sexta-feira, 5 dezembro, 2025

Carta Aberta — Aos que chegam cansados

Eliton Muniz - Free Lancer - Cidade AC News

O ativismo religioso que esgota mais do que edifica.

📍 Rio Branco (AC) – 26 de setembro de 2025 | Atualizado há 3h

Você chega. O olhar abatido, o sorriso forçado, a alma gritando descanso. E antes mesmo que alguém pergunte, já se adianta: “Pastor, eu só quero sentar no banco, ser cuidado, não quero me envolver em nada por enquanto.” Essa frase, que parece pequena, carrega em si a história de muitos. É quase um grito silencioso de quem não está rejeitando a fé, nem abandonando Deus, mas simplesmente não aguenta mais a máquina da agenda. Não é incredulidade, é exaustão. Não é frieza, é fadiga. Não é falta de compromisso, é excesso de peso.

A engrenagem do ativismo religioso funciona de um jeito sutil: começa com boa intenção. Você chega disposto a servir, diz um “sim” aqui, outro ali, e de repente já está em todos os ministérios. Um ensaio na sexta, uma vigília no sábado, um congresso no domingo, reuniões durante a semana, mais um curso de liderança, mais um evento para organizar. A vida, que deveria fluir no ritmo da graça, passa a girar como uma roda que não para. E o corpo queima rápido. O que era espiritualidade se torna mecânica. O que era alegria passa a ser cobrança. O que era comunhão vira obrigação.

E é nesse ponto que a pessoa começa a murchar. O voluntário, antes cheio de ânimo, agora é visto apenas como peça de uma engrenagem. Escalas se acumulam sem rodízio. Aquele que está sempre presente é exaltado como firme. Aquele que falta uma vez é rapidamente rotulado como frio. E nesse ambiente, quem ousa dizer “não” é mal interpretado. Não é visto como alguém que precisa de pausa, mas como alguém descompromissado. É assim que a comunidade perde a capacidade de enxergar o coração por trás da função, a pessoa por trás da presença.

Quantos servem com febre, mas não faltam por medo do olhar atravessado? Quantos escondem lágrimas, mas mantêm a postura porque acreditam que descansar é pecado? Quantos dizem “sim” sem ter condições, apenas porque não suportam a culpa de decepcionar? Quantos líderes, sem perceber, sustentam uma lógica cruel: a de que espiritualidade é medida por presença em agenda, e não por permanência em Cristo? Quantos pais e mães sacrificam tempo de família porque não sabem como recusar um convite? E quantos jovens, cheios de fogo no início, acabam se tornando cinzas pela falta de equilíbrio?

É aí que nasce o terreno fértil da fofoca. Porque onde não existe espaço seguro para falar da dor, a dor vaza pelos corredores e grupos de WhatsApp. “Fulano esfriou.” “Beltrano não tem compromisso.” “Ciclano sumiu depois que casou.” Julgamentos apressados viram sentenças. Fala-se da ausência sem perguntar o motivo. E aquele que está esgotado, em vez de receber colo, recebe rótulo. As fofocas não são apenas pecados de língua, são sintomas de uma cultura que não sabe ouvir. Onde não há cuidado, há comentário. Onde não há escuta, há sentença.

Do mesmo jeito, brotam as reclamações. Reclama-se do atraso no som, da falha no microfone, do erro no slide. Mas raramente se olha para o custo de quem passa semanas inteiras sem descanso, sustentando a engrenagem invisível do culto. Reclama-se da recepção fria, mas não se percebe que aquela irmã estava há três semanas seguidas na mesma função, sem pausa. Reclama-se da ausência de alguém no congresso, mas não se pergunta se essa ausência não era o primeiro sinal de saúde emocional. A reclamação se torna barulho, mas não se converte em cuidado.

E no meio disso tudo, cresce uma teologia da culpa, não ensinada em sermões, mas transmitida em olhares, frases veladas, comparações silenciosas. É a culpa de não estar em tudo. A culpa de dizer “não”. A culpa de querer descansar. A culpa de não se enquadrar na régua de quem mede espiritualidade pelo calendário. É uma teologia tóxica, porque coloca sobre os ombros das pessoas pesos que nem o próprio Cristo colocou. Jesus não chamou ninguém para ser máquina. Ele chamou para ser discípulo. Não chamou para correr de evento em evento, mas para permanecer n’Ele. Não chamou para medir a fé em escalas, mas para dar frutos que vêm da raiz.

A Bíblia está cheia de exemplos que desmontam a lógica do ativismo. Elias, após grandes feitos, caiu esgotado e pediu a morte. Deus não lhe deu outra batalha, mas pão e descanso. Moisés, sobrecarregado, só não desmoronou porque aprendeu a dividir o peso com setenta homens. O próprio Cristo, Senhor do sábado, descansou, retirou-se, dormiu no barco em meio à tempestade. Se até Ele descansou, por que nós transformamos o descanso em pecado?

O que a igreja chama de compromisso muitas vezes é apenas correria. O que a igreja chama de firmeza às vezes é só medo de dizer não. O que a igreja chama de zelo pode ser, na prática, a incapacidade de admitir limites. E nessa confusão, multiplicamos agendas, mas diminuímos pessoas. Lotamos calendários, mas esvaziamos corações. A comunidade que deveria ser lugar de respiro se transforma em fábrica de cansaço.

E isso tem consequências silenciosas. Famílias que se fragmentam porque nunca têm tempo juntos. Pais que não veem os filhos porque estavam na escala. Mães que choram em silêncio porque queriam apenas um domingo livre. Jovens que se afastam, não porque perderam a fé, mas porque a fé foi esmagada pela cobrança. Pessoas que mudam de igreja em busca de paz, mas encontram a mesma máquina em outro endereço. A engrenagem segue girando, substituindo os cansados por novos, até que esses também se consumam.

Não é fácil falar disso. Mas é necessário. A igreja precisa aprender a ressignificar o serviço. Servir não pode ser sinônimo de se consumir. Escala não pode ser prisão. Cobrança não pode ser moralismo. Presença não pode ser medida de espiritualidade. Precisamos reaprender que sentar no banco também é espiritual, que descansar também é bíblico, que dizer não também pode ser adoração.

Este editorial não é para atacar, mas para convidar à reflexão. Entre o que está escrito aqui, o que as agendas pedem, o que a Bíblia ensina e o que o Espírito Santo fala ao coração, fica a pergunta inevitável: o que nós devemos fazer? Continuar girando a roda do ativismo ou redescobrir o ritmo da graça? Encher a igreja de programações ou encher a vida de propósito? Servir à estrutura ou permanecer em Cristo?

Talvez a resposta esteja menos no fazer e mais no ser. Ser corpo, ser família, ser igreja, ser luz. Porque no fim, quem mais precisa de descanso não é a estrutura, somos nós. E quem mais deseja nos dar descanso não é o calendário, é o próprio Cristo.

👉 E você, onde se encontra nessa história? Já sentiu o peso de servir até se consumir? Já carregou a culpa de querer parar? Já percebeu que o que chamamos de zelo pode ser apenas correria? Escreva sua reflexão, compartilhe sua experiência. Porque este não é apenas um texto: é um convite para que, juntos, possamos reaprender a viver a fé sem perder a vida.


Por Eliton Lobato Muniz — Cidade AC News
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