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“O Bastardo”, épico indicado ao Oscar, tem em Mads Nikkelsen seu maior trunfo

Por Maria do Rosário Caetano

“O Bastardo”, de Nikolaj Arcel, épico protagonizado pelo astro Mads Nikkelsen, é o indicado da Dinamarca para disputar vaga na categoria melhor filme internacional. Para chegar lá, o longa-metragem nórdico terá que derrotar produções de mais de cem países, que, em maioria, serão definidas nessas duas próximas semanas.

O representante brasileiro — todas as apostas colocam suas fichas em “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles — será conhecido dia 23 de setembro. Trinta e três países já apresentaram seus candidatos (ver lista abaixo). A Alemanha optou por um título iraniano, já que ajudou a produzir “A Semente da Figueira Sagrada”, de Mohammad Rasoulof, cineasta perseguido em seu país de origem. O Chile aposta, mais uma vez, na jovem Maite Alberdi, diretora de “El Lugar de la Otra”, sua primeira ficção. A realizadora é, além de talentosa, pé-quente. Cravou duas vagas como finalista ao Oscar. Primeiro com o fascinante “O Agente Secreto”, depois com o comovente “A Memória Infinita”.

A França, preocupada com erro cometido na última edição do Oscar — preteriu “Anatomia de uma Queda”, de Justine Triet, trocado por “Sabor da Vida”, de Tran Anh Hung —, está usando todo o prazo possível para “fazer a coisa certa”. Outros países laureados (alguns muitas vezes), como a Itália (recordista na categoria, em permanente disputa com a França), a Espanha, a Suécia, a Argentina (este, duas vezes) ainda não selecionaram seu representante oficial. A Rússia, por causa da guerra contra a Ucrânia, está sob sanção dos EUA e, consequentemente, da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

Quais são as chances de “O Bastardo” figurar na lista de favoritos a uma das cinco vagas na categoria melhor filme internacional?

São razoáveis. O filme não frequentou os grandes festivais (Cannes, Veneza e Berlim), mas passou pelo estratégico Festival de Toronto, no Canadá. Além do mais, Hollywood gosta de épicos. E a história do bastardo Ludwig Kahlen, ex-militar que sonha com título de nobreza, tem ingredientes curiosos. Seu protagonista, o astro nórdico Mads Nikkelsen, de 58 anos, é muito conhecido nos EUA. Depois de dezenas de filmes realizados na Escandinávia, ele foi dar com os costados na poderosa indústria norte-americana. Atuou em diversos blockbusters (caso de “Cassino Royale”, um filme do agente 007, de “Animais Fantásticos”, “Rogue One: Uma História Star Wars” e o último “Indiana Jones” (“O Chamado do Destino”). E na série “Hannibal”.

Os cinéfilos conhecem bem pelo menos dois filmes nórdicos do grande ator — o ocarizado “Druk, Mais uma Rodada”, de Thomás Vinterberg (uma das assinaturas do manifesto Dogma 95), e o ótimo “A Caça” (também de Vinterberg). Nesta tragédia social, que nos faz evocar o caso Escola Base (polícia e mídia, acumpliciados, condenaram inocentes), Nikkelsen interpreta professor acusado de ter assediado uma criança. Por isso, transforma-se em objeto de terrível caçada moral. Sua vida será virado do avesso.

O grande intérprete atuou também nos épicos “Michael Kohlhaas, Justiça e Honra” e “O Amante da Rainha” (este, do mesmo diretor de “O Bastardo”). Os franceses lhe ofereceram papel importante em “Coco Channel & Igor Stravinsky”, o do compositor de “A Sagração da Primavera”.

“O Bastardo”, baseado no romance “The Captain and Ann Barbara” (Ida Jessen, 2022), impõe desafio descomunal ao Capitão Ludwig Kahlen: mostrar serviço ao rei da Dinamarca, de forma que este lhe outorgue título de nobreza. Mas o ex-militar não tem dinheiro, nem parceiros para realizar algo digno do reconhecimento de sua Majestade. Mesmo assim, o obstinado Ludwig vai até o Palácio real apresentar seu plano, que a todos parece insano: transformar as terras da esquecida Jutlândia, território inóspito, em área agricultável. E ali implantar uma colônia. Claro que não será recebido pelo Rei. Apenas por prepostos dele.

Tomado por verdadeira obsessão de triunfar, Ludwig chega à Jutlândia. Não encontra braços para ajudá-lo. Grupo cigano até se arrisca a trabalhar com ele, mas por breves dias. Prefere seguir sua natureza nômade. Jamais submeter-se ao comando de um louco que quer fertilizar solo estéril. Só um fugitivo da propriedade dominada por nobre excêntrico e amalucado (Frederik De Schinkel, interpretado por Simon Bennebjerg) abraçará, ao lado de sua jovem esposa Ann Barbara (Amanda Collins), a arriscadíssima empreitada. Mas o fugitivo pagará caro por seu gesto.

Uma criança cigana, a inquieta Anmais Mus (Melina Hagberg), fará companhia ao alucinado ex-militar, que vai, de forma acidentada e sangrenta, implantando as bases de sua colônia agrícola. Apesar de ser uma pré-adolescente, a ciganinha vai trabalhar incansavelmente.

Duas mulheres desempenharão papéis dos mais relevantes na vida do capitão. Além de Ann Barbara, ele contará com o afeto da refinada Edel Hélène, que Frederik De Schinkel quer, custe o que custar, como esposa.

A importância de Ann Barbara, tanto na cama como na labuta diária, será fundamental para o ex-capitão seguir rumo à conquista de seu desejado título de nobreza. Juntos e sob as mais duras condições climáticas, incluindo meses e meses de neve, trabalharão como animais de carga. A trama se passa no século XVIII, em torno do ano de 1755. Como não se trata de um folhetim romanesco, o público terá grandes surpresas ao longo das mais de duas horas da narrativa.

Ludwig é um bruto. Só pensa em atingir seu objetivo. E o faz com disciplina militar. Sua obstinação vai atrair a ira desmedida de De Schinkel, um nobre alucinado à beira da caricatura, capaz de governar suas propriedades (escorado no título nobiliárquico) com os mais cruéis métodos de tortura e seviciamento. Perto dele, Ludwig parece um humanista.

A direção de arte do épico dinamarquês é das mais convincentes. A fotografia capta a beleza fria da região. Todo o elenco brilha. Exceto o nobre De Schinkel, pois faltou a seu intérprete senso de medida. O que no desempenho de Mads Nikkelsen é pura sutileza (o papel lhe rendeu o European Film Award), no de seu antagonista é puro exagero.

Apesar de não manter narrativa mobilizadora até seu desfecho, “O Bastardo” constitui-se como sólido registro da luta de homens que enfrentaram terríveis desafios em nome do processo civilizatório. Desafios levados adiante por trabalhadores inferiorizados por nobres ociosos. Que, por direito de sangue, tudo podiam.

 

O Bastardo | Bastarden
Dinamarca, 2023, 127 minutos
Direção: Nikolaj Arcel
Roteiro: Nikolaj Arcel e Anders Thomás Jensen
Elenco: Mads Mikkelsen, Amanda Collins, Melina Hagberg, Simon Bennebjerg, Kristine Kujath Thompson
Distribuição: Pandora

 

ALGUNS DOS INDICADOS AO OSCAR INTERNACIONAL:

EUROPA

. “O Bastardo”, Dinamarca
. “A Semente da Figueira Sagrada”, Alemanha
. “Memory Lane”, Holanda
. “Grand Tour”, Portugal
. “Kneecap”, Irlanda
. “Waves”, República Tcheca
. “Triumph”, Bulgária
. “Russian Consul”, Sérvia
.  “Life”, Turquia
. “Flow”, Letônia
. “Semmelweis”, Hungria
. “Three Km to the End of the World”, Romênia
. “Family Terapy”, Eslovênia
. “Drowning Dry”, Lituânia
. “8 Views of Lake Biwa”, Estônia
. “The Devil’s Bath”, Áustria
. “La Palisiada”, Ucrânia

AMÉRICA LATINA

. “El Lugar de la Otra”, Chile
. “Yana-Wara”, Peru
. “Hay una Puesta Ahí”, Uruguai
. “Al Otro Lado de lá Niebla”, Equador
. “Despierta, Mama”, Panamá
. “Universal Language”, Canadá (Quebec)

ÁSIA

. “Cloud”, Japão
. “Old Fox”, Taiwan
. “12:12: The Day”, Coreia do Sul
. “Yasha and Leonid Brejnev”, Armênia
. “Rendez-Vous Avec Pol Pot”, Camboja
. “Heaven is Beneath Mother’s Feet”, Quirguistão

ÁFRICA

. “Everybody Loves Touda”, Marrocos

ORIENTE MÉDIO

. “From Ground Zero”, Palestina
. “Bagdad Messi”, Iraque

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