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A atriz Yara de Novaes faz de “Malu” matéria-prima de interpretação consagradora

Por Maria do Rosário Caetano

O ator Rui Rezende costuma dizer que um de seus personagens – o fantasmagórico Prof. Astromar, da telenovela “Roque Santeiro” — garantirá seu obituário nos jornais. Que ele tenha longa vida, assim como seu personagem, no imaginário brasileiro.

A atriz mineira Yara de Novaes poderá dizer o mesmo que o conterrâneo Rui. Afinal, a intérprete de “Malu” – estreia nos cinemas dessa quinta-feira, 31 de outubro – será lembrada, no futuro, por impressionante entrega à personagem que o cineasta e roteirista Pedro Freire criou para evocar e homenagear (com a tinta da dor) sua mãe, a atriz Malu Rocha (1947-2018).

A Malu da vida real trabalhou com Plínio Marcos, atuou em “Hair”, cult da Era de Aquarius, e em peças políticas. Fez telenovelas e filmes. Foi casada com Zanoni Ferrite, pai de sua filha, e com Herson Capri, pai de Pedro Freire. Em seus anos derradeiros, ela morou numa casa sempre em obras, em lugar afastado da capital fluminense. Sonhava implantar ali um centro cultural, para nele exercer dezenas de atividades, todas ligadas à sua maior paixão — o ato de representar. Sonhava até com um teatro, no segundo andar da edificação cercada de lama e materiais de construção.

Para evocar o período mais difícil da vida de sua mãe, aquele em que nada dava certo e problemas de saúde (inclusive mentais) se agravavam, Pedro escolheu recorte preciso e concentrado – a problemática convivência de três gerações de mulheres. Malu, sua mãe Lili (Juliana Carneiro da Cunha) e sua filha Joana (Carol Duarte). Esta terá na mãe e na avó Lili dois polos de atração e afastamento.

Mãe e filha (Lili e Malu, Malu e Joana) amam-se de um jeito ríspido, tentam se entender, conviver em fraternidade. Mas parece impossível encontrar harmonia naquela casa em eterno processo de construção. Para complicar, Joana escolhe o mesmo ofício da mãe – o teatro.

Raras personagens externas à família disfuncional terão espaço no lar de Malu. O padre, coitado, será escorraçado. Destaque só para o ator homoafetivo Timbira (Átila Bee), amigo e confidente. Com ele, Malu fumará maconha e evocará experiências com substâncias mais pesadas. Cada vez mais angustiada e frustrada por seus sonhos não-realizados, a atriz de dezenas de projetos terá acessos de “loucura”, que deixarão a mãe já idosa e a filha em estado de permanente tormento.

Ninguém espere uma biografia com flashbacks e cenas documentais. Não. O filme é ficcional e foi construído, com muitas liberdades, pelo roteiro preciso de Pedro Freire, ex-aluno da Escola Internacional de Cinema e TV de San Antonio de los Baños, nos arredores de Havana. E ele, ao estabelecer a relação entre três gerações de mulheres, pôde aprofundar a subjetividade de cada uma delas. A mãe de Malu é conservadora e religiosa (uma proto-eleitora de Jair Bolsonaro). Mas nunca será caricaturizada. Graças à perícia do roteirista e ao talento de Juliana Carneiro da Cunha, com visual que lembra outra grande intérprete (e companheira de Plínio Marcos), Walderez de Barros.

A filha, Joana, também ganha nuances, pelos mesmos motivos. Falas precisas, reações idem. E mais um desempenho notável de Carol Duarte (“A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz).

O filme, porém, é um inventário concentrado das emoções de Yara de Novaes. Ela já começa nos arrebatando com exercícios vocais e corporais, na laje da construção que nunca será concluída. Um solo aliciante. Ao longo de 100 minutos, Yara, que ainda não interpretara papel de tamanha envergadura (pelo menos no cinema), mostra com juros e correção monetária porque ganhou o Troféu Redentor de melhor intérprete no Festival do Rio. Sua Malu é pura energia física, paixão, entrega, loucura. O papel que toda atriz sonha interpretar, até porque constitui reflexão sobre o próprio ofício.

Pedro Freire e sua equipe alcançaram o que sonha todo diretor: mostrar um trio de atrizes em estado de plena comunhão artístico-espiritual. E uma protagonista que entra para a galeria de nossas maiores personagens-intérpretes: Zulmira (Fernanda Montenegro), em “A Falecida”; Geni (Darlene Glória), em “Toda Nudez será Castigada”; Macabéia (Marcélia Cartaxo), em “A Hora da Estrela (para nos reduzirmos a três exemplos).

O filme de Pedro Freire dividiu o principal  Troféu Redentor, do Festival do Rio, com “Baby”, de Marcelo Caetano. E viu, além de Yara de Novaes reconhecida como melhor atriz, Juliana Carneiro da Cunha e Carol Duarte consagradas como  coadjuvantes. O roteiro, cheio de paixão e fúria, também ganhou o Redentor. O filme estreou mundialmente no Festival Sundance, no começo desse ano. Estreia das mais promissoras. E reconhecidas.

 

Malu
Brasil, 2024, 100 minutos
Direção e roteiro: Pedro Freire
Elenco: Yara de Novaes, Juliana Carneiro da Cunha, Carol Duarte, Átila Bee, Marina Provenzzano, Márcio Vito e Rodrigo Haiut
Fotografia: Mauro Pinheiro Jr
Montagem: Marília Moraes
Direção de arte: Elsa Romero
Produção: Tatiana Leite (Bubbles Project) e Roberto Berliner (TV Zero)
Distribuição: Filmes do Estação

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