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Dados nacionais revelam que a criminalidade digitalizada virou rotina no Acre — e a resposta do poder público continua obsoleta
O que antes era um problema pontual de bairros isolados virou epidemia urbana. O Acre entrou oficialmente para o topo do ranking nacional de roubos e furtos de celular, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, divulgado nesta terça-feira (30). Os dados colocam o estado entre os cinco piores do país em número de celulares levados por criminosos a cada 100 mil habitantes — um dado que salta aos olhos, mas que já se sente na pele de quem vive nas ruas de Rio Branco e em outras cidades acreanas.
A pesquisa, elaborada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, leva em conta dados do ano passado consolidados pelas Secretarias Estaduais de Segurança. No caso do Acre, foram mais de 12 mil ocorrências registradas em 2024 envolvendo roubo ou furto de aparelhos, o que representa uma média de 32 celulares levados por dia — mais de um por hora. E esse número, segundo os próprios especialistas, está subnotificado. A estimativa é que até 40% das vítimas sequer registram boletim de ocorrência, o que indicaria um cenário ainda mais alarmante.
O perfil dos crimes é quase sempre o mesmo: motociclistas ou duplas a pé, em plena luz do dia, abordam pedestres, ciclistas e até motoristas no trânsito para tomar o aparelho celular. Em áreas mais periféricas, a ação é direta; no centro de Rio Branco, muitas vezes o roubo é seguido de ameaças ou violência física. Há ainda casos recorrentes de furto em comércios, feiras e, mais recentemente, dentro de ônibus.
O relatório nacional acende o alerta vermelho sobre a crescente fragilidade da segurança pública no Acre. Não se trata apenas de criminalidade comum. O que se vê é um colapso do controle preventivo e repressivo — um desmonte lento das forças policiais diante da alta demanda, baixos efetivos e ausência de tecnologia de monitoramento. A maioria das delegacias do interior sequer conta com rede integrada de boletins, o que dificulta rastrear aparelhos roubados mesmo com IMEI bloqueado.
O governador Gladson Cameli não comentou os dados até o fechamento deste release. A Secretaria de Segurança Pública do Acre (Sejusp) limitou-se a divulgar uma nota afirmando que “vem ampliando o policiamento ostensivo e reforçando operações com a Polícia Civil para coibir roubos e furtos”, mas não apresentou números que comprovem qualquer avanço. A Polícia Militar também não realizou nenhuma coletiva sobre o tema, embora oficiais ouvidos pelo Cidade AC News, sob reserva, tenham admitido a falta de estrutura e a sobrecarga de patrulhas.
Do lado da população, a sensação é de desamparo total. A empresária Letícia Souza, que teve o celular roubado na porta de casa, em frente à escola do filho, disse não ter esperança de reaver o aparelho. “Eles falam pra registrar o BO, mas é só pra constar. Ninguém vai atrás. A gente compra outro, se endivida, e vive com medo de novo.”
Na tentativa de reagir por conta própria, moradores de bairros como Calafate, Sobral e Tancredo Neves criaram grupos de WhatsApp para alertar sobre suspeitos, rotas de fuga e placas de motos usadas nos assaltos. Mas o esforço comunitário, ainda que louvável, não substitui a obrigação do Estado. A criminalidade organizada que gira em torno da revenda de celulares — seja em sites de marketplace, feiras livres ou atravessadores do crime — continua operando com impunidade quase total.
O Acre, que já figurou como o estado mais violento do país em taxas proporcionais no início da década passada, agora vê a banalização da insegurança digitalizada. Ter um celular à mostra virou sinônimo de vulnerabilidade, e a ausência de uma política estadual de segurança tecnológica amplia o abismo entre governo e população.
A pergunta que paira: se o Estado não consegue proteger nem o bem mais básico da vida moderna — o celular — o que sobra da sua autoridade?
Assinado por: Eliton L. Muniz – Estagiário | Cidade AC News – www.cidadeacnews.com.br




