Nem todo ausente está distante. Mas há presenças que se impõem apenas quando o eco da própria ausência vira constrangimento. E é nesse exato intervalo — entre a conveniência política e a lacração calculada — que surgem os patriotas de ocasião.
Na manhã em que o mundo acordou com o anúncio da taxação de 50% sobre produtos brasileiros pelos Estados Unidos, a indignação foi imediata. Não vinda do Itamaraty. Não dos industriais brasileiros. Mas de Jorge Viana, presidente da ApexBrasil, que resolveu usar as redes sociais para reagir à medida de Donald Trump com uma crítica recheada de ironia.
“Cadê o ‘Brasil acima de tudo’?”, questionou.
A pergunta tem timing. Mas o tom escorrega.
Porque quando alguém que passou anos orbitando cargos em Brasília, Europa e Ásia resolve resgatar o patriotismo em um post, o povo não vê denúncia. Vê performance.
O Brasil como cenário, não como destino
A crítica à lógica bolsonarista é legítima. A política externa armamentista de Jair e Eduardo Bolsonaro gerou ruído, tensão e mais isolamento do que respeito. Mas Viana, ao usar a mesma frase do inimigo político — e com o mesmo tom de ironia — revela o quanto a política brasileira se retroalimenta de slogans ocasionalmente úteis e moralmente descartáveis.
Jorge Viana não é qualquer voz. É ex-governador, ex-senador, hoje presidente da agência que deveria defender o Brasil no comércio internacional. Mas sua fala, em vez de diplomática, soou pessoal. Em vez de estratégica, foi uma cutucada ideológica — dessas que não vendem uma banana a mais no exterior, mas rendem curtidas no Twitter.
Se o problema é a retórica bolsonarista, a resposta deveria ser institucional, não imitativa. E se o drama é a perda de competitividade do Brasil, a cobrança deveria começar internamente: quantos acordos comerciais Jorge Viana articulou desde que assumiu a Apex? Quantos mercados foram abertos para os produtos acreanos, por exemplo?
A pergunta, que deveria ser “como blindar o Brasil da guerra tarifária?”, virou um “cadê o Brasil acima de tudo?” — ecoando a lógica que finge se combater.
A mala, o palanque e a memória curta
O Brasil está cansado de ser cenário para discursos de quem vive de passagem. Há políticos que só lembram da nação quando ela ameaça ferir seus círculos diplomáticos. Gente que fala em soberania, mas terceiriza a própria atuação institucional. Que some quando a floresta arde, mas surge quando o embate é ideológico.
Não se trata de negar a crítica a Trump ou ao bolsonarismo. Trata-se de perguntar: onde estava esse mesmo vigor quando a base de Alcântara foi aberta aos americanos? Quando o Brasil se curvava a mineradoras estrangeiras em terras indígenas? Quando se negociavam acordos sem contrapartidas para o povo?
O silêncio anterior também fala.
E o povo?
Enquanto isso, o exportador de castanha do Acre, o pecuarista do Vale do Juruá e o pequeno produtor de café amazônico só querem saber se vão conseguir continuar vendendo. Não querem tweet. Querem acesso, apoio e defesa técnica.
Mas o que recebem é guerra de narrativas entre elites políticas que falam grosso com inimigos imaginários e cochicham diante dos verdadeiros interesses econômicos internacionais.
