Nem toda crítica é rebeldia. Às vezes, é só o eco de uma consciência que já viu demais e decidiu não se calar.
Há métodos que se vendem como discipulado, mas operam como espetáculo. Encontros com estética de campo de treinamento e alma de segredo corporativo. Lá em cima, no alto da tal montanha, a mística parece mais importante que a verdade — e o silêncio, mais valioso que o testemunho.
É como se parte da fé contemporânea tivesse sido sequestrada por códigos internos, jaquetas camufladas e frases de efeito. A mais emblemática delas, repetida como um mantra entre os iniciados:
“O que acontece na montanha, fica na montanha.”
Mas e a igreja? E o povo que ficou no vale, sustentando a fé com simplicidade e Bíblia aberta? Fica com o quê?
O fetiche do segredo e o desprezo da comunhão
Quando alguém volta de um desses encontros com um olhar superior e frases enigmáticas, algo se rompe. O Espírito que deveria promover comunhão começa a ser usado como selo de hierarquia. “Só entende quem viveu”, dizem. Como se o discipulado de Cristo agora precisasse de senha e inscrição.
Aliás, não são poucos os que retornam desses retiros com uma nova missão: dar lição em quem ficou. Uma geração de “laranjinhas espirituais” — como já se ouve nos bastidores — que transformou a montanha em plataforma de ego, não de edificação.
Não se trata de julgar os encontros, mas de questionar seus frutos.
Se um ensino é proibido de ser compartilhado, o que exatamente está sendo ensinado ali?
Quando a fé precisa de cláusula de confidencialidade, algo cheira menos a discipulado e mais a seita.
A estética do soldado e a ausência do servo
Há algo simbólico — e sintomático — nessa estética dos uniformes, bonés e selos. O Evangelho do avental, que lavava pés, foi trocado pelo Evangelho da farda, que exige posição e silêncio. Lá, não se debate. Lá, se obedece.
Mas a obediência cristã é luz, não sombra. É transparência, não sigilo.
Se o que foi recebido na montanha não pode ser dito no culto de domingo, o problema não é o púlpito — é o conteúdo.
Espiritualidade que não se reparte é vaidade com outro nome.
Discipulado que não se explica é controle com aparência de zelo.
Montanhas que se vendem como experiência, mas entregam exclusão
Por trás do marketing dos retiros seletivos, há um risco silencioso: o de desprezar a comunidade local, a liderança pastoral cotidiana, a simplicidade do culto doméstico. Cria-se um novo padrão espiritual:
“quem não foi, não sabe”; “quem não subiu, não sentiu.”
E assim, sem perceber, a montanha deixa de ser lugar de encontro com Deus e vira clube de iniciação. Enquanto isso, nas igrejas da periferia, nos cultos de quarta-feira, o povo segue comendo feijão e Bíblia — sem precisar subir morro nem pagar taxa.
Quem aprende no monte, reparte no vale
No Acre, onde as igrejas ainda são feitas de bancos de madeira e café com bolo após o culto, essa lógica do segredo choca. Porque aqui, fé boa é fé falada, vivida, cantada no domingo e testemunhada na segunda.
Se há algo que precisa ser dito, é simples:
o Evangelho não é código. É pão. E pão se reparte.
Quem sobe ao monte e volta calado, ou recebeu pouco, ou aprendeu errado.
Porque o Cristo que subiu, desceu. E ensinou tudo.





