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Farmacêuticos ganham aval para prescrever remédios e reacendem embate com médicos

Farmácia Popular

A decisão do Conselho Federal de Farmácia (CFF) de autorizar farmacêuticos a prescrever medicamentos, publicada em 17 de março no Diário Oficial, desencadeou uma nova onda de polêmica no setor da saúde brasileiro. A resolução, que entrou em vigor em fevereiro de 2025, permite que esses profissionais receitem desde remédios isentos de prescrição até os controlados, desde que possuam qualificação específica, como o Registro de Qualificação de Especialista (RQE) em Farmácia Clínica. A medida também abrange a renovação de receitas emitidas por outros profissionais e a prescrição em situações de risco de morte iminente, ampliando significativamente o escopo de atuação dos farmacêuticos. No entanto, entidades médicas reagiram com veemência, classificando a norma como ilegal e prometendo recorrer à Justiça para barrá-la, o que reacende um conflito histórico entre as duas categorias.

A controvérsia não é nova. Em 2013, uma resolução semelhante do CFF já havia sido derrubada pela Justiça do Distrito Federal, que considerou a prescrição por farmacêuticos uma invasão da competência médica. Agora, com a publicação da resolução número 5 de 20 de fevereiro de 2025, o conselho busca consolidar essa atribuição, argumentando que os farmacêuticos têm formação suficiente para atuar na atenção primária à saúde. A norma prevê que esses profissionais realizem anamnese farmacêutica, exames físicos básicos e até interpretem exames laboratoriais, ações que, para os médicos, extrapolam os limites técnicos e legais da profissão. O embate expõe uma disputa por espaço no sistema de saúde, em um momento em que a demanda por atendimento cresce e o acesso a médicos ainda é desigual em diversas regiões do país.

Associações médicas, como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Paulista de Medicina (APM), alertam para os riscos à segurança dos pacientes. Elas sustentam que a prescrição exige diagnóstico clínico, algo que dependeria de anos de formação médica, incluindo seis anos de graduação e residência, enquanto a graduação em farmácia, com cinco anos, focaria em química e farmacologia, não em exame clínico ou diagnóstico diferencial. A resolução do CFF, por outro lado, é vista como um avanço por parte dos farmacêuticos, que defendem seu papel complementar no cuidado à saúde, especialmente em comunidades remotas onde médicos são escassos.

Conflito entre profissões ganha novo capítulo

Entidades médicas não pouparam críticas à resolução do CFF. O CFM classificou a medida como “absolutamente ilegal”, destacando que a prescrição de medicamentos é um ato privativo do médico, respaldado pela Lei do Ato Médico (12.842/2013). Para os médicos, permitir que farmacêuticos receitem remédios controlados, como antibióticos ou antidepressivos, pode levar a erros graves, como o uso inadequado de medicamentos ou a demora no diagnóstico de doenças complexas. Um representante do CFM chegou a afirmar que a norma coloca a população em risco, acusando o CFF de reincidir em uma prática já rejeitada judicialmente.

A APM, por sua vez, enfatizou a complexidade do processo diagnóstico. Segundo a entidade, a prescrição é o desfecho de uma consulta que envolve anamnese detalhada, exame físico e, muitas vezes, exames complementares, etapas que os farmacêuticos não estariam aptos a realizar com segurança. A associação defende que esses profissionais têm um papel crucial na orientação sobre medicamentos, como substituições ou alertas sobre interações, mas não na decisão inicial de tratamento. A reação imediata das entidades foi anunciar ações judiciais para suspender a resolução, repetindo o movimento que derrubou a norma de 2013.

O que a resolução permite aos farmacêuticos

A nova norma do CFF detalha as competências ampliadas dos farmacêuticos no atendimento clínico. Entre as principais atribuições estão a prescrição de medicamentos de venda livre, como analgésicos e anti-inflamatórios, e a possibilidade de receitar remédios controlados, como ansiolíticos ou antibióticos, desde que o profissional tenha especialização em farmácia clínica. A resolução também autoriza a renovação de receitas emitidas por médicos ou outros profissionais de saúde, uma prática que já ocorre informalmente em muitas farmácias, mas agora ganha respaldo oficial.

Além disso, os farmacêuticos podem coletar dados por meio de anamnese farmacêutica, verificar sinais e sintomas com exames físicos simples e interpretar resultados laboratoriais para monitorar tratamentos. Em emergências, como casos de risco iminente de morte, a norma permite intervenções medicamentosas diretas, o que amplia o alcance do profissional em situações críticas. Essas mudanças visam posicionar os farmacêuticos como agentes ativos na atenção básica, especialmente em locais onde o acesso a consultas médicas é limitado, como áreas rurais ou periferias urbanas.

Histórico de disputas e decisões judiciais

O embate entre médicos e farmacêuticos tem raízes profundas. Em 2013, a resolução 586 do CFF, que já permitia a prescrição de medicamentos isentos de receita, foi questionada na Justiça pelo CFM e anulada pela 17ª Vara Federal Civil do Distrito Federal. A decisão judicial argumentou que a prescrição ultrapassava as competências legais dos farmacêuticos, definidas pela Lei 5.991/1973, que regula o controle de medicamentos. Na época, a vitória dos médicos reforçou a exclusividade do diagnóstico e da prescrição como atos médicos, mas não encerrou o debate sobre o papel dos farmacêuticos na saúde pública.

Agora, em 2025, a nova resolução do CFF reacende a questão em um contexto diferente. Com a publicação em 17 de março, o conselho busca legitimar a prática com base em uma formação mais robusta, que inclui disciplinas como farmacoterapia e atenção farmacêutica, além de especializações reconhecidas. Dados mostram que o Brasil conta com mais de 240 mil farmacêuticos registrados, muitos atuando em farmácias comunitárias, o que poderia ampliar o alcance do sistema de saúde se a norma for mantida. Contudo, a promessa de judicialização por parte das entidades médicas indica que o impasse está longe de uma solução definitiva.

Exemplos de medicamentos em pauta

A resolução abrange uma gama variada de medicamentos que os farmacêuticos podem prescrever, dependendo de sua qualificação. Alguns exemplos incluem:

  • Paracetamol: Analgésico comum, de venda livre, usado para dores leves e febre.
  • Ibuprofeno: Anti-inflamatório não esteroide, também isento de receita em doses baixas.
  • Amoxicilina: Antibiótico controlado, que exige receita e agora pode ser prescrito por farmacêuticos especializados.
  • Lorazepam: Ansiolítico de uso restrito, sujeito a controle especial.

Essa lista reflete tanto a ampliação do acesso a tratamentos simples quanto a preocupação dos médicos com o manejo de remédios mais complexos, que demandam acompanhamento rigoroso.

Cronologia do embate no Brasil

O conflito entre médicos e farmacêuticos sobre prescrição tem marcos importantes:

  • 2013: Resolução 586 do CFF autoriza prescrição de medicamentos isentos e é derrubada pela Justiça.
  • 2017: CFF regulamenta a farmácia clínica, ampliando o escopo de atuação sem prescrição direta.
  • Fevereiro de 2025: Resolução número 5 é publicada, permitindo prescrição ampla.
  • Março de 2025: Entidades médicas anunciam ações judiciais contra a nova norma.

Essa linha do tempo mostra uma escalada na disputa, com o CFF buscando expandir competências e os médicos resistindo com base em argumentos legais e técnicos.

Impactos potenciais na saúde pública

Ampliar as atribuições dos farmacêuticos pode transformar o acesso à saúde no Brasil, onde 70% da população depende do SUS, segundo dados do IBGE. Em áreas remotas, como o interior do Norte e Nordeste, a presença de farmácias supera a de postos de saúde, tornando os farmacêuticos figuras-chave no atendimento primário. A resolução poderia agilizar o tratamento de condições simples, como infecções leves ou dores crônicas, reduzindo a sobrecarga em unidades básicas de saúde, que atendem mais de 150 milhões de consultas por ano.

Por outro lado, o risco de banalização do atendimento preocupa especialistas médicos. Sem diagnóstico preciso, o uso indiscriminado de antibióticos, por exemplo, poderia agravar a resistência bacteriana, um problema que já afeta 40 mil pessoas anualmente no país. A falta de integração entre médicos e farmacêuticos também pode gerar fragmentação no cuidado, com pacientes recebendo orientações conflitantes. O sucesso da medida dependerá da capacitação dos profissionais e da fiscalização rigorosa pelo CFF.

Debate sobre formação e segurança

A formação dos farmacêuticos é o cerne da discussão. O curso de farmácia, com duração média de cinco anos, abrange bioquímica, farmacologia e toxicologia, mas não inclui treinamento extensivo em diagnóstico clínico ou exame físico, áreas centrais na medicina. Especializações como farmácia clínica, exigidas para prescrição de controlados, têm carga horária de 360 horas, o que médicos consideram insuficiente frente aos anos de residência médica. Em contrapartida, o CFF argumenta que os farmacêuticos são experts em medicamentos, capazes de avaliar riscos e benefícios em tratamentos.

A segurança do paciente está no centro do embate. Enquanto médicos apontam o risco de erros graves, como prescrições inadequadas para doenças não diagnosticadas, os farmacêuticos destacam que a norma exige qualificação específica e que a prática já é comum em países como Canadá e Reino Unido, onde os profissionais atuam na atenção primária com bons resultados. No Brasil, com 5,5 mil municípios e realidades distintas, a resolução pode tanto aliviar o sistema de saúde quanto expor fragilidades, dependendo de sua implementação.

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