
A maniva-semente, apesar do nome, em nada se parece com um grão. É um pedaço da haste da planta da mandioca, pela qual se preserva e se multiplica a genética da cultura. Foi com ela que o agricultor Benedito Dutra encontrou seu espaço no mercado, justamente no Estado do Pará, onde mais se produz mandioca no Brasil.
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“Eu sou maniveiro”, diz à Globo Rural. Dutra foi um dos produtores que compartilharam suas experiências de campo durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP 30), realizada este mês, na capital paraense.
O agricultor paraense é engenheiro agrônomo, com bases na agricultura familiar. Tem mais de 30 anos dedicados ao cultivo da mandioca e do feijão-caupi. Mas aos poucos, a maniva foi ganhando espaço em suas lavouras.
“Hoje, minha atividade principal não é mais trabalhar com o feijão. Trabalho com mudas de mandioca, e sou vinculado à Embrapa Mandioca e Fruticultura”, conta.
A Embrapa desenvolve variedades de maniva testadas por parceiros como Dutra. Além de participar da pesquisa, ele vende para outros agricultores. Parte dos clientes vem da agricultura familiar, mas há também os de fazendas maiores. Produtores de mandioca de outros Estados também se abastecem com a genética originada por ele.
E, assim, Dutra se tornou líder no segmento. “Cerca de 80% da minha vida empresarial é como multiplicador de manivas, sou o maior maniveiro que tem no Brasil”, afirma.
Benedito Dutra, em sua propriedade: “Sou o maior maniveiro do Brasil”
Arquivo Pessoal
A Embrapa confirma a posição de liderança do agricultor. Sua produção está em 90 hectares entre os municípios de Bragança e Tracuateua, no nordeste do Pará. Do total, 23 hectares são irrigados. “Em Belém chove muito, mas estamos a 200 km. Aqui é muito seco, até calango anda calçado. Eu só consigo plantar nessa época do ano, por exemplo, porque trabalho na área irrigada”, explica.
Ele pretende produzir de 7 milhões a 8 milhões de maniva-semente nesta safra, que será colhida em 2026. Com isso, estima que o rendimento será de até R$ 8 milhões. O volume projetado pode ficar até 60% acima do resultado da safra anterior, quando foram colhidas 5 milhões de hastes.
“A meta para os próximos anos, 2027 ou, no máximo, 2028, é me estabilizar com 10 milhões de manivas”, estima. “É um volume que vai me dar uma qualidade de vida interessantíssima, do ponto de vista financeiro, e contribuir com a ampliação da cultura em outros Estados”, acrescenta o produtor.
E, sua visão, há espaço para ampliar a produção de mandioca porque, na região Norte, independentemente do poder econômico da população, existe um hábito cultural de consumir a farinha.
Vassoura-de-bruxa é um risco
Em contrapartida, um risco fitossanitário ronda os Estados da Amazônia e deixa os produtores em alerta: a vassoura-de-bruxa da mandioca. O causador da doença é o fungo Ceratobasidium theobromae, também conhecido como Rhizoctonia theobromae.
Em agosto de 2024, pesquisadores da Embrapa Amapá e Embrapa Mandioca e Fruticultura confirmaram o primeiro registro no Brasil, depois de análises biológicas e moleculares. O fungo apareceu em plantações de mandioca em áreas indígenas de Oiapoque (AP) na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa.
Plantação para o cultivo de maniva-semente. Vassoura-de-bruxa da mandioca chegou ao Brasil e trouxe riscos para a cultura
Arquivo Pessoal
A doença tem este nome porque deixa os ramos das plantas secos e deformados. Causa nanismo e a proliferação de brotos fracos e finos nos caules, parecidos com uma vassoura velha. É comum a ocorrência de clorose, murcha e seca das folhas, morte apical e morte descendente das plantas.
Embrapa recomenda estratégias para reduzir o impacto da doença no campo, que vão desde o protocolo de detecção precoce, uso de manivas de comprovada sanidade, boas práticas agrícolas, entre outras.
Fitossegurança
Outra medida contra a doença é multiplicar apenas a maniva-semente que está dentro das condições de conformidade fitossanitárias. A Embrapa Mandioca e Fruticultura mantém um projeto chamado de Reniva, uma rede com o objetivo de fazer essa multiplicação com garantia de sanidade e de identidade genética.
“O Reniva tem alguns preceitos básicos. O primeiro deles é a comprovação de sanidade vegetal. Você só pode multiplicar aquilo que você tem certeza absoluta que está livre de pragas e doenças”, diz Herminio Rocha, analista da Embrapa e gestor de ativos na área de Transferência de Tecnologia.
Ele explica que só se configura maniva-semente o pedaço de haste da planta com um tamanho específico, de mais ou menos 20 centímetros, e com seis a sete gemas. E que, além de promover a multiplicação do material genético, o Reniva presta assistência aos maniveiros participantes.
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“Nós temos uma rede composta por 27 atores (produtores rurais) em todo o território nacional e buscamos mais pessoas, mais profissionais para encamparem essa ideia, de forma que o produtor de mandioca tenha acesso ao material de plantio, que é a base, com sustentabilidade e longevidade ao empreendimento”, comenta Rocha.
Benedito Dutra é um desses produtores parceiros. Maior produtor de maniva-semente do Brasil, ele avalia que é preciso intensificar desenvolvimento de uma cultivar resistente à vassoura-de-bruxa da mandioca. “É uma grande ameaça, porque a planta não dá mais raiz quando pega “, diz.
Preço da mandioca está sob pressão
Segundo Fábio Isaías Felipe, pesquisador da área de mandioca do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), o Pará é o maior produtor nacional da cultura, mas o principal polo industrial do setor está no centro-sul, entre São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul.
No Norte, como um todo, há o consumo ligado à cultura local, a produção tem um apelo artesanal e grande relação com a agricultura familiar. Nas demais áreas do Brasil, porém, a demanda cresce a passos mais lentos do que a oferta, o que resulta em preços menores.
“O que aconteceu nos últimos anos é que, por conta da baixa rentabilidade da soja, o produtor rural acabou investindo na mandioca como diversificação de cultura”, afirma Felipe.
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Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que a produção de mandioca deve alcançar 20,8 milhões de toneladas neste ano, crescimento de 9,4% em relação ao volume produzido em 2024, com aumentos de 5,8% na área a ser colhida e de 3,4% no rendimento médio. O Pará representa 20,7% no total nacional.
“Os principais números apontam para o crescimento de produção, o que significa que o mercado pode continuar baixo e não remunerando a atividade”, pontua o especialista do Cepea, sobre o cenário para as regiões de produção industrial.
Conheça a maniva-semente e saiba quem é o maior produtor do Brasil

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