A escolha de Luca de Meo para liderar a Kering surpreendeu o mercado, dado seu histórico exclusivamente ligado ao setor automotivo. O italiano, de 58 anos, construiu uma carreira sólida em marcas como Toyota, Fiat, Volkswagen, SEAT e Renault, onde liderou transformações significativas. Na Renault, desde 2020, De Meo foi responsável por uma reestruturação que recuperou a montadora de anos de instabilidade financeira, além de reformular a aliança com a Nissan. Sua saída, confirmada para meados de julho, deixa a empresa em um momento de transição delicado.
Por que, então, a Kering, um conglomerado de luxo com marcas como Gucci, Yves Saint Laurent e Balenciaga, optaria por um executivo sem experiência no setor? Analistas apontam que a resposta está na capacidade de De Meo de gerenciar crises complexas. A Kering enfrenta uma dívida significativa e uma queda acentuada nas vendas da Gucci, que representa cerca de 50% de sua receita e dois terços de seu lucro operacional.
- Habilidade em reestruturações: De Meo liderou a Renault em uma recuperação que incluiu corte de custos e reposicionamento de mercado.
- Gestão de marcas globais: Sua experiência com SEAT e Renault demonstra visão estratégica para marcas em crise.
- Foco em resultados: Analistas da RBC destacam seu histórico em transformações corporativas de grande escala.
- Nova perspectiva: A ausência de experiência no luxo pode trazer ideias inovadoras, embora arriscadas, ao setor.
A possível nomeação, que fontes indicam poder ser confirmada ainda hoje, reflete a confiança da família Pinault, controladora da Kering, em um líder com perfil pragmático.

Reações no mercado financeiro
A notícia da possível chegada de De Meo impulsionou as ações da Kering em quase 10% na abertura do pregão em Paris, marcando o maior ganho diário desde março de 2020. O movimento reflete o otimismo dos investidores com a perspectiva de uma liderança renovada, capaz de enfrentar os desafios do conglomerado. No entanto, a falta de experiência de De Meo no setor de luxo gerou debates entre analistas.
Enquanto a Kepler Cheuvreux considera a contratação “adequada” devido ao perfil de De Meo, outros especialistas alertam para os riscos. O setor de luxo exige um entendimento profundo de tendências de moda, comportamento do consumidor de alto padrão e gestão de marcas icônicas, áreas em que De Meo não tem experiência prévia. Mesmo assim, o mercado parece disposto a apostar em sua capacidade de replicar o sucesso obtido na Renault.
Por outro lado, a Renault enfrentou uma reação negativa imediata. A queda de 7% em suas ações reflete a preocupação com a saída de um executivo que trouxe estabilidade à montadora. A empresa agora precisa buscar um novo líder em um momento em que enfrenta competição acirrada no setor automotivo, especialmente no segmento de veículos elétricos.
Gucci em xeque
A Gucci, principal marca da Kering, está no centro das atenções. Nos últimos anos, a grife italiana perdeu terreno para concorrentes como Louis Vuitton e Dior, do grupo LVMH, que capitalizaram o aumento da demanda por moda de luxo pós-pandemia. Em 2024, as vendas da Gucci caíram 24% no último trimestre, um desempenho que arrastou os resultados gerais da Kering.
Recentemente, a marca passou por mudanças significativas. Em janeiro de 2025, Stefano Cantino assumiu como CEO da Gucci, substituindo Jean-François Palus. Uma das primeiras ações de Cantino foi demitir o designer Sabato de Sarno, cuja estética minimalista não conseguiu reacender o entusiasmo dos consumidores. A Kering agora aposta em uma nova direção criativa, com coleções previstas para o final de 2025, sob a liderança do designer Demna, conhecido por seu trabalho na Balenciaga.
A chegada de De Meo, se confirmada, pode acelerar essas mudanças. Sua experiência em reposicionamento de marcas pode ser crucial para restaurar o apelo da Gucci, mas o desafio é imenso. A marca precisa reconquistar tanto os consumidores tradicionais quanto atrair novas gerações, em um mercado altamente competitivo.
Pressões financeiras da Kering
A Kering enfrenta um cenário financeiro delicado. Em 2024, a receita operacional recorrente do grupo caiu 46%, atingindo 2,55 bilhões de euros, o menor valor desde 2016. Além da queda nas vendas da Gucci, outras marcas do portfólio, como Yves Saint Laurent e Bottega Veneta, também registraram desempenhos abaixo do esperado.
Para reduzir sua dívida, a Kering tem buscado estratégias de desinvestimento. No último mês, a empresa vendeu uma participação em propriedades imobiliárias em Paris para a Ardian, uma firma francesa de private equity. A diretora financeira, Armelle Poulou, indicou que mais acordos desse tipo estão planejados, com o objetivo de aliviar a pressão financeira e focar em investimentos estratégicos.
- Queda nas vendas: A Gucci registrou uma redução de 24% em vendas comparáveis no último trimestre de 2024.
- Receita operacional: O grupo reportou 2,55 bilhões de euros em 2024, uma queda de 46% em relação ao ano anterior.
- Gestão de dívida: A venda de ativos imobiliários é parte de um plano para reduzir a exposição financeira.
- Investimentos futuros: A Kering planeja direcionar recursos para revitalizar suas marcas principais.
Um setor em transformação
O mercado de luxo enfrenta desafios globais que afetam não apenas a Kering, mas também seus concorrentes. A desaceleração na demanda por produtos de alto padrão, especialmente na China, tem pressionado as margens das empresas do setor. Enquanto a LVMH, maior grupo de luxo do mundo, conseguiu manter crescimento, marcas como Burberry e a própria Kering enfrentam dificuldades para se adaptar às mudanças no comportamento do consumidor.
A Hermes, conhecida por sua clientela fiel e produtos exclusivos, é uma exceção, com resultados consistentes. A Kering, por sua vez, precisa encontrar um equilíbrio entre inovação e preservação do legado de suas marcas. A nomeação de De Meo pode sinalizar uma abordagem mais agressiva para enfrentar esses desafios, mas os resultados dependerão de sua capacidade de se adaptar a um setor tão diferente do automotivo.
O papel da família Pinault
A família Pinault, que controla a Kering por meio de sua holding, a Artémis, desempenha um papel central nas decisões estratégicas do grupo. François-Henri Pinault, atual presidente executivo, deve permanecer como presidente do conselho, separando as funções de CEO e chairman. Essa divisão é vista como uma tentativa de reforçar a governança corporativa, que tem sido alvo de críticas devido à concentração de poder na família.
A escolha de De Meo reflete a confiança dos Pinault em um líder externo para trazer uma nova perspectiva. No entanto, a pressão sobre o novo CEO será intensa, já que os investidores esperam resultados rápidos em um mercado volátil. A família também enfrenta o desafio de manter a relevância da Kering em um setor onde a inovação e a exclusividade são essenciais.
Expectativas para o futuro da Gucci
A revitalização da Gucci é a prioridade número um da Kering. A marca, que já foi sinônimo de crescimento explosivo entre 2016 e 2020, precisa recuperar sua posição de liderança. A nova direção criativa, liderada por Demna, será testada nas próximas coleções, com desfiles previstos para o final de 2025 e início de 2026.
Analistas da RBC apontam que o “sentimento em torno da Gucci está completamente deprimido”, mas há potencial para uma recuperação se as novas coleções forem bem recebidas. A experiência de De Meo em reposicionamento de marcas pode ser um diferencial, mas sua falta de familiaridade com o setor de luxo continua sendo um ponto de interrogação.
Movimentações no mercado de luxo
A possível chegada de De Meo à Kering também reflete uma tendência mais ampla no setor de luxo: a busca por líderes com visões externas para enfrentar crises. Marcas como Burberry, que recentemente passou por uma reformulação sob nova gestão, mostram que o mercado está aberto a mudanças ousadas. No entanto, o sucesso dessas transições depende de uma execução impecável, algo que a Kering ainda precisa provar.
Enquanto isso, a LVMH continua a dominar o setor, com marcas como Louis Vuitton e Dior mantendo crescimento sólido. A Kering, para recuperar seu espaço, precisará combinar inovação criativa com uma gestão financeira rigorosa, um equilíbrio que De Meo terá a missão de alcançar.