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Com as férias escolares e os ventos de julho, as pipas voltaram a dominar o céu de Rio Branco. Mas junto com a brincadeira, vem o perigo — e, infelizmente, ele tem nome: cerol. Feita de cola e vidro moído, essa mistura transforma uma simples linha de pipa numa arma cortante, capaz de ferir gravemente, amputar e até matar.
A pergunta que ecoa nas ruas é direta: cadê a fiscalização? Porque o cerol está por toda parte. E o poder público parece não ver — ou finge não ver.
Quando e onde o perigo está mais presente?
Nos últimos 15 dias, pelo menos três acidentes envolvendo linhas com cerol foram registrados em bairros diferentes da capital. No Calafate, um entregador de aplicativo teve a mão cortada ao desviar de uma linha invisível na BR-364. No bairro Taquari, uma criança de 11 anos precisou de pontos na testa após correr atrás da pipa e topar com a linha cruzando o beco. E no bairro Belo Jardim, uma motociclista caiu da moto ao ser surpreendida por uma linha esticada na Rua da Paz.
A repetição dos casos mostra que não é acidente isolado. É falha sistemática de fiscalização.
Quem deveria estar agindo?
A legislação é clara: o uso de cerol é crime previsto no Código Penal, com enquadramento por exposição da vida de terceiros a perigo. Em alguns estados, há leis específicas proibindo e penalizando com multa quem fabrica, vende ou utiliza cerol. No Acre, a Lei Estadual nº 3.318/2017 proíbe expressamente o uso e comercialização de cerol ou linha chilena.
Mas, na prática, a fiscalização é quase nula. O Detran já promoveu campanhas educativas, a Polícia Militar faz algumas apreensões esporádicas, mas não há uma atuação coordenada, ostensiva e preventiva.
Enquanto isso, pais, entregadores, ciclistas e motoristas andam com medo. E com razão.
O que dizem os moradores?
Em levantamento informal feito pelo Cidade AC News entre os dias 22 e 24 de julho, moradores de 10 bairros apontaram os pontos mais críticos onde linhas cortantes são frequentemente vistas:
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Calafate – cruzamentos próximos à rotatória do estádio
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Belo Jardim – Rua da Paz e Travessa do Progresso
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Cidade do Povo – entrada do conjunto, próxima ao mercado
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Placas – região próxima ao Parque do Tucumã
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Taquari – Rua Santa Maria e entorno da ponte nova
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Seis de Agosto – becos e passagens com pouca iluminação
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Bosque – perto do Horto Florestal, nas praças
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Tancredo Neves – nas proximidades do terminal urbano
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Recanto dos Buritis – fundos do campo de futebol
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Floresta Sul – ruas largas, onde os jovens soltam pipas em grupo
Em todos esses pontos, há relatos de confrontos entre moradores e adolescentes, reclamações registradas por telefone e até mesmo ocorrências na polícia.
E o poder público?
A prefeitura de Rio Branco, procurada por nossa reportagem, informou por nota que “ações conjuntas com os órgãos de segurança pública estão sendo planejadas para intensificar a fiscalização nos bairros com maior incidência de denúncias”. Não há, no entanto, cronograma nem operação definida.
Já o Detran-Acre respondeu que “atua prioritariamente na prevenção por meio de campanhas educativas” e que “a repressão ao uso de cerol cabe à segurança pública e à Polícia Militar”.
Enquanto os órgãos se empurram, a linha continua cortando.
Conclusão
Férias deveriam ser sinônimo de diversão, não de trauma. A brincadeira da pipa precisa ser preservada — mas com responsabilidade e segurança. O cerol é um problema antigo, e todo ano a história se repete. O que falta agora não é lei. É ação.
O poder público precisa sair do discurso e entrar nas ruas. Porque quem anda de moto, trabalha em delivery ou simplesmente caminha por certos bairros de Rio Branco não pode mais ser tratado como estatística.
✍️ Eliton Lobato Muniz – Cidade AC News – Rio Branco – Acre
