Ícone do site Cidade AC News | Notícias do Acre, Amazônia e Brasil

Relatório do CIMI confirma três assassinatos de indígenas no Acre em 2024 e expõe omissão estrutural

CIMI-morte-indigenas-Clima Info

CIMI-morte-indigenas-Clima Info

Tempo de leitura: 4 min

Ausência do Estado, avanço da grilagem e impunidade fortalecem ciclo de violência no coração da Amazônia acreana

O mais recente relatório anual do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), divulgado nesta terça-feira (30), confirmou a ocorrência de três assassinatos de indígenas no Acre ao longo do ano de 2024. Os dados fazem parte do Dossiê de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, documento que reúne e analisa centenas de violações de direitos em todo o país. No caso do Acre, o número pode parecer pequeno em termos absolutos, mas revela uma escalada contínua e preocupante de violência direcionada a comunidades originárias, sobretudo em áreas de conflito fundiário e abandono institucional.

Os três homicídios registrados ocorreram em territórios localizados nas regiões do Alto Juruá, Purus e Envira, onde vivem povos como os Huni Kuin, Ashaninka e Madijá. Segundo o levantamento, os crimes não foram investigados com o devido rigor, e em nenhum dos casos houve responsabilização penal até o momento da publicação do relatório. O CIMI aponta que a impunidade e a morosidade das autoridades locais — incluindo polícias civis e o Ministério Público — contribuem para o avanço do medo e do silenciamento das lideranças indígenas.

O que o relatório descreve com frieza técnica, moradores relatam com angústia cotidiana. Em trechos do documento, constam denúncias de invasões de terras por madeireiros ilegais, tentativas de coação contra caciques e até interceptações armadas em rios que cortam áreas de uso tradicional. Em um dos casos mencionados, o assassinato de um indígena da etnia Huni Kuin teria sido precedido por ameaças reiteradas de posseiros da região do Rio Tarauacá, após a comunidade denunciar exploração ilegal de madeira às autoridades ambientais.

A publicação do relatório reacendeu críticas de organizações locais e ativistas que atuam no Acre. A advogada Ana Clara Bezerra, especialista em direitos humanos e assessora de comunidades indígenas no estado, afirma que o problema não é a ausência de leis, mas de ação estatal. “Existe um protocolo federal, existe o MPF, existe a Polícia Federal. Mas, na prática, o que vemos é que quando morre um indígena no interior do Acre, morre apenas mais um anônimo. E isso normaliza o genocídio por omissão”, declarou à reportagem.

O CIMI também critica a atuação tímida da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que teria abandonado bases estratégicas de vigilância e desarticulado frentes de proteção em áreas de contato com povos isolados. No caso do Acre, postos de fiscalização em áreas próximas à fronteira com o Peru estão operando com efetivo mínimo ou, em alguns casos, foram simplesmente desativados por falta de recursos.

Procurado, o governo do Estado do Acre não se manifestou oficialmente sobre o conteúdo do relatório. Já o Ministério dos Povos Indígenas afirmou, em nota, que acompanha os casos em articulação com a Funai e a Defensoria Pública da União, mas reconheceu que as limitações orçamentárias e de pessoal dificultam uma resposta mais célere às demandas do território acreano.

Nos bastidores, fontes da Secretaria de Justiça e Segurança Pública admitem que a maioria dos casos envolvendo indígenas permanece sem inquérito concluído, e que há “baixa capacidade de investigação nas áreas mais remotas”. Policiais civis ouvidos sob anonimato revelaram que há delegacias que sequer têm combustível suficiente para deslocamentos em área de floresta.

As lideranças indígenas do Acre prometem pressionar o Ministério Público Federal e o Supremo Tribunal Federal a tomarem medidas emergenciais. Em carta aberta publicada nas redes sociais, a Organização dos Povos Indígenas do Acre (OPIAC) cobrou atuação urgente do governo federal e a reinstalação de bases de fiscalização nas Terras Indígenas do Rio Humaitá e do Alto Envira.

O silêncio diante dos assassinatos é o que mais preocupa. São mortes que não estouram manchete, que não ganham hashtags, mas que ecoam entre as árvores, nos cantos de luto e nas assembleias de resistência. O que se espera agora é que os dados frios do relatório do CIMI se convertam em ações quentes do Estado. E rápido — antes que a estatística do próximo ano traga mais nomes, mais sangue e mais dor.


Assinado por: Eliton L. Muniz – Estagiário | Cidade AC News – www.cidadeacnews.com.br

Sair da versão mobile