Prisão de tenente e decreto de pensão escancaram a ausência de prioridade real no combate à violência contra mulheres.
📍 Rio Branco – AC | Atualizado em 01/10/2025
Em menos de uma semana, o Acre foi sacudido por dois fatos que se cruzam em um ponto doloroso: o feminicídio. De um lado, a Justiça manteve preso o tenente aposentado Reginaldo Freitas Rodrigues, acusado de matar com três tiros a companheira, Yonara Nazaré, em Rio Branco. Do outro, o governo federal publicou decreto que cria pensão especial para filhos de vítimas de feminicídio. Mas o contraste é cruel: enquanto os órfãos recebem promessa de um salário mínimo, as mães continuam tombando sem que o Estado se levante com a força necessária para impedi-lo.
Até quando?
Quantos feminicídios mais teremos que noticiar até que o Estado acorde para a urgência dessa pauta? O Acre não pode naturalizar o fato de que mulheres são mortas todos os anos por quem deveria amá-las, protegê-las ou, como neste caso, até representá-las na farda.
Yonara tinha 29 anos. Não era apenas uma estatística. Era uma vida interrompida. O tenente que deveria simbolizar disciplina e ordem agora estampa manchetes como mais um agressor. E o que faz o Estado? Publica notas, cria decretos paliativos, promete comissões e depois segue sua rotina burocrática.
Onde estão as secretarias de mulheres?
É impossível calar: cadê a Secretaria da Mulher do Acre? Cadê as secretarias municipais? Onde estão as vozes que deveriam ser as primeiras a gritar? Quantas vezes vimos reuniões cheias de discursos, cartilhas coloridas, projetos “para inglês ver” — mas, quando a bala atravessa o peito de uma mulher, o silêncio institucional ecoa mais alto que o disparo?
Essa omissão mata tanto quanto a arma do agressor. A cada silêncio oficial, o recado é claro: essa pauta não é prioridade.
O paradoxo da pensão
Sim, a pensão especial anunciada pelo governo é necessária. Garantir renda mínima para filhos órfãos é um direito, um alívio, uma tentativa de proteção. Mas sejamos francos: isso não é política de prevenção, é política de luto.
É como oferecer um guarda-chuva depois da enchente, como estender a mão apenas quando a vida já se perdeu. O Brasil gasta energia legislando sobre como amparar o órfão, mas não mostra a mesma coragem para impedir que a mãe seja assassinada.
O que se sabe até agora
- O tenente Reginaldo Freitas Rodrigues, 56 anos, segue preso após audiência de custódia.
- Ele é acusado de matar a companheira Yonara Nazaré, 29 anos, com três tiros, em Rio Branco.
- O Ministério Público opinou pela manutenção da prisão.
- O governo federal criou pensão especial de um salário mínimo para filhos órfãos de feminicídio.
- O benefício será administrado pelo INSS, mediante comprovação do crime.
O peso da omissão
No Acre, as delegacias da mulher são insuficientes. As medidas protetivas, quando concedidas, não vêm acompanhadas de monitoramento. A rede de abrigos é pequena, os programas de reeducação de agressores são quase inexistentes. O resultado é este: manchetes de tragédia, rostos de mulheres mortas e crianças órfãs condenadas a sobreviver com a ajuda mínima de um Estado que falhou em proteger suas mães.
E aqui vai a pergunta incômoda: quantas mortes poderiam ter sido evitadas se o Estado tivesse investido, de verdade, em políticas estruturais?
Números que não perdoam
Entre 2018 e 2020, o Acre registrou 98 mulheres assassinadas, das quais 37 foram mortas apenas por serem mulheres. Em 59% dos casos, o agressor era companheiro ou ex-companheiro, e 90% já tinham praticado algum tipo de violência antes. De 2019 a 2021, foram 534 estupros notificados e 12.763 casos de violência doméstica. E sabemos: a subnotificação esconde uma realidade ainda mais cruel.
O Acre ocupa o primeiro lugar no ranking de feminicídio do Brasil. E ainda assim, as políticas não chegam à altura da tragédia.
As iniciativas que viram vitrine
A Assembleia Legislativa aprovou o Código Sinal Vermelho, um protocolo para denunciar violência de forma discreta. O Ministério Público do Acre aderiu à campanha “Feminicídio Zero”, sendo o único MP estadual a assinar formalmente a carta-compromisso. A Secretaria da Mulher lançou o Pacto Estadual pela Prevenção do Feminicídio.
São ações válidas, sim. Mas a realidade não muda porque uma campanha foi lançada em “Agosto Lilás” ou porque uma carta foi assinada em Brasília. Campanhas, pactos e audiências são importantes — mas não bastam. São vitrines de intenção, não garantias de proteção. E enquanto o poder público coleciona compromissos, mulheres colecionam boletins de ocorrência que viram laudos de óbito.
Perguntas que não calam
- Onde está o governador quando o tema é feminicídio?
- Onde estão as secretarias que se dizem defensoras das mulheres?
- Onde estão os deputados estaduais, que falam alto para defender emendas, mas calam diante de mortes anunciadas?
- Onde estão as campanhas massivas, permanentes, não apenas em datas simbólicas?
Enquanto isso, cada mulher que denuncia continua temendo pela vida, cada medida protetiva segue sendo um papel frágil, e cada criança órfã recebe um salário que não paga a ausência de uma mãe.
Vozes que faltam
É bonito ouvir a ministra das Mulheres dizer: “Nenhuma mulher pode ser morta por ser mulher.” Mas o Acre precisa mais do que frases de efeito. Precisa de decisão política firme, orçamento real, fiscalização dura, punição rápida. Precisa que a voz institucional seja mais forte que a voz do agressor.
Conclusão
O feminicídio não é apenas um crime. É a radiografia da falência do Estado em proteger quem mais precisa. Yonara morreu, e outras morrerão se a indiferença continuar sendo a política oficial. Não basta decretar pensão. Não basta aderir a campanhas. Não basta prender depois. É preciso prevenir antes.
E essa prevenção só virá quando governantes, secretarias, MPs e parlamentos encararem o feminicídio como o que ele é: uma emergência nacional. Não é pauta secundária. É prioridade de vida ou morte.
Leitor, não aceite discursos prontos. Cobre. Pergunte. Exija. Porque cada silêncio nosso pode ser a sentença de morte de outra mulher.
Eu so digo uma coisa: “Enquanto o Estado hesita, cada feminicídio é a prova de que a omissão também mata.”
✍️ Por Ton — Coluna ácida, direta e sem anestesia
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