizada por uma doença imunológica de longa data, enfrentou novos desafios nos últimos meses.
O ex-presidente, que cultivava uma horta e dirigia um Fusca 1987, tornou-se símbolo de um estilo de vida despojado. Sua história, porém, vai além da imagem pública, envolvendo décadas de resistência e transformações políticas.
José Alberto Mujica Cordano cresceu em Montevidéu, em uma família de classe média. Nos anos 1960, ele se juntou ao Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros, uma guerrilha urbana que desafiava o sistema político uruguaio. O grupo ficou conhecido por ações como assaltos a bancos, com os recursos distribuídos entre comunidades pobres. Essas atividades, realizadas antes da ditadura militar de 1973, refletiam o idealismo de Mujica e seus companheiros.
A militância, porém, teve um custo alto. Mujica foi ferido quatro vezes em confrontos com a polícia e preso em várias ocasiões. Sua captura definitiva, em 1972, marcou o início de um longo período atrás das grades. Durante esses anos, ele enfrentou condições extremas, incluindo torturas e longos períodos em solitária, como parte do grupo de presos considerados “sequestrados” pelo regime.
O tempo na prisão moldou sua visão de mundo. Após 14 anos encarcerado, Mujica foi libertado em 1985, beneficiado por um decreto de anistia. Ele emerg iu como uma figura resiliente, pronta para deixar a luta armada e entrar na política institucional.
Após a redemocratização do Uruguai, Mujica fundou o Movimento de Participação Popular (MPP), uma frente de esquerda que integrou ex-guerrilheiros e novos militantes. Em 1994, ele foi eleito deputado, iniciando uma carreira parlamentar que o levaria ao Senado em 1999. Sua habilidade de conectar-se com o povo, aliada à sua história de luta, o tornou uma figura carismática.
Em 2005, com a eleição de Tabaré Vázquez, Mujica foi nomeado ministro da Agricultura. Sua gestão priorizou pequenos produtores e políticas de inclusão rural, refletindo sua visão de justiça social. Esses anos consolidaram sua imagem como um político próximo do povo, preparando o terreno para sua candidatura presidencial.
Mujica assumiu a presidência em 2010, após vencer as eleições pela Frente Ampla. Seu governo foi marcado por avanços sociais e políticas inovadoras. O gasto público em áreas como educação, saúde e assistência social cresceu de 60,9% para 75,5% do total, refletindo um compromisso com a redução da desigualdade. O salário mínimo teve um aumento de 250%, beneficiando trabalhadores de baixa renda.
Uma das medidas mais emblemáticas de sua gestão foi a legalização da maconha, proposta em 2012 e implementada nos anos seguintes. A iniciativa, que regulou o cultivo, a venda e o consumo da substância, colocou o Uruguai na vanguarda de debates globais sobre políticas de drogas. Além disso, Mujica promoveu a igualdade de gênero e os direitos de minorias, com leis que ampliaram o acesso ao casamento igualitário e à adoção por casais do mesmo sexo.
Apesar das conquistas, Mujica enfrentou críticas. Setores conservadores questionaram a legalização da maconha, enquanto alguns aliados apontaram lentidão em reformas estruturais. Ainda assim, sua popularidade permaneceu alta, impulsionada por sua autenticidade e estilo de vida modesto.
Ao lado de sua esposa, Lucía Topolansky, Mujica conquistou o mundo com sua simplicidade. Durante a presidência, o casal vivia em uma casa modesta nos arredores de Montevidéu, rejeitando o palácio presidencial. Mujica dirigia seu Fusca azul, ano 1987, para o trabalho, e doava cerca de 90% de seu salário para projetos sociais. Essa postura o transformou em um ícone global, frequentemente descrito como “o presidente mais pobre do mundo”.
A casa de Mujica, com horta e poucos luxos, tornou-se um símbolo de sua filosofia. Ele cultivava vegetais e flores, mantendo uma rotina que contrastava com a pompa de outros líderes. Em entrevistas, ele explicava que a simplicidade era uma escolha consciente, ligada à sua visão de que a felicidade não depende de bens materiais.
A imagem de Mujica como líder humilde foi amplificada por aparições internacionais, como no Festival de Veneza, onde ele defendeu valores humanistas. Sua história inspirou documentários, livros e reportagens, consolidando-o como uma figura singular na política global.
A saúde de Mujica começou a declinar em 2024, quando ele anunciou o diagnóstico de um tumor no esôfago. A doença, em estágio avançado, comprometeu gravemente seu estômago. Uma condição imunológica preexistente, que afetava seus rins há mais de 20 anos, dificultou opções de tratamento como quimioterapia ou cirurgia. Em agosto de 2024, ele voltou para casa após internação, mas sua médica alertou que sua saúde permanecia frágil, apesar de sinais de melhora.
Em outubro de 2024, Mujica fez um discurso público em tom de despedida, sugerindo que estava próximo do fim. Ele falou sobre a vida, a natureza e sua trajetória, emocionando apoiadores. Nos últimos meses, ele passou a maior parte do tempo em casa, cuidando de sua horta e acompanhado por Lucía Topolansky.
A morte de Mujica, em 13 de maio de 2025, foi recebida com homenagens no Uruguai e no exterior. Líderes políticos, ativistas e cidadãos comuns destacaram sua contribuição para a democracia e a justiça social.
A trajetória de Mujica no Uruguai deixou marcas profundas. Sua passagem pela presidência consolidou a Frente Ampla como uma força política progressista, capaz de implementar reformas ousadas. A legalização da maconha, por exemplo, serviu de modelo para outros países, enquanto o foco em políticas sociais reduziu a pobreza e ampliou o acesso à educação.
Após deixar a presidência, Mujica voltou ao Senado, onde permaneceu até 2020, quando se afastou por motivos de saúde durante a pandemia de Covid-19. Mesmo fora da política ativa, ele continuou influente, participando de debates e eventos públicos. Sua visão de mundo, que combinava socialismo, humanismo e admiração pela natureza, ressoou entre jovens e movimentos de esquerda.
O MPP, partido fundado por Mujica, segue ativo, mantendo sua base de apoio entre trabalhadores e jovens. A morte de Mujica deve reacender debates sobre seu legado e o futuro da esquerda uruguaia.
A notícia da morte de Mujica gerou uma onda de tributos. No Uruguai, o governo decretou luto oficial, e cerimônias públicas foram organizadas em Montevidéu. Nas redes sociais, mensagens de condolências vieram de líderes como o presidente da Argentina, Alberto Fernández, e o ex-presidente da Bolívia, Evo Morales, que destacaram a coerência de Mujica entre discurso e prática.
Cidadãos uruguaios se reuniram em praças e em frente à casa de Mujica, deixando flores e mensagens. Em Rincón del Cerro, onde ele vivia, vizinhos lembraram sua proximidade com a comunidade. Eventos culturais, como exibições de documentários sobre sua vida, foram anunciados para os dias seguintes.
Mujica se declarava ateu, mas expressava uma visão quase panteísta, com profunda admiração pela natureza. Em entrevistas, ele dizia que sua espiritualidade estava ligada à terra, às plantas e à simplicidade da vida rural. Essa filosofia guiou suas decisões, desde a doação de seu salário até a rejeição de luxos.
Sua visão política combinava socialismo com pragmatismo. Ele defendia a redistribuição de riqueza, mas também valorizava o diálogo com opositores. Em discursos, Mujica criticava o consumismo e o desperdício, propondo um modelo de desenvolvimento mais humano e sustentável. Essas ideias, expressas em fóruns internacionais, como a ONU, ampliaram sua influência.
A morte de Mujica não encerra sua influência. Projetos sociais apoiados por ele, como iniciativas de combate à pobreza, continuam ativos. O MPP e a Frente Ampla planejam eventos para celebrar sua memória, enquanto escolas e universidades discutem a inclusão de sua trajetória nos currículos. No exterior, movimentos progressistas citam Mujica como inspiração para novas gerações de líderes.
A casa de Mujica, em Rincón del Cerro, deve se tornar um ponto de visitação, preservando sua horta e objetos pessoais. Organizações internacionais, como a CEPAL, planejam seminários sobre suas políticas sociais. Sua vida, marcada por luta, simplicidade e coerência, permanece como referência no Uruguai e além.