O poder econômico é um fenômeno social, fato ineliminável que permeia todos os segmentos da sociedade. É uma realidade agasalhada pelo Direito e estruturada em mecanismos constitucionais que mensuram sua influência, de modo a tutelar a incolumidade do sufrágio universal — artigo 14, § 9º, da CF.
O uso correto do poder econômico é benéfico e lícito quando fluído na medida das fontes e na qualidade dos meios indicados na Lei nº 9.504/97 como também na hermenêutica das resoluções e da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.
O TSE, em reiteradas decisões, sacramentou o entendimento de que o abuso do poder econômico “[…] em matéria eleitoral se refere à utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou humanos que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando assim a normalidade e a legitimidade das eleições. [1] Nos termos do artigo 22, XVI, da LC 64/90, “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.
Cite-se como exemplo o caso emblemático de Selma Arruda, ex-senadora pelo estado de Mato Grosso. Em 2019, por maioria de votos, o TSE confirmou a condenação dos investigados (titular e suplentes) pela prática de condutas abusivas no período de pré-campanha:
“No caso dos autos, quando somamos a quantidade de dinheiro utilizada, o farto material produzido e o período em que empregados esses recursos — concentrado entre os meses de abril e julho —, faz-se forçoso reconhecer a prática de abuso do poder econômico por Selma Rosane Santos Arruda e por Gilberto Eglair Possamai” [2].
Os fundamentos que edificaram o acórdão que cassou a ex-senadora foram extraídos do julgamento do AgR-AI nº 9-24/SP[3], cujo debate se restringiu ao tema de propaganda antecipada. Na ocasião, o então Ministro do TSE Luiz Fux, em laborioso voto-vista, trouxe alguns enunciados que a Justiça Eleitoral adotou para a caracterização do abuso:
[…] (viii) a extrapolação do limite do razoável, no que diz com os aspectos financeiros da comunicação política, pode ser aferida a partir do índice de reiteração da conduta, do período de exposição das mensagens pagas, assim como de seus respectivos custos, capilaridade ou abrangência; […]
[…] (i) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, brindes, etc) […]
O voto do ministro foi o precedente que serviu para a edificação do pré-candidato idealizado, o qual se convencionou a chamar de pré-candidato médio.
Pré-candidato médio é o personagem fictício central da pré-campanha; é o norte a ser seguido pelo potencial candidato do mundo real, pois se trata do fiel da balança útil à verificação da ocorrência ou não da prática da conduta abusiva, ilícita.
De outro lado, é importante observar que o uso de meios propagandísticos cuja forma esteja vedada no período oficial de campanha, por si só, caracteriza ilícito de propaganda extemporânea, independentemente da existência de pedido de voto [4]. O uso expressivo de tais formas vedadas, por sua vez, também pode ser avaliado sob o crivo do abuso do poder econômico e de sua vertente, qual seja, abuso dos meios de comunicação, uma vez que o evento nocivo é fato autônomo, sendo considerado em si mesmo.
É possível notar que o julgamento do AgR-AI nº 9-24/SP foi fundamental para o alinhamento das expectativas do pré-candidato médio, notadamente a partir das lições do eminente ministro Fux, muito embora o assunto ainda dependa de atenção legislativa.
Depende de mais atenção do legislador porque a figura do pré-candidato, mesmo diante da legislação esparsa que regulamenta todo o processo eleitoral, é apenas uma pequena nota de rodapé quando comparado com os atores do período crítico — período eleitoral.
A atuação dos tribunais eleitorais, máxime do TSE, precisa estar em harmonia com uma legislação mais densa e capaz de estabelecer objetivamente o que pode e o que não pode ser do alcance do potencial candidato médio.
Indo mais além, agora partindo para o período crítico, o abuso do poder econômico também pode ser cometido durante a campanha eleitoral.
O semblante do ato abusivo no período eleitoral é reforçado com linhas mais expressivas, com mais detalhes; tem sentido inquestionavelmente mais amplo, genérico. Pode assumir sua feição típica na forma dos artigos 19 e 22, XIV, da Lei Complementar 64/90, bem como manifestar-se por meio de outros propósitos como na captação ilícita de sufrágio prevista no artigo 41-A da Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições).