Tempo de leitura: 4 min
Como os Correios investem na cultura amazônica — com impactos limitados aos artistas locais?
Em 2024, os Correios participaram oficialmente do Programa Rouanet Norte, comprometendo-se com o aporte de cerca de R$ 6 milhões em patrocínio à cultura regional no Norte do Brasil — valor equivalente ao investido pelo Banco da Amazônia, Caixa e Banco do Brasil. Essa iniciativa, organizada pelo Ministério da Cultura, selecionou cerca de 125 projetos, com apoio de até R$ 200 mil por ação cultural nas áreas de música, artes visuais, cênicas e literatura.
Diante desse aporte financeiro significativo, a promessa era clara: estimular cultura local e descentralizar a captação de recursos, tirando o eixo Rio-SP e favorecendo Estados como Acre, Amazonas, Pará e Rondônia. Foram inscritos 1.074 projetos no Programa Rouanet Norte, dos quais 54 vieram do Acre — o que mostra interesse, mas ainda uma seleção limitada para o estado.
Todavia, o efeito direto dessa verba nos artistas do Acre e da Amazônia permanece nebuloso. Embora os correios tenham participado como incentivador legal, os recursos foram destinados aos projetos — e muitos deles não têm artistas acreanos como protagonistas. Além disso, a maioria dos patrocínios dos Correios perpassa por eventos maiores, nacionais ou globais, como festivais e feiras que enxergam o Norte apenas como localidade de passagem.
O que fazem os Correios com o patrocínio cultural além da Rouanet Norte?
O Plano Anual de Comunicação (PAC/2024) da estatal revela apoio a dezenas de eventos nacionais — como VTEX Day, feira internacional de livros em Bogotá, Fun Festival, feira de artesanato, entre outros — com valores que variam de R$ 70 mil a R$ 6 milhões, mas sem foco em cultura amazônica ou regional especificamente. Esses projetos são priorizados em escala nacional, com visibilidade institucional, mas desconectados da identidade local do Acre ou da Amazônia.
Quem realmente se beneficia — e quem fica de fora?
-
Projetos regionais do Norte puderam captar até R$ 200 mil por meio do Programa Rouanet Norte, com aporte indireto dos Correios.
-
Artistas do Acre e da Amazônia, em sua maioria, participaram de iniciativas coletivas ou dentro de festivais apoiados, mas não aparecem como beneficiários diretos.
-
Nominalmente, o único artista que aparece como beneficiário direto em patrocínio dos Correios é Gilberto Gil, via aporte de R$ 4 milhões para a turnê “Tempo Rei” — porém não ligada especificamente à cultura amazônica.
Por que isso importa? Quais os impactos reais?
-
Visibilidade regional limitada: o discurso de descentralização perde força quando os editais favorecem grandes eventos globais em vez de fortalecer circuitos locais e independentes no Acre.
-
Desigualdade cultural interna: apesar do Acre ter apresentado 54 projetos ao edital, a seleção não garante apoio individual a artistas locais. Quem é selecionado muitas vezes não é artista do Estado, mas iniciativa cultural de maior capilaridade.
-
Acesso desigual aos recursos: a burocratização dos editais, valor limitado (até R$ 200 mil) e exigência de contrapartidas dificultam a participação de coletivos indígenas, quilombolas ou comunitários da região.
O que pode mudar?
-
Mecanismos de visibilização estratégica: exigir que parte dos projetos selecionados inclua artistas residentes no estado, fortalecendo vocação cultural local.
-
Transparência e acompanhamento público: os Correios deveriam publicar lista nominal dos projetos contemplados em cada Estado, para que a sociedade avalie quem de fato se beneficia.
-
Capacitação local: investir em oficinas para formação de proponentes no interior do Acre, facilitando inscrição e execução de projetos culturais regionais.
Conclusão
O modelo de patrocínio dos Correios, especialmente via Programa Rouanet Norte, representa uma faceta institucional importante de apoio à cultura no Norte do Brasil — com R$ 6 milhões em jogo. No entanto, o impacto real nos artistas do Acre e da Amazônia tem sido modesto: enquanto eventos e projetos regionais podem captar recursos, a visibilidade e protagonismo cultural permanecem centralizados.
