Delação de Mauro Cid revela temor de moderados sobre influência de radicais em Bolsonaro

A delação do tenente-coronel Mauro Cid revelou bastidores tensos no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Segundo Cid, havia uma clara divisão entre os conselheiros próximos ao então chefe do Executivo, separados em três grupos distintos: conservadores, moderados e radicais. A preocupação maior recaía sobre os radicais, que insistiam na adoção de medidas extremas, incluindo tentativas de golpe de Estado para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. O grupo moderado, por sua vez, temia que Bolsonaro fosse persuadido a assinar decretos ilegais, referidos pelo ex-ajudante de ordens como “uma doideira”. O sigilo da delação foi derrubado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, trazendo novas informações que corroboram denúncias feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e outros 33 investigados por tentativa de golpe.

O grupo conservador, de acordo com Cid, era composto por figuras próximas a Bolsonaro, incluindo o senador Flávio Bolsonaro, o ex-ministro da Casa Civil Ciro Nogueira e o então advogado-geral da União Bruno Bianco. Este grupo defendia que Bolsonaro aceitasse a derrota nas urnas e se consolidasse como líder da oposição.

Já o grupo moderado, formado por generais da ativa e outras autoridades, compreendia os riscos políticos e jurídicos da situação e não via possibilidade de reverter o resultado eleitoral sem um rompimento democrático. Alguns integrantes dessa ala chegaram a sugerir que Bolsonaro deixasse o país para evitar possíveis consequências legais.

A pressão dos grupos radicais e a busca por um golpe

A delação detalha a influência crescente do grupo radical dentro do círculo presidencial. Essa ala estava dividida entre aqueles que buscavam evidências de fraude nas urnas eletrônicas e os que defendiam uma intervenção militar ou outro tipo de ação para impedir a posse de Lula. Entre os principais integrantes deste grupo estavam Eduardo Bolsonaro, Felipe Martins, Onyx Lorenzoni e o senador Jorge Seiff. Os radicais acreditavam que Bolsonaro poderia emitir um decreto de Estado de Defesa ou de Sítio, o que permitiria medidas autoritárias sob a justificativa de uma suposta crise institucional.

Além de articuladores políticos, o grupo contava com militares e aliados da chamada “bancada da bala”. Dentro desse cenário, Bolsonaro era pressionado por setores alinhados ao armamentismo, como os Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs), que manifestavam apoio a uma possível ruptura institucional.

Os bastidores da resistência dentro do governo

Enquanto os radicais pressionavam por medidas drásticas, os conservadores tentavam convencê-lo a não seguir por esse caminho. Entre os argumentos apresentados estava o risco de isolamento internacional e a possibilidade de sanções econômicas contra o Brasil. Além disso, o próprio alto escalão das Forças Armadas manifestou preocupação com a adesão a qualquer medida que pudesse levar a um conflito interno.

Os generais Freire Gomes, Arruda, Teófilo e Paulo Sérgio, membros do grupo moderado, deixaram claro que não haveria respaldo militar para um golpe. O receio era que Bolsonaro cedesse à pressão dos radicais e assinasse documentos que comprometessem ainda mais sua posição jurídica no futuro.

Tentativas de justificar medidas inconstitucionais

A ala radical sustentava que existiam brechas jurídicas para justificar uma intervenção. Uma das estratégias discutidas foi a invocação do artigo 142 da Constituição Federal, que trata do papel das Forças Armadas. No entanto, juristas e militares mais experientes apontavam que esse argumento era juridicamente insustentável.

Outra proposta mencionada por Cid foi a tentativa de instaurar um “Estado de Calamidade” para postergar a transição presidencial. Essa medida, no entanto, não encontrou respaldo entre os moderados, que avaliaram que um decreto dessa natureza seria derrubado rapidamente pelo Supremo Tribunal Federal.

A participação de Michelle Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro

A delação também cita a participação da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e do deputado Eduardo Bolsonaro nas articulações do grupo radical. Michelle era vista como uma voz ativa na defesa de medidas que prolongassem o governo, enquanto Eduardo mantinha contato com setores militares e políticos que defendiam a adoção de ações enérgicas contra o resultado das eleições.

A influência de Eduardo Bolsonaro cresceu significativamente nos últimos anos do governo, especialmente por seus contatos internacionais com líderes de direita que apoiavam medidas autoritárias, como Donald Trump e Viktor Orbán. Ele também participou ativamente da disseminação de teorias sobre fraudes eleitorais, o que reforçou a crença de alguns apoiadores de que a derrota nas urnas poderia ser revertida.

A divisão dentro das Forças Armadas e o impacto nas investigações

A delação de Mauro Cid trouxe à tona detalhes sobre a postura das Forças Armadas diante das pressões para aderir a um possível golpe. Apesar da existência de oficiais simpáticos ao governo Bolsonaro, o comando militar permaneceu resistente a qualquer iniciativa que pudesse comprometer a ordem democrática.

Os depoimentos também revelam que os principais líderes das Forças Armadas foram procurados por aliados de Bolsonaro na tentativa de convencê-los a adotar um posicionamento mais favorável à narrativa de fraude eleitoral. No entanto, os comandantes da Aeronáutica, Exército e Marinha preferiram manter a neutralidade institucional.

Dados e estatísticas sobre investigações

  • 34 pessoas foram denunciadas pela PGR por tentativa de golpe.
  • Bolsonaro e aliados são citados em mais de 200 páginas de documentos revelados pelo STF.
  • A delação de Mauro Cid é composta por centenas de anexos, incluindo mensagens de WhatsApp e e-mails trocados entre os envolvidos.
  • Mais de 500 manifestações foram registradas em quartéis militares após as eleições, incentivadas por setores radicais.

Linha do tempo dos acontecimentos

  • Outubro de 2022: Bolsonaro perde as eleições para Lula no segundo turno.
  • Novembro de 2022: Início das manifestações em frente a quartéis militares em diversas cidades.
  • Dezembro de 2022: Discussões sobre decretos golpistas se intensificam dentro do governo.
  • Janeiro de 2023: Ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília.
  • Fevereiro de 2025: Sigilo da delação de Mauro Cid é derrubado e novas revelações vêm à tona.

Impacto da delação nas investigações

As revelações feitas por Cid fortalecem as investigações conduzidas pelo STF e pela PGR. Com a denúncia formalizada, a expectativa é que novos desdobramentos surjam, especialmente sobre o envolvimento de figuras-chave do governo Bolsonaro.

O futuro das investigações e possíveis desdobramentos

O material obtido com a delação pode ser determinante para futuras ações da Justiça. Com a revelação dos bastidores da tentativa de golpe, há expectativa de novas diligências e possíveis novas denúncias.