sexta-feira, 5 dezembro, 2025

Demissões na saúde do Acre: quando o Estado escolhe punir em vez de cuidar

Eliton Muniz – Caboco das Manchetes

Demissões na saúde do Acre expõem fragilidade legal e abandono de servidores

O Acre atravessa uma das mais graves crises morais e administrativas de sua história. Centenas de servidores efetivos da saúde pública, já fragilizados por transtornos mentais e dependência química, estão sendo demitidos via Processos Administrativos Disciplinares (PADs) como se fossem culpados por adoecer. O que deveria ser enfrentado como direito à saúde virou carimbo de punição.

Esses trabalhadores não são eventuais, mas servidores de carreira, concursados e estáveis, que por anos sustentaram hospitais e postos de saúde mesmo em meio à falta de estrutura e à sobrecarga de trabalho. Muitos adoeceram justamente por conta do ambiente exaustivo, da pressão constante e da ausência de suporte institucional. Ainda assim, em vez de receberem tratamento, foram transformados em alvo de processos que os reduzem a números em portarias.

O Estado, que deveria ser o primeiro a proteger, mostra frieza e indiferença. Ignora laudos, atropela fluxos periciais obrigatórios e transforma sofrimento em “falta funcional”. Essa escolha não é apenas administrativa: é ética, legal e moral.

Demissões na saúde do Acre servidores efetivos vulnerabilidade
Profissionais de saúde enfrentam sobrecarga e adoecimento em meio a PADs no Acre

O que a lei assegura

Estatuto do Servidor (LC nº 39/1993)

  • Licença médica de até 730 dias remunerados.

  • Avaliação obrigatória pela junta médica oficial do Estado.

  • Garantia de contraditório e ampla defesa.

Política Estadual de Saúde Mental (Leis nº 4.314/2024 e nº 4.556/2025)

  • Atendimento psicológico, psiquiátrico e multiprofissional custeado pelo Estado.

  • Programas de prevenção ao suicídio e combate à dependência química.

  • Readaptação funcional e vedação à discriminação.

Em síntese: saúde mental e vícios incapacitantes exigem cuidado e tratamento, não punição.


Fluxo legal de avaliação de saúde

Conforme a Lei Complementar nº 39/1993 (de autoria do então deputado Romiudo Magalhães), o processo de avaliação da capacidade laborativa deve seguir este fluxo obrigatório:

  1. Especialista médico avalia o servidor;

  2. Encaminhamento para a Junta Médica da Acreprevidência;

  3. Emissão de Laudo Médico Pericial oficial.

Com base no laudo, só então podem ser definidas três condições:

  • Retorno ao trabalho;

  • Mudança de função (readaptação);

  • Prorrogação do prazo de afastamento, que pode chegar a 730 dias remunerados.


Fragilidades do processo atual

  • Muitos servidores relatam que não tiveram esse fluxo respeitado.

  • Há questionamentos se as notificações publicadas apenas no Diário Oficial substituem a comunicação direta: “Foi colocado no DOE na busca de funcionário?”

  • Sem o salário, trabalhadores ficam impossibilitados de manter medicação, alimentação e exames médicos, agravando ainda mais seu estado de saúde.


Onde a realidade falha

  • Servidores foram notificados apenas pelo Diário Oficial, sem ciência efetiva.

  • PADs instaurados sem laudos completos da junta médica.

  • Faltou acompanhamento multiprofissional previsto em lei.

  • O adoecimento foi tratado como indisciplina.

Essas falhas comprometem a legalidade dos processos e podem levar à nulidade dos PADs e à reintegração de servidores demitidos, com indenizações retroativas.


Riscos para o Estado e para os servidores

Para os servidores

  • Agravamento de transtornos e risco de suicídio.

  • Perda de renda e exclusão social.

  • Estigma permanente no histórico funcional.

  • Impossibilidade de readaptação profissional.

Para o Estado

  • Reintegrações em massa e pagamentos retroativos.

  • Indenizações milionárias por danos materiais e morais.

  • Responsabilização administrativa de gestores.

  • Judicialização coletiva com sindicatos e Defensoria.

  • Fragilização ainda maior da rede de saúde pública.


⚖️ Em resumo jurídico

  • brechas constitucionais, internacionais e administrativas para contestar as demissões.

  • O Estado corre risco de nulidade dos PADs, indenizações coletivas, ação por improbidade administrativa e até responsabilização pessoal de gestores.

  • A defesa mais forte se ancora em três pilares:

    1. Contraditório negado;

    2. Junta médica ignorada;

    3. Política de Saúde Mental descumprida.


Demissões na saúde do Acre — Cidade AC News
Profissionais de saúde enfrentam sobrecarga e adoecimento em meio a PADs no Acre

Reflexão necessária

O afastamento temporário do trabalho, o acesso a terapias regulares, o fornecimento de medicamentos adequados e a possibilidade de socialização não são privilégios ou favores que o Estado concede a quem adoece. São direitos fundamentais garantidos por lei, conquistados ao longo de décadas de luta e reafirmados em marcos constitucionais e estatutários. Negar esses direitos é mais do que falhar na gestão: é violar a essência da dignidade humana.

Um servidor que adoece precisa de acolhimento, de escuta, de cuidado especializado e de suporte multiprofissional. O que se vê, no entanto, é um Estado que insiste em tratar o adoecimento como se fosse indisciplina, improdutividade ou até desleixo. Essa inversão de lógica desrespeita não apenas a legislação em vigor, mas também os valores éticos mais básicos de qualquer sociedade civilizada.

É preciso lembrar que o adoecimento não acontece em um vácuo. Ele é fruto de pressões diárias no ambiente de trabalho, da sobrecarga de funções, da falta de estrutura e da ausência de suporte institucional. Punir o trabalhador nesse contexto é transferir para o indivíduo a culpa de um sistema que já nasceu combalido. Mais do que um erro jurídico, é um erro estrutural que mina a confiança no Estado e agrava a fragilidade da máquina pública.

O ciclo perverso é claro e já se repete: o servidor adoece → não recebe apoio → é estigmatizado → é punido → judicializa sua situação → e o resultado é um sistema de saúde cada vez mais enfraquecido e uma população desassistida. Trata-se de um círculo vicioso que corrói tanto a base humana do serviço público quanto a confiança social nas instituições.

A reflexão que se impõe é dura, mas inevitável: qual é o valor da vida e da saúde do servidor para o Estado do Acre? Ao responder a essa pergunta, o governo não estará apenas decidindo sobre processos administrativos; estará definindo como a sociedade inteira enxerga a relação entre trabalho, dignidade e humanidade.

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Nossa posição

O Acre precisa tomar uma decisão histórica. E essa escolha não pode mais ser adiada. O Estado será lembrado como uma administração que acolheu seus servidores no momento mais frágil de suas trajetórias ou como uma máquina fria que os puniu quando mais precisavam de apoio?

Optar pelo acolhimento significa aplicar a lei como está escrita: garantir licença médica remunerada, laudos periciais completos, acompanhamento multiprofissional e políticas públicas de saúde mental que já foram aprovadas pela Assembleia Legislativa. Significa reconhecer que o servidor público não é descartável, mas sim peça central na engrenagem que garante atendimento de saúde à população. É reafirmar que cuidar de quem cuida é não apenas um dever legal, mas um compromisso moral.

Escolher a via da punição, ao contrário, significará perpetuar a injustiça e abrir espaço para um colapso administrativo e social. Serão inevitáveis as reintegrações determinadas pela Justiça, as indenizações milionárias por danos materiais e morais, a responsabilização administrativa de gestores omissos e a desconfiança crescente da população em relação às instituições. Pior: significará carregar a marca de um Estado que virou as costas para seus trabalhadores em sofrimento.

Nossa posição, como editorial, é clara e inegociável: demitir servidores adoecidos é uma afronta à lei, à ética e à humanidade. O caminho correto está traçado na legislação estadual e federal: prevenir, tratar, readaptar, escutar e proteger. O que falta é vontade política de transformar letra de lei em prática cotidiana.

A história julgará essa decisão. O Acre pode ser lembrado como referência em proteção aos seus trabalhadores ou como exemplo de abandono e indiferença. O rumo que será seguido depende de coragem, sensibilidade e compromisso com a dignidade humana. E esse é o teste que o Estado precisa enfrentar agora.

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Leis Estaduais do Acre


Leis Federais


Convenções Internacionais


Este texto tem caráter de opinião editorial, baseado em documentos oficiais, legislação vigente e relatos públicos. Não representa julgamento jurídico individual, mas uma análise institucional e jornalística sobre políticas públicas em andamento.


Por Eliton Lobato Muniz — Cidade AC News
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