Parar de fumar: apenas 6% conseguem sem ajuda; conheça métodos que dobram as chances
Abandonar o cigarro é um desejo comum entre os cerca de 9,3% dos brasileiros adultos que ainda fumam, segundo dados recentes do levantamento Vigitel de 2023, realizado pelo Ministério da Saúde. A motivação para largar o hábito não falta, já que o tabagismo está associado a uma ampla lista de doenças graves, como diversos tipos de câncer, problemas cardíacos, diabetes e disfunções reprodutivas. No entanto, especialistas alertam que depender apenas da força de vontade é uma estratégia que raramente funciona, sendo considerada uma exceção. Estudos mostram que intervenções como terapia comportamental, adesivos e gomas de reposição de nicotina, além de medicamentos, podem mais que dobrar as chances de sucesso, oferecendo um suporte crucial para superar a dependência química e os sintomas de abstinência. A coordenadora da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Maria Enedina Scuarcialupi, destaca que apenas 5% das pessoas conseguem parar sozinhas, enquanto programas estruturados de cessação elevam essa taxa para cerca de 50%. Esse contraste evidencia a importância de buscar ajuda profissional para enfrentar um vício que afeta tanto o corpo quanto a mente, especialmente em um cenário onde 60% dos 1,25 bilhão de fumantes no mundo, ou 750 milhões, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), expressam o desejo de abandonar o tabaco.
No Brasil, o número de fumantes já foi bem maior: em 1989, 34,8% dos adultos fumavam, conforme a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN). A queda significativa ao longo das últimas décadas reflete esforços como o Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT), que oferece tratamentos gratuitos pelo SUS. Ainda assim, largar o cigarro permanece um desafio para muitos, especialmente sem apoio adequado.
A nicotina, principal responsável pela dependência, age rapidamente no cérebro,到达 em apenas nove segundos após ser inalada, o que intensifica o vício e torna a abstinência um obstáculo difícil de superar sem estratégias específicas. Por isso, métodos combinados têm se mostrado a melhor saída para quem quer deixar o tabaco para trás.
A nicotina presente no cigarro cria uma dependência poderosa ao estimular receptores no cérebro, que crescem em quantidade com o uso contínuo. Uma pneumologista do Hospital Sírio-Libanês, Elnara Negri, explica que uma pessoa nasce com um número básico desses receptores, mas o hábito de fumar os multiplica exponencialmente, formando um ciclo de necessidade constante. Quando o consumo é interrompido, o organismo entra em um estado de abstinência severa, com sintomas como irritabilidade, ansiedade e fissura intensa, dificultando a cessação sem auxílio.
Estudos reforçam essa realidade. Uma pesquisa recente da University College of London, publicada em janeiro na revista JAMA Network Open, acompanhou 25 mil fumantes britânicos e constatou que aqueles que tentaram parar sem ajuda tiveram um terço a menos de chances de sucesso em comparação com os que usaram suporte, seja medicamentoso ou comportamental.
Outro levantamento, conduzido por cientistas das Universidades de Oxford e Leicester, revisou 319 ensaios clínicos com 157,2 mil participantes. Os dados, publicados na Cochrane em 2023, mostram que apenas 6 em cada 100 pessoas conseguem abandonar o cigarro sem intervenção, enquanto o uso de terapias de reposição de nicotina eleva esse número para 12, e medicamentos como bupropiona ou vareniclina aumentam para 14.
Combinar intervenções comportamentais e farmacológicas é apontado como o caminho mais eficiente para largar o cigarro. Em julho do ano passado, a OMS lançou sua primeira diretriz clínica sobre o tema, recomendando essa abordagem para todos os tipos de tabaco, incluindo cigarros convencionais, eletrônicos, narguilés e charutos. O documento destaca opções como a Terapia de Reposição de Nicotina (TRN), que inclui adesivos, gomas e pastilhas, e medicamentos como bupropiona, vareniclina e citisina.
No Brasil, o SUS disponibiliza gratuitamente adesivos e gomas de nicotina, além da bupropiona, acompanhados de sessões de terapia cognitivo-comportamental (TCC). Essas estratégias ajudam a reduzir os sintomas de abstinência e a entender os gatilhos psicológicos do hábito, oferecendo suporte essencial nos primeiros meses sem fumo.
A coordenadora do projeto Tabaco da ACT Promoção da Saúde, Mariana Pinho, enfatiza que a TCC é fundamental para identificar as raízes da dependência e manter a abstinência, sendo ainda mais eficaz quando aliada a medicamentos para casos de alta dependência.
A luta contra o tabagismo ganha força com métodos que atacam tanto a dependência física quanto a psicológica. A bupropiona, por exemplo, age no cérebro promovendo bem-estar e reduzindo a vontade de fumar ao amenizar os efeitos da falta de nicotina. Já a vareniclina e a citisina se conectam diretamente aos receptores nicotínicos, diminuindo a fissura e o prazer associado ao cigarro. Um estudo no JAMA mostrou que 32,6% dos participantes que usaram citisina mantiveram a abstinência após três meses, contra apenas 7% no grupo placebo, evidenciando o potencial desse medicamento, ainda não aprovado no Brasil.
A Terapia de Reposição de Nicotina, por outro lado, fornece doses controladas da substância para aliviar a abstinência enquanto o fumante reduz gradualmente o consumo. Adesivos liberam nicotina ao longo do dia pela pele, enquanto gomas e pastilhas ajudam nos momentos de fissura intensa. No SUS, essas opções são combinadas com sessões de TCC, que ensinam estratégias para lidar com situações que desencadeiam o desejo de fumar, como estresse ou hábitos sociais.
Embora a vareniclina esteja indisponível no Brasil devido a problemas de fabricação e falta de genéricos, a SBPT defende sua inclusão no SUS, citando sua eficácia e o custo reduzido de versões genéricas já usadas em outros países. A entidade também planeja pressionar pela aprovação da citisina, vista como uma nova esperança após duas décadas sem grandes avanços farmacológicos.
Diferente do que alguns países como Reino Unido e Suécia sugerem, os cigarros eletrônicos não são uma solução eficaz para abandonar o fumo. A OMS e especialistas brasileiros rejeitam essa ideia, apontando que muitos usuários acabam voltando ao cigarro convencional ou mantendo o uso dual, sem eliminar a dependência de nicotina. Mariana Pinho observa que a absorção rápida da nicotina nos dispositivos eletrônicos pode até aumentar a dificuldade de parar, criando uma nova geração de fumantes mais viciados.
Elnara Negri reforça que os eletrônicos perpetuam a dependência química e ainda trazem riscos à saúde, como doenças respiratórias e cardiovasculares, devido às substâncias tóxicas presentes na fumaça, que não é apenas vapor inofensivo. Assim, o uso desses dispositivos é desencorajado como método de cessação.
Recorrer a tratamentos estruturados eleva significativamente as chances de sucesso. Enquanto apenas 6% conseguem parar sem auxílio, métodos como TRN dobram essa taxa, e medicamentos podem triplicá-la, conforme a revisão da Cochrane. No SUS, o acesso gratuito a essas opções democratiza o suporte, com sessões de TCC ajudando a reconfigurar comportamentos e medicamentos aliviando a abstinência.
A diferença está nos números: programas de cessação alcançam taxas de sucesso de até 50%, contra 5% de quem tenta sozinho, segundo Maria Enedina Scuarcialupi. Esse apoio é crucial para enfrentar os primeiros dias sem cigarro, quando a fissura é mais intensa, e manter a abstinência a longo prazo.
Quem quer abandonar o tabaco pode seguir algumas estratégias práticas para aumentar as chances de êxito:
Essas ações, combinadas, ajudam a dessensibilizar os receptores de nicotina e a construir uma vida sem o cigarro, com apoio profissional fazendo toda a diferença.
O cenário do tabagismo no país mudou muito nas últimas décadas. Veja os principais marcos:
Essa redução mostra o impacto de campanhas e tratamentos acessíveis, mas os 9,3% restantes ainda enfrentam barreiras para parar.
Parar de fumar transforma a saúde e a qualidade de vida, mesmo para quem já enfrenta doenças relacionadas ao tabaco. Após 20 minutos sem cigarro, a pressão arterial normaliza; em 8 horas, o oxigênio no sangue se estabiliza; e, após 10 anos, o risco de câncer de pulmão cai pela metade. Esses benefícios, aliados a métodos eficazes, tornam o esforço recompensador.
A pneumologista Elnara Negri explica que a dependência é um mecanismo químico que exige intervenção gradual, e não apenas força de vontade. No Brasil, o SUS oferece ferramentas como bupropiona e TRN, enquanto a SBPT busca ampliar o acesso a opções como vareniclina e citisina, que já mostraram resultados promissores em outros países.
Para os 750 milhões de fumantes que querem parar mundialmente, o caminho passa por apoio profissional e estratégias comprovadas. No Brasil, onde o tabagismo caiu de 34,8% para 9,3% em 35 anos, a luta contra o cigarro avança, mas ainda exige dedicação e recursos para alcançar quem precisa.