A escolha de Arthur Lira como relator do projeto de lei que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda para até R$ 5 mil mensais marca um novo capítulo na trajetória política do ex-presidente da Câmara dos Deputados. Anunciada por Hugo Motta, atual presidente da Casa, a decisão foi oficializada nesta quinta-feira, 3 de abril, e coloca Lira em um papel estratégico para conduzir uma das principais promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O projeto, enviado ao Congresso em fevereiro, busca aliviar a carga tributária de milhões de trabalhadores e deve passar por uma comissão especial antes de chegar ao plenário, com Lira liderando as discussões.
Com a relatoria, Lira retorna ao centro das negociações legislativas após deixar o comando da Câmara em fevereiro, quando Hugo Motta assumiu o cargo. A proposta prevê isenção total para quem recebe até R$ 5 mil por mês e descontos parciais para rendas entre R$ 5 mil e R$ 7 mil, impactando diretamente a classe média. A expectativa é que a medida, se aprovada ainda este ano, entre em vigor em 2026, beneficiando cerca de 10 milhões de contribuintes. O governo aposta na aprovação para reforçar sua base de apoio em um momento de desafios econômicos e políticos.
Antes de ser votado em plenário, o texto passará por uma comissão especial, um mecanismo usado para agilizar a tramitação de projetos de grande relevância. Presidida por Rubens Júnior, do PT do Maranhão, a comissão terá Lira como relator, uma posição que lhe dá poder para moldar o conteúdo da proposta. Caso o projeto avance na Câmara, ainda precisará do aval do Senado, onde pode sofrer alterações e retornar para nova análise dos deputados.

Novo papel de Lira após deixar a presidência
Arthur Lira, deputado federal por Alagoas e filiado ao Progressistas (PP), assume a relatoria em um momento de transição em sua carreira política. Após quatro anos como presidente da Câmara, entre 2021 e 2025, ele foi um dos principais articuladores de pautas econômicas, como a reforma tributária e a autonomia do Banco Central. Sua saída do comando da Casa, em fevereiro, gerou especulações sobre um possível convite para integrar o governo Lula, mas a reforma ministerial não se concretizou até agora, mantendo Lira no Legislativo.
A escolha de Lira por Hugo Motta reflete a confiança do atual presidente da Câmara em sua capacidade de negociação. Conhecido por sua habilidade em costurar acordos entre diferentes partidos, Lira é visto como um nome estratégico para conduzir um projeto que exige diálogo entre governo e oposição. A relatoria também sinaliza uma tentativa de Lira de manter influência no Congresso, mesmo fora da presidência, enquanto enfrenta disputas políticas em seu estado natal, Alagoas, onde rivaliza com o ministro dos Transportes, Renan Filho, do MDB.
O projeto do Imposto de Renda é uma das prioridades do governo Lula para este ano. Enviado ao Congresso em fevereiro, o texto propõe mudanças significativas na tributação, com impacto estimado em R$ 27 bilhões anuais. Além da isenção para rendas menores, a proposta inclui a criação de um imposto mínimo progressivo para quem ganha acima de R$ 50 mil mensais, equivalente a R$ 600 mil por ano, como forma de compensar a perda de arrecadação.
Detalhes da proposta em tramitação
Apresentado como uma promessa de campanha, o projeto busca atender a uma demanda antiga da classe média e dos trabalhadores de renda intermediária. Atualmente, a faixa de isenção do Imposto de Renda está fixada em R$ 2.259,20 mensais, valor que não acompanha a inflação acumulada nos últimos anos. Com a nova regra, quem ganha até R$ 5 mil por mês ficaria livre do tributo, enquanto aqueles com renda entre R$ 5 mil e R$ 7 mil teriam descontos progressivos, reduzindo o valor pago.
- Isenção total: Rendas de até R$ 5 mil mensais (R$ 60 mil anuais) não pagariam Imposto de Renda.
- Desconto parcial: Entre R$ 5 mil e R$ 7 mil, o contribuinte teria uma redução gradual no imposto devido.
- Tabela progressiva: Acima de R$ 7 mil, as alíquotas atuais, que chegam a 27,5%, seriam mantidas.
A medida deve beneficiar diretamente profissões como motoristas, professores, enfermeiros e autônomos, que frequentemente estão nessa faixa de renda. Um motorista com salário de R$ 3.650,66, por exemplo, economizaria cerca de R$ 1.058,72 por ano, enquanto uma enfermeira com R$ 6.260 mensais teria uma redução anual de R$ 1.821,95 no imposto.
Impacto econômico e desafios fiscais
A ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda representa um desafio para as contas públicas. O governo estima que a medida custará R$ 25,8 bilhões por ano em renúncia fiscal, o que exige fontes de compensação para manter o equilíbrio do orçamento. Para isso, o texto propõe a tributação de rendimentos mais altos, com a criação de um imposto mínimo para quem ganha acima de R$ 600 mil anuais. Hoje, esses contribuintes, que representam apenas 0,13% do total, pagam uma alíquota efetiva média de 2,54% após deduções legais.
A equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defende que a medida é essencial para redistribuir a carga tributária e aliviar os trabalhadores de renda média. No entanto, a proposta enfrenta resistências no Congresso, especialmente entre parlamentares do centrão, grupo ao qual Lira pertence. Esses deputados criticam a taxação dos mais ricos sem cortes de gastos ou revisão de benefícios fiscais, o que pode gerar embates durante a tramitação.
Outro ponto em discussão é a possibilidade de incluir a tributação de lucros e dividendos remetidos ao exterior, com uma alíquota de 10%, como alternativa de compensação. Essa ideia, ainda em análise, poderia ampliar a arrecadação e facilitar a aprovação do projeto, mas depende de negociações políticas lideradas por Lira na comissão especial.
Trajetória de Lira e influência no Congresso
Arthur Lira construiu uma carreira marcada por posições de destaque no Legislativo. Nascido em Maceió, em 25 de junho de 1969, ele é filho do ex-senador Benedito de Lira e começou na política como vereador na capital alagoana, em 1993. Após passagens como deputado estadual, chegou à Câmara Federal em 2011, sendo reeleito em 2014, 2018 e 2022. Sua ascensão ao comando da Casa, em 2021, consolidou-o como líder do centrão, bloco suprapartidário conhecido por sua influência nas decisões do Congresso.
Durante sua gestão como presidente, Lira foi peça-chave na aprovação de pautas econômicas importantes. A reforma tributária, sancionada no final de 2024, e a autonomia do Banco Central, votada em 2021, são exemplos de sua capacidade de articular maiorias. Agora, como relator, ele terá a chance de deixar sua marca em mais uma proposta de impacto nacional, enquanto busca manter relevância política em um cenário de disputa com adversários regionais e nacionais.
A escolha de Lira para a relatoria também reflete sua boa relação com o mercado financeiro. Ao longo de seu mandato, ele construiu pontes com a Faria Lima, o centro financeiro de São Paulo, defendendo a responsabilidade fiscal e medidas de ajuste econômico. Essa interlocução pode ser um trunfo nas negociações do projeto do IR, que exige equilíbrio entre os interesses do governo e as demandas de setores empresariais.
Cronograma previsto para o projeto
O andamento do projeto na Câmara segue um calendário apertado. Para que a nova faixa de isenção entre em vigor em 2026, a proposta precisa ser aprovada e sancionada ainda este ano. Veja as etapas previstas:
- Formação da comissão especial: Deve ocorrer nas próximas semanas, com a indicação de membros por partidos e blocos parlamentares.
- Discussão e relatório: Lira terá cerca de dois meses para apresentar seu parecer, com audiências públicas e debates na comissão.
- Votação no plenário: Se aprovado na comissão, o texto segue para o plenário da Câmara até o segundo semestre.
- Análise no Senado: Após a Câmara, o Senado terá de votar a proposta, com possibilidade de alterações até o fim do ano.
A pressa do governo se explica pela necessidade de cumprir uma promessa de campanha e reverter a queda de popularidade de Lula, evidenciada em pesquisas recentes. A aprovação do projeto é vista como um teste para a articulação política do Planalto no Congresso.
Repercussão entre parlamentares
A indicação de Lira como relator foi bem recebida por aliados do governo, que destacam sua experiência em conduzir pautas complexas. Parlamentares do PT, como Rubens Júnior, que presidirá a comissão, veem na escolha uma garantia de que o projeto avançará com celeridade. No entanto, há cautela entre alguns petistas, que esperam que Lira mantenha fidelidade ao texto original, sem alterações que desfigurem a proposta.
Por outro lado, deputados da oposição e do centrão crítico ao governo manifestaram ressalvas. Eles argumentam que a taxação dos mais ricos pode enfrentar resistência, especialmente se não houver contrapartidas como cortes de despesas. Lira, conhecido por seu pragmatismo, terá de equilibrar essas pressões para construir um texto viável.
A relação entre Lira e Hugo Motta também é um fator a ser observado. Ambos do mesmo campo político, eles têm trabalhado em sintonia desde a transição na presidência da Câmara. Motta, do Republicanos da Paraíba, aposta na parceria com Lira para fortalecer sua própria gestão, que começou em fevereiro e enfrenta o desafio de suceder um líder influente.
Benefícios esperados para os trabalhadores
Caso o projeto seja aprovado, os benefícios para os trabalhadores serão significativos. Um professor com salário de R$ 4.867,77, por exemplo, economizaria cerca de R$ 3.970,07 ao ano com a isenção total. Já um autônomo com renda de R$ 5.450 mensais teria uma redução de R$ 3.202,44 no imposto devido, graças ao desconto parcial. Esses valores representam um alívio financeiro para milhões de famílias em um contexto de inflação e aumento do custo de vida.
A proposta também tem apelo popular por atender a uma faixa de renda que inclui profissões essenciais, como saúde e educação. Enfermeiros, professores e motoristas estão entre os grupos que mais se beneficiariam, o que reforça o caráter social do projeto. Para o governo, a medida é uma forma de cumprir compromissos assumidos com a base eleitoral e ampliar o apoio entre a classe média.
Além disso, a ampliação da isenção pode estimular o consumo, já que os trabalhadores terão mais renda disponível. Economistas apontam que esse efeito poderia aquecer a economia, especialmente em setores como comércio e serviços, embora o impacto dependa da capacidade do governo de compensar a renúncia fiscal sem desequilibrar as contas públicas.
Negociações políticas em jogo
Conduzir o projeto do Imposto de Renda será um teste para a habilidade política de Arthur Lira. Como relator, ele terá de lidar com pressões de diferentes frentes: o governo, que quer aprovar o texto rapidamente; o centrão, que busca contrapartidas fiscais; e o mercado financeiro, que cobra responsabilidade nas contas públicas. Sua posição no PP, um dos maiores partidos do Congresso, lhe dá peso nas negociações, mas também o coloca sob escrutínio de adversários.
A rivalidade com Renan Filho, ministro dos Transportes e liderança do MDB em Alagoas, adiciona uma camada de complexidade. Nos bastidores, Lira busca garantir que sua influência no estado não seja ameaçada, o que pode impactar suas decisões como relator. Ao mesmo tempo, ele precisa manter uma postura de neutralidade para assegurar a aprovação do projeto sem desgastes com o governo ou o mercado.
A articulação de Hugo Motta também será crucial. Ao escolher Lira, o presidente da Câmara sinaliza um alinhamento com o governo em uma pauta prioritária, mas deixa claro que o texto pode sofrer ajustes. Uma proposta alternativa, elaborada pelo PP, está em discussão e pode ser incorporada ao relatório de Lira, o que ampliaria o escopo das mudanças no Imposto de Renda.
Próximos passos na tramitação
O projeto agora entra em uma fase decisiva. A formação da comissão especial, prevista para as próximas semanas, marcará o início oficial das discussões. Lira terá a tarefa de ouvir especialistas, parlamentares e representantes da sociedade em audiências públicas, além de negociar com líderes partidários para construir um texto consensual. O prazo para apresentação do relatório ainda não foi definido, mas a expectativa é que o processo avance rapidamente no primeiro semestre.
Se aprovado na Câmara, o texto seguirá para o Senado, onde enfrentará novos desafios. Senadores podem propor mudanças, como ajustes nas alíquotas ou nas fontes de compensação, o que exigiria uma nova votação na Câmara. Para o governo, o ideal é que a proposta seja sancionada até dezembro, garantindo sua implementação na declaração de 2026.
A relatoria de Lira, portanto, é apenas o primeiro passo de uma longa jornada legislativa. Sua capacidade de articular maiorias e equilibrar interesses será determinante para o sucesso do projeto, que carrega não apenas implicações econômicas, mas também o peso político de uma promessa de campanha do presidente Lula.