terça-feira, 4 março, 2025
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Oscar premia independentes, mas não repete feito histórico

O Oscar é uma premiação norte-americana, acima de qualquer coisa, e embora isso pareça óbvio, ainda é preciso dizer. Não é simpática a mudanças bruscas, mas gosta de uma polêmica para alavancar seus índices de audiência que estão em declínio nos últimos anos. O último suspiro de mudança de verdade, foi com a dominância de Parasita, em 2020, sendo possível uma abertura honesta para outros jeitos de fazer cinema pelo mundo. Mas como qualquer instituição, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas tem suas dificuldades e sujeitos que querem manter as coisas caseiras, ou seja, premiar os amigos e colegas da indústria. A internacionalização do Oscar é interessante, já que diz ser a maior premiação de cinema do mundo, mas isso não é consenso e está longe de ser. 

Na noite deste domingo, 02, tivemos a consagração de bons filmes. Além do primeiro Oscar da Letônia, país do Leste Europeu, com a animação fenomenal Flow,  tivemos o prêmio mais celebrado da noite, pelo menos entre brasileiros, com Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, que recebeu a estatueta e fez um discurso contundente sobre o cinema brasileiro e lembrou de Eunice Paiva, interpretada magistralmente por Fernanda Torres. Outro país consagrado e com peso histórico foi a Palestina, com o documentário No Other Land, também seu primeiro Oscar. Ao mesmo tempo, a cerimônia reservou espaço para discursos sionistas, algo típico de Hollywood, ou seja, sem surpresas. 

Por falar em poucas surpresas, a reação dos brasileiros em torno do resultado, às vezes parece um misto de ingenuidade e desconhecimento sobre como o Oscar funciona. Raras são às vezes em que qualidade e reconhecimento se unem. A Academia faz escolhas menos polêmicas e que tendem a agradar a uma maioria, pelo menos desde 2009, que adotou algo próximo de unanimidade entre os vencedores. Isso, por outro lado, atrapalha filmes ousados e reconhece filmes mornos, medíocres – que são a maioria dos vencedores. Porém, não é possível dizer isso do grande vencedor da noite, Anora, que das seis categorias que concorria, levou cinco: Melhor Roteiro Original, Melhor Montagem, Melhor Direção, os três prêmios para Sean Baker, já que ele assina nessas três funções, Melhor Atriz para Mickey Madison, e o prêmio máximo da noite, Melhor Filme, tendo Sean Baker como produtor.

O resto foi tudo muito básico e esperado. Emilia Perez, filme francês que se passa no México, tinha 13 indicações, levou duas, Melhor Canção e Melhor Atriz Coadjuvante para Zoe Saldaña. As polêmicas envolvendo a protagonista Karla Sofía Gascón, a primeira mulher trans indicada a Melhor Atriz, derrubaram as chances do favorito da noite. O reconhecimento de Saldaña foi justo, visto que sua atuação é uma das melhores coisas do filme que, particularmente, não acho todo esse terror que estão dizendo. Outro favorito foi O Brutalista, este sim um filme tenebroso, que das 10 indicações, levou 3, Melhor Ator para Adrien Brody – num discurso constrangedor -, Melhor Fotografia e Melhor Trilha Sonora Original. Wicked e Duna: Parte Dois, dividiram as categorias técnicas, com destaque para Paul Tazewell, primeiro homem negro a ganhar na categoria de Melhor Figurino por Wicked.

Isolado pelo favoritismo e sem nenhuma surpresa, Kieran Culkin ganhou Melhor Ator Coadjuvante por A Verdadeira Dor, num discurso completamente embaraçoso e estranho, com sua aparente fixação em engravidar a esposa. Dois dos grandes filmes da temporada, Conclave e A Substância, levaram Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Maquiagem e Cabelo, respectivamente. Sabemos do horror que a Academia tem em premiar filmes do gênero, especialmente o body horror, subgênero não muito afeito a grandes plateias, ou seja, nenhuma surpresa. Conclave tinha o potencial de levar Melhor Filme mais pela aparente unanimidade do que qualidade, além da injustiça com Ralph Fiennes. 

A cantoria foi deixada de lado, as Canções Originais não foram interpretadas no palco – para nossa alegria -, e priorizaram uma homenagem, de novo, à franquia James Bond – coisa que já havia sido feita em 2022 na comemoração dos 60 anos -, sendo um fim melancólico para a franquia que agora fica nas mãos da Amazon. Doja Cat, Lisa e Raye se juntaram num pot-pourri dos temas clássicos do espião, numa performance completamente sem sal, chata e sem poder musical nenhum. Por outro lado, Quincy Jones, lendário produtor musical que faleceu em novembro passado, foi homenageado por Queen Latifah, numa performance enérgica e respeitosa. O In Memorian, contou com uma homenagem feita por Morgan Freeman a Gene Hackman, um dos maiores atores de Hollywood, que faleceu nessa última semana em causas ainda não esclarecidas. O momento foi feio, desengonçado e algumas pessoas importantes ficaram de fora, além de priorizarem mais o cenário do que a homenagem que passava na tela. 

O Oscar 2025 não apresentou grandes surpresas. Apesar de algumas categorias serem difíceis de prever, o que sempre acontece, 2024 não foi o ano de grandes filmes. Por exemplo, ao olhar o histórico a partir de Parasita, os filmes vencedores, com exceção de Nomadland, são medianos: Coda: No Ritmo do Coração, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo e Oppenheimer. Em 2025, com Anora que é um grande filme, talvez um dos melhores, e o restante, mais uma vez, não há surpresas. É preciso celebrar a ousadia de A Substância, por exemplo, e a bela campanha do drama clássico com Ainda Estou Aqui. Os demais ficam na linha da mediocridade para baixo. A cerimônia mais famosa do cinema foi apenas ela mesma, de novo. Sem grandes comoções. 

Com boa parte da mídia de joelhos para Donald Trump e sua máquina autoritária, não parece ser o Oscar que vai avançar no embate político. Nem Conan O’Brien, o apresentador da noite, se arriscou no monólogo, que começou empolgante, mas perdeu o brilho da metade para o final. Talvez o único momento de destaque seja uma leve piadinha com Anora envolvendo os russos – relembrando o vergonhoso encontro entre Trump e Zelensky no salão oval da Casa Branca. Apesar do vencedor de Melhor Filme ser voltado para dentro dos Estados Unidos, como alguns especialistas em festivais internacionais disseram, a internacionalização dos votantes parece ter refletido nas escolhas, visto que o filme de Sean Baker ganhou em Cannes, Ainda Estou Aqui se consagrou em Veneza e No Other Land venceu em Berlim.

Com suspiros e momentos inéditos de Brasil, Palestina e Letônia, o Oscar ainda continua uma cerimônia estadunidense. O quebra pau ocorre nas mídias sociais com milhares de brasileiros inundando as redes da Academia com discursos rasos e repetitivos, quando aparentemente pouquíssimas pessoas viram a performance estonteante de Mickey Madison. Puxando sardinha para Demi Moore, outra esnobada da noite, e promovendo um paralelo ridículo de que o Oscar reafirma a “teoria” que A Substância queria provar. Comentários estúpidos e misóginos a respeito de Anora podem ser vistos aos montes, inclusive apontando male gaze onde aparentemente não há. O que parece existir, e vindo de pessoas aparentemente progressistas, é uma incompreensão misturada com conservadorismo rasteiro e preconceito com trabalhadoras do sexo, comunidade celebrada algumas vezes por Baker e Madison em seus discursos ao longo da noite. 

O saldo para o Brasil é positivo, é um feito histórico para o cinema nacional, mas não é histórico para a Academia. O Brasil é apenas o quarto país da América Latina a vencer o Oscar de Filme Internacional, atrás de México, Argentina e Chile. As chances de Fernanda Torres eram baixas e a disputa verdadeira estava entre Demi Moore e Mickey Madison. Inclusive, as três performances eram completamente diferentes umas das outras, mas extremamente bem realizadas e todas mereciam vencer. Em Melhor Filme as chances eram mínimas, quase zero. Ainda Estou Aqui não tinha a força de Parasita, por exemplo, assim como nenhum outro candidato tinha um favoritismo declarado.

A maioria dos votantes do Oscar são norte-americanos que vão defender seu ganha pão, ultimamente ameaçado pela falta de regulamentação e investimento pesado dos grandes estúdios em Inteligência Artificial e precarização do trabalho. A Academia gosta de passar mensagens, embora quase ninguém escute, e premiar o cinema independente parece uma ecoada afirmação do esforço em fazer cinema e do lugar primordial da autoralidade. Sean Baker é um diretor hábil e celebrado no cenário indie estadunidense e sua carreira é a prova disso, além de colocar Mickey Madison no cenário futuro e reviver as carreiras de Adrien Brody e Demi Moore.

Para o resto do mundo a mensagem também foi clara e continua a mesma dos últimos anos, se iludiu quem chegou atrasado e fala de Oscar pois é o assunto do momento. Flow foi produzido num programa de computador de código aberto com orçamento minúsculo; No Other Land rompe as barreiras e entrega um filme tradicional, mas urgente e preparado com cuidado; Ainda Estou Aqui mostra a força do cinema nacional e do quanto seu debate saiu das salas de cinema e chegou em possíveis mudanças constitucionais. Abre-se agora, uma oportunidade de avançar em debates históricos e, tão importante quanto, utilizar a força popular que se vê nas redes para pressionar por mais investimento público, especialmente na regulamentação, distribuição e comercialização. Quem sabe assim chegaremos mais longe do que chegamos neste domingo, um dia célebre e memorável para quem ama cinema de verdade.

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