Chuvas intensas que castigam o Rio Grande do Sul desde 16 de junho de 2025 transformaram ruas do bairro Mathias Velho, em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, em rios de lama e desespero. Casas foram invadidas pela água, forçando moradores a abandonar seus lares e reavivando o trauma da enchente devastadora de 2024, quando 60% da cidade ficou submersa. A prefeitura informou que 35% do município enfrenta transtornos, com 89 pessoas desalojadas e 28 desabrigadas. O sistema de drenagem, sobrecarregado, não consegue escoar a água acumulada, enquanto bombas operam no limite. A população, exausta, teme novas perdas materiais e emocionais em uma cidade ainda marcada por uma das piores tragédias climáticas do estado.
O impacto das chuvas vai além das estatísticas. No bairro Mathias Velho, um dos mais afetados, a água subiu rapidamente, entrando em residências e destruindo móveis recém-adquiridos por quem tentava reconstruir a vida. Moradores relatam noites sem dormir, monitorando o nível da água com medo de uma repetição da catástrofe anterior. A Defesa Civil do estado confirmou que os temporais já causaram uma morte e deixaram uma pessoa desaparecida, ampliando a sensação de insegurança.
- Danos materiais: Móveis, eletrodomésticos e roupas foram perdidos novamente.
- Impacto emocional: O trauma da enchente de 2024 voltou a assombrar a população.
- Ações emergenciais: Moradores bloquearam ruas para proteger suas casas do tráfego.
- Resposta municipal: Bombas de drenagem estão ativas, mas bueiros entupidos dificultam o escoamento.
A falta de infraestrutura adequada para enfrentar chuvas intensas expõe a vulnerabilidade de Canoas, onde a memória da enchente de 2024 ainda está fresca. A prefeitura enfrenta críticas pela demora em obras de prevenção, enquanto a população clama por soluções definitivas.
Mathias Velho: o epicentro da crise
No bairro Mathias Velho, a situação é particularmente grave. A água invadiu casas na madrugada de 17 de junho, pegando muitos moradores desprevenidos. André Wagner Trindade, trabalhador autônomo, carregava a filha pequena no colo enquanto caminhava por ruas alagadas, lamentando a perda de pertences. “Saímos porque alagou tudo. Perdemos tudo de novo”, desabafou. A cena se repetiu em dezenas de residências, onde a água atingiu a altura da canela ou mais, destruindo o que restava da recuperação pós-enchente.
A pastora Sulamita Bueno, outra moradora, relatou a frustração de ver móveis como sofás e guarda-roupas sendo levados pela água mais uma vez. Para ela, a falta de manutenção nos sistemas de drenagem é um agravante. “Os bueiros estão entupidos, e a água não tem para onde ir”, afirmou. A prefeitura reconhece o problema, mas alega que as bombas estão funcionando, embora o volume de chuva supere a capacidade de escoamento.
O bairro, que abriga cerca de 50 mil pessoas, foi um dos mais atingidos em 2024, quando a ruptura de um dique causou inundações de até seis metros. A memória daquele desastre intensifica o pânico atual, com moradores monitorando as ruas dia e noite.
A enchente de 2024: um trauma que não cicatriza
A enchente de maio de 2024 marcou Canoas como uma das cidades mais devastadas do Rio Grande do Sul. Cerca de 60% do território municipal ficou submerso, forçando a evacuação de 11 bairros, incluindo Mathias Velho, Rio Branco, Fátima e Harmonia. Mais de 180 mil pessoas foram afetadas, com 15 mil abrigadas em 55 locais improvisados. A tragédia deixou 31 mortos no município e causou prejuízos financeiros estimados em R$ 8,4 bilhões no estado, segundo a Confederação Nacional de Municípios.
Na época, a prefeitura enfrentou desafios para operar o sistema de drenagem, com apenas duas das oito casas de bombas funcionando. Voluntários e forças de segurança realizaram milhares de resgates, muitas vezes com barcos e jet skis, em cenas que chocaram o país. A solidariedade foi essencial, mas a reconstrução tem sido lenta. Muitos moradores, como Noeli de Abreu, ainda não haviam recuperado tudo perdido quando as chuvas de junho de 2025 trouxeram novos alagamentos.
- Números da tragédia de 2024:
- 60% da cidade alagada.
- 180 mil pessoas desalojadas.
- 31 mortes confirmadas em Canoas.
- 32 mil animais resgatados.
A lentidão nas obras de reconstrução de diques e modernização das casas de bombas é uma queixa recorrente. Manifestações, como a realizada em abril de 2025 em frente à Casa de Bombas 6, no Mathias Velho, cobraram ações concretas do poder público.
Resposta da prefeitura e críticas da população
A prefeitura de Canoas informou que as bombas de drenagem estão em operação, mas reconheceu que o sistema de escoamento está comprometido por bueiros obstruídos. Em nota, a administração municipal afirmou que realiza limpezas emergenciais e planeja automatizar o sistema de combate a enchentes, com sensores que ativam as bombas automaticamente. Além disso, oito pontos de apoio foram instalados para atender a população afetada, e um número de WhatsApp foi disponibilizado para pedidos de resgate.
Apesar dessas medidas, moradores criticam a falta de avanços estruturais. O vereador Gabriel Gomes Constantino, em maio de 2025, destacou a “letargia” na execução de obras de prevenção, como a reconstrução de diques e a limpeza de galerias. “As tubulações de esgoto estão obstruídas, e cada chuva provoca alagamentos”, afirmou. A população também reclama da ausência de repasses estaduais prometidos para a recuperação da cidade.
A Defesa Civil de Canoas mantém equipes nas ruas, mas o volume de chuva, que atingiu 404,1 mm no Mathias Velho em poucos dias, sobrecarrega o sistema. A prefeitura orienta que moradores evitem áreas de risco e levantem móveis para minimizar perdas.
Medidas de prevenção em debate
A repetição de alagamentos em Canoas reacende o debate sobre medidas de prevenção. Especialistas apontam que a impermeabilização do solo, comum em áreas urbanas, agrava as inundações, pois impede a absorção da água. A falta de manutenção em bueiros e a ocupação irregular de áreas de risco também são fatores críticos.
Entre as propostas discutidas estão:
- Reconstrução de diques: Fortalecer estruturas danificadas em 2024, como o dique do Mathias Velho.
- Modernização das bombas: Instalação de equipamentos mais potentes, como as motobombas da Sabesp usadas em 2024.
- Limpeza de galerias: Hidrojateamento regular para desobstruir esgotos.
- Planejamento urbano: Restrição a construções em áreas inundáveis.
A prefeitura anunciou que o dique do Mathias Velho teve seu fechamento concluído, e outros, como o de Rio Branco e Niterói, estão em fase de projeto ou execução. No entanto, a demora na liberação de recursos estaduais, estimados em mais de R$ 1 bilhão, trava os avanços.
Solidariedade e resistência dos moradores
Apesar do sofrimento, a comunidade de Canoas demonstra resiliência. Vizinhos se ajudam a monitorar ruas e proteger pertences, enquanto voluntários distribuem alimentos e roupas. Em 2024, a solidariedade foi um pilar para enfrentar a crise, com milhares de pessoas resgatadas por cidadãos comuns. Agora, cozinhas comunitárias, como as organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, voltam a atuar, oferecendo apoio às famílias desalojadas.
Moradores como Carmen Correa dos Reis, que perdeu tudo em 2024, expressam indignação, mas também esperança. “É um sofrimento terrível, mas a gente não desiste”, disse. A Associação de Moradores Getúlio Vargas, no Mathias Velho, organiza atos para cobrar soluções e manter a pressão sobre as autoridades.
Um futuro incerto sob as chuvas
As chuvas de junho de 2025 expõem a fragilidade de Canoas diante de eventos climáticos extremos. Enquanto a prefeitura promete melhorias, a população vive sob a ameaça constante de novos alagamentos. O bairro Mathias Velho, símbolo da resistência e da dor, segue no centro da crise, com moradores lutando para proteger o pouco que lhes resta. A reconstrução, tanto material quanto emocional, exigirá tempo, recursos e, acima de tudo, ações concretas para evitar que a história se repita.