Há dois meses, o Brasil discutia a infame “PEC das praias”, retirada de pauta no Senado após pressão popular. Na ocasião, organizações da sociedade civil, surfistas, ambientalistas e artistas apontaram os riscos do projeto, que abria brechas para a ocupação desordenada e grilagem de terrenos na região costeira e para a restrição do acesso ao litoral. Além disso, a PEC implicaria perda de gestão da União sobre áreas de mangue, restinga, dunas e outras, consideradas essenciais para adaptação às mudanças climáticas.
Agora, um estudo pioneiro mostra que muitas dessas áreas, que formam os chamados “ecossistemas de surfe”, armazenam milhões de toneladas de CO2 ao redor do mundo, cumprindo papel fundamental para a regulação da crise do clima.
Publicada na última segunda-feira (12) no periódico Conservation Society and Practice, a pesquisa apontou que florestas, manguezais e pântanos ao redor dos chamados picos de surfe armazenam 88,3 megatoneladas de CO2. Cada megatonelada (Mt), corresponde a um milhão de toneladas. Cinco países respondem por quase metade desse CO2 armazenado: os Estados Unidos encabeçam a lista, seguidos por Austrália, Indonésia, Brasil e Panamá.
Segundo os pesquisadores, o gás-estufa encontado ali é o chamado “carbono irrecuperável”. A definição, cunhada por cientistas em artigo publicado na Nature Climate Change em 2020, refere-se às grandes reservas que podem ser liberadas caso haja perturbação dos ecossistemas por atividades humanas e são não passíveis de restauração até 2050, a tempo de evitar os piores impactos da crise do clima. O ano de 2050 é a data limite para que o mundo alcance zero emissões líquidas de gases-estufa para conter o aquecimento global, segundo o IPCC, o painel do clima da ONU.
A nova pesquisa é a primeira a quantificar o papel dos chamados “ecossistemas de surfe” – a interface entre mar e terra que permite a criação de ondas surfáveis, somada à flora, fauna e comunidades humanas que vivem e dependem do ambiente – no armazenamento de CO2. Segundo o artigo, essas regiões costeiras são aliadas essenciais contra a crise do clima e devem estar entre as prioridades de esforços de conservação.
“A expansão da conservação dos ecossistemas de surf – tanto de seus componentes marinhos quanto terrestres – poderia proporcionar uma série de benefícios, além da conservação da biodiversidade e da mitigação das mudanças climáticas”, afirmou Jacob Bukoski, professor assistente da College of Forestry, da Universidade do Estado de Oregon (Estados Unidos) e autor principal do estudo.
A equipe de cientistas liderada por Bukoski analisou mais de 4.800 picos de surfe no litoral de 113 países e identificou que as áreas mais próximas, localizadas a até um quilômetro das ondas, armazenam as 88,3 Mt de CO2 irrecuperável. Para efeito de comparação, a quantidade é equivalente ao emitido por 77 milhões de carros movidos a gás em um ano. Quando analisadas as áreas a até três quilômetros das ondas, a quantidade de carbono mais do que dobra, chegando a 191,7 Mt de CO2.
Os números indicam que cerca de metade de todo o carbono armazenado em ecossistemas de surfe está concentrado em apenas cinco países: Estados Unidos (18,4%), Austrália (10,2%), Indonésia (10,2%), Brasil (4,6%) e Panamá (4,3%). Quando considerados apenas os manguezais, um dos ecossistemas mais importantes para a biodiversidade, aproximadamente metade do carbono em áreas de surfe é encontrado no Brasil (com 10,9%), Panamá (10,5%), Indonésia (9,8%), Gabão (9,3%) e Filipinas (6,4%).
Segundo o estudo, menos de um terço de todos os ecossistemas de surfe no mundo estão legalmente protegidos. Das 88,3 Mt de CO2 armazenadas nos picos de surfe, 17,2 estão em áreas-chave para preservação de biodiversidade que não contam com proteção legal. “Esses resultados destacam a conservação dos picos de surfe como uma possível abordagem para simultaneamente mitigar as mudanças climáticas, proteger a biodiversidade e promover o desenvolvimento sustentável em comunidades costeiras”, diz o artigo.
Para isso, destacam os pesquisadores, o papel dos surfistas pode ser fundamental. “Nosso estudo mostra a onde, exatamente, precisamos nos concentrar agora para proteger legalmente essas áreas. Surfistas ao redor do mundo são aliados fantásticos para esforços desse tipo – eles amam o mar, sabem que está ameaçado e são extremamente motivados para protegê-lo”, disse Scott Atkinson, surfista e diretor da organização Conservation International, um dos autores do estudo.