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Roy Cohn preparou Trump, “O Aprendiz”, para brilhar no mercado imobiliário e eleger-se presidente dos EUA

Revista de Cinema

Por Maria do Rosário Caetano

“O Aprendiz” Donald Trump, hoje com 78 anos e mais uma vez candidato à presidência dos EUA, foi um brilhante discípulo do “advogado mais duro, cruel, leal, vil e brilhante da América”, Roy Cohn. Do mestre, o jovem Trump aprendeu três lições. 1. “Atacar, atacar, atacar!”; 2. Não admitir nada, negar tudo!; 3. “Sempre reivindicar a vitória!”.

A partir dessa quinta-feira, data da estreia no circuito brasileiro de “O Aprendiz”, quarto longa-metragem do iraniano-dinamarquês Ali Abbasi, o público poderá desfrutar de sólido retrato do jovem Trump, visto dos 27 aos 40 e poucos anos. O futuro presidente dos EUA (o 45º) será visto como cobrador de aluguéis e especulador imobiliário em início de carreira e, depois, empresário consolidado, com vistosos empreendimentos em Nova York e Atlantic City. Um homem que será o mais fiel dos aprendizes da cartilha da extrema-direita, professada pelo mentor Roy Cohn.

Não veremos, no longa-metragem do inquieto Abbasi, o Donald Trump que comandou, de 2004 a 2015, o reality show “O Aprendiz”, nem seu rumoroso divórcio da modelo de origem tcheca Ivana Zelniockova, mãe de seus filhos Donald Jr, Ivanka e Eric. Veremos, isto sim, a paixão do empresário pela moça, o glorioso e concorrido casamento (em 1977), a chegada dos filhos e o início do desgaste da relação matrimonial. Mas o divórcio só viria em 1992.

A narrativa, sedimentada em elaborado e muito bem-contextualizado roteiro (do jornalista Gabriel Sherman), começa no ano (1973) em que os EUA assistem ao afastamento de Richard Nixon da presidência da República e que a CIA agrega-se à linha de frente do golpe de estado contra Salvador Allende. Imagens de arquivo nos lembram que estamos imersos nos inícios da década de 1970. E que o jovem empreiteiro Donald Trump quer superar o pai nos negócios imobiliários e tornar-se um bilionário. Mas a família enfrenta percalços. O principal deles – o Trump Village, prédio que aluga apartamentos – é acusado de discriminar inquilinos afro-americanos.

Para solucionar o imbroglio jurídico e, assim, conseguir novos financiamentos imobiliários e isenções de impostos, o louro e ambicioso Trump recorrerá cada vez mais aos serviços do advogado Roy Cohn (1927-1986). Os dois vão tornar-se amigos muito próximos, parceiros capazes de encontrar soluções legais para as tenebrosas transações. Os negócios de Trump progridem e “o mais cruel e leal” dos advogados se tornará seu indispensável mentor-ideólogo.

Trump resolve casar-se com a bela e despachada Ivana. Cohn, que é homossexual (não assumido publicamente), defende o capitalismo até suas últimas consequências e adota (vejam só!) pauta anti-LGBT (tema da poderosa peça teatral “Angels in America”, de Tony Kushner, 1992). Até o contrato de casamento é redigido pelo brilhante advogado. Com ajuda de Cohn, Donald Trump tornar-se-á badalado frequentador da mídia estadunidense. Que o festejava por estar “ajudando a recuperar áreas degradadas de Nova York”. Vide o sucesso de suas torres de vidro (em especial a Trump Tower).

Que ninguém espere um panfleto contra Donald Trump, o presidente que abriu caminhos para o triunfo de Bolsonaros, Mileis e Bukeles. O cinema de Ali Abbasi destina-se a pessoas inteligentes e adultas. Portanto, Trump (Sebastian Stan) será desenhado como um jovem ambicioso, que aprenderá com Cohn, novaiorquino de origem judia (interpretado com melífua sutileza por Jeremy Strong) a conquistar fortuna e poder na Big Apple setentista.

Os caminhos trilhados revelarão (nas práticas do jovem e ultra-ambicioso empresário) o DNA do capitalismo predador. O filme mostra tais circunstâncias, sem nenhum primarismo. Ele nos induz a ler nas entrelinhas. Não há lições mastigadas. Se os produtores quisessem realizar um filme didático, não teriam convidado o iraniano (radicado na Dinamarca) para dirigi-lo. Afinal, Abbasi é o diretor do ousadíssimo (e estranhíssimo) “Border” e do diabólico “Holly Spyder”.

O uso de imagens documentais (inclusive as que introduzem a era Reagan) é preciso, a trilha sonora evocativa e alucinante, o time de atores de primeira (até Sebastian Stan surpreende) e o ritmo perfeito (as duas horas de narrativa passam sem que percebamos).

Alguns excessos, que beiram o óbvio, se fazem ver na reveladora narrativa. Caso da preocupação desmedida com o topete cor-de-laranja (patrimônio do Trump de décadas posteriores) e o “estupro” de Ivana (ela o “desmentiria” nos tribunais). E, principalmente, nos detalhes gráficos das cirurgias de lipoaspiração e capilar a que o vaidoso empresário iria se submeter.

O projeto de “O Aprendiz” é claro: produzir filme capaz de amalgamar qualidades artísticas e sucesso comercial. Bom sinal – registre-se – que tenha desagradado a trumpistas, ansiosos por ode a seu líder, e, também, a seus opositores, interessados em torpedo capaz de dificultar sua reeleição. Ponto positivo para Abbasi e sua equipe. Afinal, cabe ao cinema fazer pensar. Não mastigar realidades complexas e transformá-las em mero entretenimento.

Enquanto a humanidade não tomar consciência da gravidade do tempo em que estamos vivendo – de triunfo das ideias da extrema-direita (racista e homofóbica) e de crise climática – caminharemos para o caos. “O Aprendiz” dá sua possível (mesmo que pequena) contribuição a esse debate, tão necessário.

O Aprendiz | The Apprentice
EUA, Canadá, Dinamarca, 2024, 120 minutos
Direção: Ali Abbasi
Elenco: Sebastian Stan (Donald Trump), Jeremy Strong (Roy Cohn), Maria Bakalova (Ivana Trump), Martin Donovan (Fred Trump), Mark Rendall (Roger Stone), Ben Sullivan (Russel Eldridge), Catherine MnNally (Mary Anne Trump)
Roteiro: Gabriel Sherman
Fotografia: Kasper Tuxen
Montagem: Olivier Bugge Coutté e Olivia Neergaard-Holm
Distribuição: Diamond Films

FILMOGRAFIA
Ali Abbasi
Cineasta, roteirista e produtor nascido em Teerã, em 1981. Estudou na Escola Politécnica da capital iraniana até 2022, quando radicou-se na Suécia, para estudar Arquitetura. A partir de 2007, iniciou-se no Audiovisual, matriculando-se na Escola Nacional de Cinema da Dinamarca. Realizou vários curtas e quatro longas.

2024 – “O Aprendiz”
2023 – “The Last of Us” (série, dois capítulos)
2022 – “Holy Spider”
2018 – “Border”
2016 – “Shelley”

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